5. Qual a natureza do tempo?

 

LEONARD

Alguns anos atrás, pesquisadores interessados na percepção subjetiva do tempo conseguiram fazer com que voluntários fossem amarrados a uma plataforma, içados a uma altura de trinta metros e jogados numa rede, num parque de diversões em Dallas, Texas. Antes que chegasse a sua vez, os participantes observavam alguém ser atirado. Depois dessa visão prévia, eles tinham de fechar os olhos e imaginar a queda dessa pessoa. Foram instruídos a apertar um botão no momento em que a imaginassem sendo lançada, depois outra vez quando a imaginassem aterrissar. Em seguida, eles eram jogados, um de cada vez. Os participantes tiveram então de imaginar a própria queda e, como antes, apertar um botão no início e no fim. O registro mental da experiência própria de cada um demorou bem mais do que quando eles imaginavam a experiência dos outros e do que o tempo real de sua própria experiência. Os pesquisadores já esperavam por isso, pois pessoas que passavam por acontecimentos perigosos súbitos, como ataques violentos ou acidentes de automóvel, em geral relatavam a impressão de que eles haviam ocorrido em câmera lenta. Mas nossa lembrança de um evento depende de dois sistemas neurais – o que coordena nossa percepção do evento e o que coordena o registro e a lembrança na memória. Então, pode-se perguntar, será que realmente percebemos os momentos de perigo em câmera lenta, ou apenas nos lembramos deles dessa forma? Temos uma só sensação de tempo que se distorce, ou o relógio da nossa percepção do evento anda no ritmo normal, enquanto o relógio da memória anda mais devagar?

Para estudar a questão, os sujeitos receberam relógios que piscavam números aleatoriamente, e eles tinham de ler os dígitos durante a queda. O problema é que os dígitos piscavam um pouco depressa demais para ser distinguidos – isto é, rápido demais em circunstâncias normais. Se o alongamento do tempo que afeta a memória desses eventos também afetasse a percepção, os sujeitos veriam os números piscando mais devagar durante a queda, e conseguiriam lê-los. Mas os sujeitos não foram capazes de ler os números. As lembranças dos eventos eram em câmera lenta, mas a percepção do relógio permanecia inalterada.

Os relógios da percepção e da memória não são nossas únicas medidas de tempo. Parece que temos diversos relógios internos, apoiados em diferentes mecanismos neurais. Muito da nossa sensação de tempo vem dos relógios construídos no nosso corpo e visíveis no nosso ambiente. O principal marcador no ambiente, o ritmo de dia e noite, luz e escuridão, está intimamente ligado a pelo menos um relógio do nosso corpo, o ritmo circadiano. Coisas vivas – até organismos unicelulares – têm esse ritmo biológico que funciona em ciclos de sono e vigília, no período de um dia. Em muitos animais isso é regido por um processo bioquímico no qual certas proteínas se acumulam, entram no núcleo celular, se degradam e voltam ao estado original. Esse processo é mais complexo nos seres humanos, e acontece numa parte do nosso cérebro chamada hipotálamo. Em qualquer animal, o relógio de 24 horas é apenas aproximado. Seres humanos que vivem em escuridão total terão ciclos de sono/vigília de mais ou menos 25 horas, enquanto camundongos e moscas-das-frutas mantidos na escuridão têm ciclos de um pouco menos de 24 horas. Mas, em circunstâncias normais, esses relógios biológicos são acertados todos os dias: nos homens, quando as células fotorreceptoras nos olhos e na pele captam a luz solar. Os animais têm outros ritmos corporais pré-construídos com ciclos muito mais curtos, como a entrada e saída de ar na respiração e o batimento cardíaco, assim como alguns padrões de onda que acontecem no cérebro. É por meio desses relógios internos que sentimos a passagem do tempo.

