É Aruaque

Desta forma os Taínos teriam sofrido a influência linguística dos Caraíbas durante período relativamente curto para que apresentassem vocabulário extenso de modificações decisivas. Eram ainda os Aruaques o povo mestre em fiar e tecer e, bem superior ao Caraíba depredador. O fa­brico da hamaca, pela sua delicadeza e equilíbrio de acabamento, utilização inteligente das fibras do algodão, manejo do tear, requeria a paciência minuciosa que os Aruaques já haviam demonstrado com suas mulhe­res oleiras. É para deduzir­-se que a hamaca seja trabalho feminino arua­que, transmitido por eles aos Caraíbas (por intermédio das mulheres prisioneiras e amásias) e aos Tupi­-Guaranis, aproveitadores hábeis dos algodoais nativos.

Os Aruaques são a família mais disseminada nas ilhas e continente. As variedades linguísticas e a vastidão das áreas de sua influência, móbil e complexa, são motivos surpreendentes de pesquisa fixadora, denunciando­-lhes antiguidade assombrosa no movimento migratório. Recen­seando as línguas sul­-americanas, Cestmir Loukotka dava 58 idiomas para os Caraíbas, 42 para os Tupis, 89 para os Aruaques, contando­-se 54 no Brasil.

Artur Posnanski, entusiasmado, proclamava: La gran familia Aruwak constituye el verdadero subsuelo antropológico y linguístico de todos los pobladores de las tres Américas!

Trabalhadores pacíficos, agricultores eméritos, conseguiram, sem que possamos negar­-lhes a prioridade, o processo de obter a farinha da mandioca, eliminando a substância tóxica, evidência de tempo incontável de observação e experiência. Aruaque significa, justamente, o povo, a gente da farinha, o fabricante da farinha.

Foram os oleiros magníficos, orgulhando suas peças as coleções dos Museus e séries particulares. A cerâmica de Marajó é um testemunho.

Sua organização social e religiosa excluía o antropofagismo de que os Caraíbas deram exemplo e os Tupis seguiram fielmente. Eram simples, laboriosos, acolhedores, vítimas clássicas de raças preadoras e ávidas de escravidão e saque.

Max Schmidt e Erland Nordenskiöld afirmaram pertencer à cultura aruaque o tear de madeira que os cronistas coloniais encontraram funcionando na América, na maioria do tempo e do espaço.10 Este tear foi decisivo para a divulgação da rede de dormir no Brasil, e na América do Sul.

Caracterizar o Aruaque como tendo feito as redes com as fibras das palmeiras e dos cipós era forma de entregar­-lhe a inicial da indústria porque o ciclo da utilização algodoeira é bem posterior.

É óbvio que o Caraíba, apesar da fama de criador da hamaca, recebeu­-a da mulher aruaque, fiandeira e tecedeira por tradição ininterrupta. Se a cerâmica era um dos seus títulos de glória, ainda Krickeberg informa que foram eles nos bosques tropicais, os “grandes mestres em cerâmica e cesteria, assim como na arte de fiar e tecer”.

Tornou­-se imagem semiclássica do aruaque constituir o fundamento basilar, a base comum, das mais altas culturas do Novo Mundo (Rivet, Lothrop, Krickeberg) oriunda das bacias do Amazonas e Orinoco. O Cassiquiare, que em aruaque vale “o Rio do Cacique”, ligando o Orinoco ao Rio Negro, era considerado por Nordenskiöld como canal construído por eles.

Teve a rede o Tupi por intermédio do Caraíba ou do Aruaque? Seria pouco crível que tivesse o primeiro sido presenteador. Os contatos não foram tão repetidos como verificamos com os segundos, desfeita a hipó­tese do parentesco íntimo, como deduzia Von Martius. E uma transmissão de técnica não importa na determinação do uso, mesmo diante do tão sabido utilitarismo indígena. Os Carajás receberam a rede possivelmente dos Tapirapés, tupis. Sabem­-na estes tecer, mas usam como cobertor. Deitam­-se no chão e forram­-se com a rede, como já notara Ehrenreich.

Era mais lógico que os Tupis tivessem conhecimento dos Aruaques espa­lhados no delta amazônico até o golfo venezuelano de Maracaibo, do que dos Caraíbas, nas cabeceiras do Tapajós e do Xingu. E a mata amazô­nica teria, na multidão das lianas e dos cipós, na ardência abafada da tem­pera­tura, provocado o aparecimento da rede de dormir e sua divulgação entre os povos vizinhos e vivos na mesma paisagem climatérica.

10 MAX SCHMIDT, Die Daressi­-Kabis, Baessler­-Archiv. Bd. IV, Leipzig und Berlin, 1914. p. 214.

– Erland Nordenskiöld, “Eine Geographische und Ethnographische Analyse der Materiellen Kultur zweier Indianerstämme in el Gran Chaco. Südamerika. “Göteboy. 1918. Capítulo XXV, p. 216.

Devo a tradução fiel dos trechos citados ao Rev. padre Frederico Pastor, O. S. F.