Cântico em Louvor da Rede de Dormir

J. Freire Ribeiro

Nos velhos engenhos,

nos grandes sobrados

das terras do norte,

as redes bonitas

de lindas varandas

da cor do luar!...

Recordo o passado:

meu avô, homem feito,

formado em Direito,

lembrando o Recife

deitado na rede

de papo­-pro­-ar!

Sinhazinha, velhinha,

sentada na rede,

falando sozinha

com os olhos tão cheios

das sombras do além.

Sinhazinha, coitada,

na rede deitada,

na rede que vai,

que vai e que vem!

Nas longas estradas,

nas doces paradas,

deitados nas redes

descansam tropeiros

das grandes jornadas,

nas árvores belas,

olhando as estrelas

perdidas no céu!...

Nos lares humildes,

na casa dos ricos

as redes balançam

inocentes meninos.

A mãe vai cantando

o filho embalando

canções mais suaves

lembrando essas aves

dos reinos de Deus!

A rede é também

caixão de defunto:

o morto dormindo

um sono gostoso

embalado na rede.

O morto, coitado,

não teve dinheiro,

não comprou o caixão,

e assim vai levado

embalado na rede

até que é jogado

no fundo do chão!

Lua­-nova é uma rede

de prata, fulgindo

no céu tão profundo!

Deus descansa na lua

que linda, flutua,

vendo as dores dos homens

sofrendo, no mundo!

Aracaju, 6 de agosto de 1957.