A multiplicidade dos relógios biológicos leva a algumas ilusões interessantes – por exemplo, em um experimento, os sujeitos foram enganados para pensar que um raio de luz vinha antes de eles apertarem um botão, quando na verdade vinha depois. Biólogos e neurocientistas estão interessados nos aspectos subjetivos da nossa sensação de tempo, bem como nos mecanismos físicos, químicos e biológicos que os produzem – e esses são temas realmente fascinantes. Contudo, embora nosso relógio da memória possa desacelerar quando somos jogados de uma plataforma, no resto do Universo, as coisas continuam iguais. Por isso, os físicos, ao contrário de biólogos ou neurocientistas, ou santos e sábios, veem os mistérios do tempo de uma perspectiva menos pessoal

O ponto de partida dos físicos é examinar o que o tempo significa para nós. A linguagem humana é ótima para captar sentimentos, mas não devemos deixar a linguagem definir nosso conceito de realidade. Se você ainda não pensou muito a respeito, o tempo é difícil de se definir. Trata-se de um conceito abstrato, derivado e destilado da nossa experiência. Usamos o tempo para descrever o movimento de projéteis e planetas, mas ele não é um objeto material. Pode-se pensar no tempo como se pensa no espaço, uma coordenada que nos possibilita classificar os eventos. A abertura do heliporto no alto do World Trade Center aconteceu nas coordenadas de 40°43' de latitude norte, 74°1' de longitude oeste, a 412 metros acima do nível do solo, no ano de 1972. A partir dessa perspectiva, podemos considerar o Universo um espaço quadridimensional semelhante ao espaço tridimensional que vemos ao nosso redor. Mas o tempo não só rotula os momentos em que os eventos ocorrem, ordenando-os: ele marca também sua duração.

Um dos primeiros relógios utilizados na física, ao menos de acordo com a lenda, foi uma pulsação de Galileu, que usou esse ritmo para medir o balanço de um lustre na catedral de Pisa. Hoje empregamos relógios mais confiáveis, como a oscilação natural dos átomos. Por exemplo, quando um átomo salta de um estado de energia mais alto para um mais baixo, ele emite radiação, que oscila com uma frequência determinada pela diferença de energia entre os estados. A radiação correspondente à transição entre dois níveis de energia específicos do átomo de césio 133 tem exatamente 9.192.631.770 ciclos por segundo. Posso dizer “exatamente” com confiança porque, desde 1967, esta tem sido, segundo o Sistema Internacional de Unidades, a definição de segundo. Então, quando dizemos que o cristal de um relógio de quartzo vibra 32.768 vezes por segundo, estamos falando que, se começarmos a contar simultaneamente as oscilações do cristal e a radiação, no exato momento em que a radiação do césio 133 chegar a 9.192.631.770 ciclos, o cristal de quartzo terá chegado à sua 32.768ª vibração. Isso destaca um importante conceito correlato, crucial para a definição do tempo como duração: o conceito de sincronia. Medimos o tempo que um processo leva em comparação a outro processo-padrão – como o tique-taque de um cronômetro –, tendo em conta a partida e a chegada.

Essa agradável imagem do tempo funciona bem na vida cotidiana, mas, entre 1905 e 1916, Albert Einstein mostrou que isso é apenas uma aproximação da maneira como a natureza realmente funciona. A aproximação opera muito bem se você não medir o tempo de forma muito precisa, se considerar que os objetos se movem muito mais devagar que a velocidade da luz, e que estão em um campo gravitacional não muito mais forte que aquele vivenciado por nós na Terra. Mas, na verdade, Einstein mostrou que esses conceitos sobre os quais a nossa ideia de relógio se baseia, em especial a sincronia, e mesmo numa ordem fixa de eventos, dependem do estado do observador – e ele não estava se referindo ao estado emocional.

O fato de dois eventos percebidos como simultâneos por alguém poder ocorrer em tempos diferentes da perspectiva de outro observador talvez pareça esquisito ou errado. Quem sabe ele nos ajude a observar o mesmo efeito em relação ao espaço. Vamos imaginar uma pessoa no corredor de um avião quicando uma bola no chão. O passageiro vai dizer que a bola bateu no chão no mesmo ponto, todas as vezes. Para um observador no solo, no entanto, a bola não estaria voltando para o mesmo ponto, mas traçando uma linha pelo céu a mais de 750 quilômetros por hora. Os dois observadores estão certos, de seus respectivos pontos de vista. De forma análoga, diferentes observadores podem discordar sobre eventos que acontecem ao mesmo tempo; e, se os observadores estiverem se movendo a certa velocidade um em relação ao outro, essa disparidade pode ser incrível. Esse é um aspecto importante para a nossa futura análise da natureza da realidade, por isso voltaremos a ele adiante.

