A necessidade de os particulares promoverem o reconhecimento da propriedade privada sobre recursos hídricos que a lei presuntivamente qualifica como dominiais, ou pertencentes ao domínio público, não é nova no ordenamento jurídico português. No entanto, enferma de novidade a forma de os particulares obterem esse reconhecimento. Na verdade, enquanto antes o reconhecimento da propriedade privada se fazia através de um procedimento administrativo, agora passou a operar-se com recurso aos meios judiciais.
Assim sendo, para além dos problemas tradicionais, essencialmente relacionados com a prova da propriedade privada, surgiu um novo conjunto de questões de índole estritamente processual com as quais os particulares não tiveram que lidar anteriormente. Sendo que, ainda que não seja válido entre nós um sistema de precedente, a certeza e a segurança sobre estas questões não se alcançam se não for por intermédio daquilo que os tribunais forem decidindo a propósito dos vários casos em particular.
A constatação anterior remete-nos para o principal problema que cerceia a acção de reconhecimento da propriedade privada sobre recursos hídricos: é esguio o rol de acções judiciais tendentes ao reconhecimento da propriedade privada sobre recursos hídricos, sendo praticamente inexistente a jurisprudência dos tribunais superiores sobre o assunto, ou, pelo menos, a respectiva publicitação.
Desta forma, a insegurança que algumas questões convocam e o escasso de tempo de reacção pelos particulares parecem-nos impôr uma actuação cautelosa por parte dos magistrados judiciais e uma mesma medida de bom senso por parte dos mesmos na condução e decisão das presentes acções, pois que o objectivo último da justiça não pode deixar de ser o da sua própria realização.
Esta necessidade é tão mais preemente quanto, como se viu, entrou em vigor o novo Código de Processo Civil e foi aprovado um novo regime em matéria de organização judiciária, sendo que este último apesar de aguardar ainda a respectiva entrada em vigor, não deixa de trazer assinaláveis dificuldades à lide judiciária, na medida em que o novo regime processual civil já se encontra em vigor e se mostra, em alguns aspectos, desconforme com o regime de organização judiciária antigo, que ainda mantém a sua vigência. Por isso se espera que os magistrados façam uso dos mecanismos que a lei lhes oferenda, no que respeita à concessão de primazia do mérito sobre a forma, os quais deverão jogar um papel decisivo em tão conturbados períodos de mudança.
Pelos mesmos motivos, a actuação dos particulares e o consequente patrocínio judicial devem ser exercidos de forma cautelosa, sempre que as questões emergentes suscitem dúvidas razoáveis, e pautar-se pela urgência no intentar das acções, porquanto o tempo move-se precipitadamente em seu desfavor.