33
OS GLADES
A maioria das pessoas nem morta se deixaria apanhar no coração dos Everglades da Florida ao anoitecer. Uma terra traiçoeira, com uma miríade de insetos e predadores, mantinha os visitantes à distância. Os insetos sugadores de sangue nem sequer importam para o visitante acidental, mais preocupado com as poucas mas mortíferas espécies venenosas de cobras, as enormes pitons e os jacarés de três metros. Ali, nos Glades, só os competentes e os irresponsáveis se aventuram, e estes últimos normalmente não conseguem sair.
Matthew conhecia muito bem os Glades. Gostava do ambiente, uma das poucas coisas na vida que ainda o desafiavam e mantinham alerta. A rede tropical de madeira transbordava de vida, chilreando, silvando e piando através dos pântanos, deslizando pelos fetos ou seguindo-o com pupilas estreitas e verticais a partir da superfície da água estagnada. Adorava a emoção dos Glades, onde um segundo de descuido podia custar-lhe a vida. Como de todas as vezes que caçava, tinha de ter cuidado, e isso era mais uma competência treinada do que um talento inato.
Nessa noite, caçara ursos-negros, movendo-se lenta e silenciosamente pela densa floresta de folhosas, pronto para atacar. A época de caça ao urso-negro tinha sido suspensa, mas Matthew não se importava com os regulamentos. Era um caçador, um verdadeiro caçador como, milhares de anos antes, os seus antepassados haviam sido. Quando queria sangue fresco, deixava a caverna e ia lá fora, armado apenas com arco e flechas e uma faca de mato. Nada de armas de fogo. Nunca. Tiravam o prazer da matança. Eram barulhentas e faltava-lhes elegância. Qualquer idiota podia apertar o gatilho e matar um urso. Ele era diferente. Queria aproximar-se do animal agonizante, derrubado pela sua flecha, e vê-lo soltar o último suspiro, depois arrancar-lhe do peito a flecha ensanguentada.
A floresta perdia luz à medida que o Sol se preparava para se pôr, e a miríade de insetos e de pequenas criaturas na rede entusiasmava-se, erguendo as vozes em acalorados diálogos de inúmeros sons. Caminhou devagar, inspirando superficialmente o húmido ar tropical e prestando atenção ao estalido de cada galho, ao movimento de cada folha, a cada grito na selva.
Podia sentir o urso a aproximar-se, ainda que nenhum som se destacasse do barulho geral. Lentamente, pegou no arco e colocou-lhe uma flecha, preparando-se para estender o fio e soltá-lo. Podia detetar o animal a aproximar-se, incauto, confiando no seu ambiente, tal como Matthew fora em tempos.
As memórias invadiram-no, sobrepostas contra a paisagem densamente arborizada da rede. Vozes, articulando febrilmente palavras sobrepostas, discutindo durante horas, em vão. A impotência, o mais insuportável sentimento que alguma vez tivera de suportar, seguido do momento em que tivera de conceder a luta, perdendo a batalha na esperança de vencer a guerra. Um dia.
Não havia muitas pessoas com o poder de o fazer sofrer; eram poucas, de facto. Apenas uma, e essa magoara-o tanto que ainda ardia recordá-lo. A ferida era profunda e continuava a sangrar, o seu ego pouco habituado a ouvir alguém dizer-lhe não. Mas ela fazia-o, e a palavra dela superava a sua, uma e outra vez, e ele era obrigado a obedecer. A humilhação, a degradação que sentia, a vergonha e a indignidade ante a ideia de que outros pudessem ter sabido da sua derrota eram insuportáveis. Só conseguia pensar no dia em que a faria pagar.
Até esse dia, que se aproximava rapidamente, tinha de procurar a sua libertação tomando outras vidas, fraca compensação pela sua dose diária de degradação, quando era forçado a fazer o que ela queria em vez de levar a sua avante. Mas o dia em que ela finalmente pagaria estava próximo, e nada podia impedi-lo. Só o facto de pensar em como tudo se desenrolaria trazia-lhe ao corpo uma onda de adrenalina, uma vaga de excitação antecipada que fazia o sangue correr-lhe pelas veias.
Visualizou-a a implorar pela sua misericórdia, repetindo: «Não.» Choraria, apelaria à sua benevolência enquanto ele a castigava vezes sem conta. Ao fim desse dia, só ele estaria de pé, não ela. Ela ficaria de joelhos para sempre, implorando o seu perdão pelo derradeiro pecado da sua existência: ter-lhe dito que não a ele, o seu filho. Havia um sentido quase poético nesta visão; o círculo da vida, em que o novo substitui o antigo, a primavera derrota o inverno e o filho suplanta a mãe.
Os lábios curvaram-se-lhe para cima num sorriso de antecipação, pensando no prémio da noite, à espera que ele regressasse dos Glades. Ela estaria à sua espera, sozinha e aterrorizada no escuro, só mais um test drive, como ele gostava de chamar àquelas substitutas. Quanto mais ela esperasse, mais pronta estaria para ele. O fruto não é saboroso até estar maduro, ensinara-lhe alguém em tempos. Oh, sim, fora a mãe, quando lhe dera um sermão sobre paciência e como tudo era melhor quando meticulosamente planeado e executado. Em breve, teria a oportunidade de julgar a sua capacidade de esperar pacientemente pela recompensa, a aptidão para planear e ensaiar antes de executar na perfeição.
Um pequeno ruído chamou-lhe a atenção, quase impercetível em contraste com o concerto de criaturas, e ele virou-se para encarar a presa inocente. Era grande, aquele urso, a apenas seis metros. Puxou o fio, mantendo a flecha bem encostada a ele com os dedos. Esperou, paciente, e o urso não o desiludiu. Virou-se lentamente e depois ergueu-se sobre as patas traseiras, expondo o baixo-ventre. Foi então que ele soltou a flecha, carregando de imediato outra, pronto para disparar.
Não foi preciso um segundo disparo. O animal rugiu ao cair de lado e depois gemeu algumas vezes. Matthew aproximou-se, olhando a besta nos olhos. A surpresa inicial não tardou a ser substituída pela agonia, depois pela aceitação. Então, os seus olhos ficaram vítreos, no momento em que a vida deixava aquele corpo magnífico.
Matthew ajoelhou-se e cortou uma das garras do urso. Enfiou-a no bolso lateral e afastou-se rapidamente. Estava a ficar tarde. Tinha trabalho para fazer nessa noite.