A impossibilidade de observadores em movimento concordarem quanto à simultaneidade significa que os relógios podem discordar, e que diferentes observadores podem divergir quanto à duração dos eventos. Os árbitros que trabalharam no livro Guinness World Records 2010 viram o mais rápido comedor de cachorro-quente do mundo devorar 66 sanduíches em doze minutos, mas algum observador que passasse voando em alta velocidade teria achado que o banquete durou muito mais. De acordo com a relatividade, cada relógio mede seu fluxo de tempo local, e observadores que se movem em relação um ao outro, ou que estão em campos gravitacionais diferentes, vão constatar que seus relógios não coincidem.

É possível pensar num relógio como uma espécie de hodômetro do tempo. Um hodômetro mede a distância percorrida no trajeto entre um evento e outro, enquanto um relógio mede a duração de tempo transcorrido entre os dois. A distância medida por um hodômetro depende da diferença das coordenadas espaciais entre os dois eventos – como suas latitudes e longitudes – e do trajeto percorrido pelo hodômetro para chegar do primeiro ao segundo. De acordo com a relatividade, o tempo entre dois eventos medido por um relógio depende também do trajeto do relógio entre os eventos. Por exemplo, vamos supor que duas gêmeas de quinze anos tenham assistido à inauguração do World Trade Center em 1972, mas logo depois uma delas foi raptada por alienígenas e partiu num foguete muito veloz, talvez até passando por perto (mas não perto demais) do poderoso campo gravitacional de um buraco negro. Se a gêmea abduzida fosse devolvida à Terra para se reunir à irmã na inauguração do World Trade Center Memorial, em 2013, a irmã que ficou na Terra teria 46 anos, enquanto a irmã abduzida só estaria com dezesseis anos. Entre a abdução e a reunião, o hodômetro da gêmea que ficou na Terra teria registrado muitos quilômetros, e o tempo transcorrido seria de 41 anos. O hodômetro de sua irmã teria registrado muito mais quilômetros – mas o relógio, talvez apenas um ano – entre os mesmos dois eventos. Einstein demonstrou que não existe contradição nisso: essa é apenas a maneira como o tempo funciona. O efeito foi confirmado em 1971, por experimentos em que um relógio atômico muito exato saiu voando ao redor da Terra e foi comparado a um relógio idêntico no solo. O efeito no andamento do relógio, àquela velocidade relativamente baixa, chegou a uma diferença de 180 bilionésimos de segundo por circuito.

Como uma hora passeando numa noite de luar com uma namorada não parece igual a uma hora explicando seu trabalho para um chefe chato, ainda bem que dispomos de nossos confiáveis átomos de césio, cuja luz passará por 33.093.474.372.000 ciclos a cada hora, independentemente do nosso estado de espírito. Tanto o biólogo quanto o neurocientista e o físico concluem que o tempo depende do observador, mas por diferentes motivos. Para o físico, o tempo depende somente do movimento e da gravidade, e temos fórmulas matemáticas que levam em conta esses importantes fatores. Isso permite que eles façam a correspondência, para a frente e para trás, entre os diferentes relógios dos observadores, sem qualquer predisposição advinda dos sentimentos dos observadores que entram nas fórmulas da física.

Quando os seres humanos desaceleram o passo para sentir o perfume das rosas, as moléculas de damascenina beta, que transportam o cheiro, continuam em seu movimento sem ser afetadas pelos nossos desejos subjetivos. Mas quando a Terra exerce sua força gravitacional, isso afeta, sim, os relógios dos sistemas de GPS que indicam como você deve chegar à floricultura mais próxima. É assim que a natureza funciona, e é por um presente da natureza – ainda que possa ter sido um presente aleatório – que evoluímos para nos transformar em seres com mentes que conseguem compreender essa diferença.

 

DEEPAK

“A eternidade é apaixonada pelas produções do tempo.”

WILLIAM BLAKE

O tempo confere à espiritualidade uma oportunidade de ouro. As pessoas precisam de uma nova maneira de viver, onde o tempo ainda não se tornou uma espécie de inimigo psicológico. Os prazos nos pressionam. O dia só tem tantas horas. Por mais depressa que nos movimentemos, todos corremos contra o tempo. A religião também não ajudou, pois tende a ser severa com o nosso tempo na Terra. O que poderia ser mais depressivo que a doutrina puritana de “pecado na pressa, arrependimento no ócio”? Se a espiritualidade conseguisse nos libertar dos aspectos psicológicos adversos do tempo, a vida cotidiana se transformaria.

Leonard tem dificuldade para definir e medir o tempo com precisão. Apela também para um dos argumentos favoritos da ciência, de que a subjetividade não é confiável. Um físico coletando dados sobre hádrons, bósons e coisas assim não pode dizer: “Minhas medições mudaram porque estou com enxaqueca.” Mas as pessoas não usam a subjetividade para medir o tempo; nós a empregamos para vivenciar o tempo. E não há outra maneira. Sob todos os aspectos, o tempo chega a nós, através do nosso sistema nervoso, como uma experiência da consciência. Estar consciente do tempo não é abstrato nem objetivo. É pessoal e participativo. Quando aprendemos como participar do tempo, temos uma pista importante sobre como participar da atemporalidade.

Atemporalidade? A essa altura posso imaginar uma sombra de dúvida no leitor, mesmo que ele me seja favorável. Não estou contestando a precisão do relógio atômico de césio 133 porque não há necessidade de fazer isso. Qualquer aspectos do tempo, inclusive o tempo relativo de Einstein, é um produto derivado da atemporalidade: antes do Universo, o tempo não existia. Nossa fonte verdadeira é a esfera da atemporalidade. A história de como o tempo surgiu da eternidade é um grande mistério, um enigma que a espiritualidade pode resolver. Quando você ou eu conseguirmos vivenciar a atemporalidade, expressões como “vida eterna”, “alma imortal” ou “um Deus transcendente” deixam de ser somente um excesso de otimismo. Quando observamos de perto, a eternidade não significa um período de tempo longo, muito longo. Significa uma realidade em que o tempo não está presente. Mas como podemos chegar lá?

Vamos estabelecer um ponto em que a espiritualidade e a ciência concordam. O tempo é relativo. Não é fixo. Não precisamos de Einstein para confirmar isso, pois a vida cotidiana já o faz. Dependendo do estado de consciência em que se está, o fluxo do tempo muda. Em sono profundo, não existe a experiência do tempo. Nos sonhos, o tempo é completamente fluido: uma era pode se passar num momento, ou um momento passageiro pode durar uma era. (Uma das histórias sobre Buda diz que ele fechou os olhos por alguns momentos, mas que por dentro estava vivenciando milhares de anos no passado.) Leonard desceu do trem antes de chegar à estação. Ele argumenta que o tempo que percebemos com “nossos sentidos” não é o mesmo que o “produzido pelo Universo inanimado”. Mas a consciência é muito maior que os cinco sentidos. Os pássaros, abelhas e leopardos-das-neves veriam uma montanha, o céu e a Lua de formas diferentes porque essas criaturas têm sistemas nervosos específicos.

Se você mudar o sistema nervoso, a ideia de objetividade se esfacela. Isso é verdade não só para os animais, mas também para nós. Um recente experimento mostrou que monges budistas apresentam ondas cerebrais duas vezes mais rápidas que o normal na região gama: oitenta ciclos por segundo, em vez de quarenta ciclos. Supõe-se que as ondas gama são a maneira pela qual o cérebro mantém o mundo coeso, como uma experiência consciente. Por isso, os monges budistas, que recebem duas vezes o número de sinais por segundo, estão duas vezes mais despertos, ou conscientes. Em comparação a eles, as outras pessoas, funcionando com metade da vigília, estão sonolentas ou inertes.

Podemos confrontar essa descoberta com outras experiências. O jogador de futebol americano Joe Namath relatou que, quando estava “na zona de perigo”, o tempo parecia parar. A bola saía da mão dele como se estivesse em câmera lenta, ao mesmo tempo que os gritos da multidão desapareciam, e ele sabia exatamente para onde ia a bola; sabia até que ela seria recebida. Em outras palavras, o tempo não pode ser isolado da experiência pessoal, o que, por sua vez, indica que duas pessoas não podem vivenciar o tempo exatamente da mesma maneira.

Longe de ser uma ilusão, o tempo subjetivo entrosa-se bem com a física pós-newtoniana, na qual a noção de um observador objetivo foi há muito descartada pela relatividade. Se a nave estelar de um espaçonauta começar a viajar próximo da velocidade da luz, seu tempo desacelera, quando observado por alguém na Terra. Este é um princípio básico da relatividade. Mas enquanto o tempo fica tão lento quanto o melado num dia de inverno, se observado da Terra, o viajante do espaço registraria os relógios ao seu redor tiquetaqueando segundos, minutos e horas no ritmo normal. Da mesma forma, como o campo gravitacional se torna cada vez mais poderoso na vizinhança de um buraco negro, um observador distante veria o tempo do viajante espacial encurtar tanto até virtualmente parar quando ele se aproximasse do horizonte de um buraco negro – dando a impressão de que levaria um período infinito de tempo para atravessar esse horizonte e entrar no buraco. No entanto, a relatividade é secundária em relação ao ponto principal: não se pode descartar o sistema nervoso, que, portanto, tem um papel central na experiência. A ciência pode não se importar, em termos objetivos, se Joe Namath sente o tempo desacelerar; o cronômetro do árbitro diz que isso não aconteceu. Cabe a mim, então, mostrar como a subjetividade é confiável. Na tradição espiritual da Índia, o estado zero de consciência é chamado de samadhi, quando a mente entra na consciência pura. Esse estado é a experiência de um eterno agora atemporal. O tempo deixa de existir como evento mensurável. Só quando a consciência pura se divide em sujeito e objeto é que vivenciamos o fluxo do tempo.

Mais uma vez, as descobertas de grandes sábios se entrosam com a realidade quântica. (Peço desculpas por dar a impressão de que todos os sábios são indianos ou antigos. Eles sempre existiram, no Oriente e no Ocidente. Concedo um peso especial aos antigos só porque suas observações espirituais já passaram pelo teste do tempo – seja lá o que for o tempo!) O estado subjacente do Universo é atemporal. Antes do primeiro nanossegundo do big bang havia apenas o potencial para o tempo, numa dimensão de todas as possibilidades. Só depois surgiram os objetos quânticos (ou seja, energia, spin, peso, gravidade). Um potencial não tem ciclo de vida. Ele abrange passado, presente e futuro. O estado básico da física é análogo ao estado zero do samadhi. Quando essas possibilidades atemporais começam a desabar nos eventos espaço-temporais, nossa conexão com a eternidade parece perdida. Mas essa é uma ilusão fomentada pela nossa dependência de medir o tempo. Você sempre foi eterno – e sempre será.

Sem dúvida, há grandes objeções à afirmação de que é possível vivenciar a eternidade. Como pode a mente humana pensar em atemporalidade quando os pensamentos levam tempo para ser formulados? Tudo que é humano leva tempo, desde o nascimento até o leito de morte. Mas os grandes sábios perceberam que o movimento do pensamento é importante para o tempo. Se os pensamentos param de se movimentar, o tempo faz o mesmo. Todos já tivemos uma mostra disso. Quando alguém diz, “Desculpe, me deu um branco de um segundo”, é porque não está participando do tempo: o relógio parou. Buda tomou uma atitude mais radical. Ele (e muitos outros mestres espirituais) declarou que quando a mente para, tudo cessa. Não só o tempo é o movimento do pensamento – todo o Universo é o movimento do pensamento.

Se você levar essa visão a sério, vai acabar com uma ideia que fará a Terra tremer: o estado da pré-criação se pensa em tornar-se o Universo. O infinito se transforma no finito. Usando o vocabulário que preferir, uma mente em silêncio (pertencente a Buda, Brahma, no nirvana, no absoluto) cria a realidade física por meio de um pensamento, pois sem uma vibração e uma frequência o tempo não pode ter início. O mesmo se aplica ao espaço. Sem alguma espécie de vibração, não existe big bang, não há um Universo em expansão.

As vibrações emergem de uma fonte silenciosa e imóvel. Então, quando o tempo entra na criação, ele é adaptado aos sistemas nervosos que o empregam, inclusive o nosso. As lesmas, por exemplo, têm um sistema neural que vivencia o tempo em grandes intervalos de até cinco segundos, como se vissem o mundo numa série de fotos tiradas nesse espaço de tempo. Se você se abaixar e tirar depressa uma folha de alface do caminho da lesma, a faminta criatura vai achar que a folha desapareceu no ar. Uma lesma não pode acelerar o tempo, mas nós seres humanos temos uma aptidão especial: podemos vivenciar o tempo em diferentes velocidades. Há muitas versões do tempo disponíveis para nós, não apenas o movimento regular para adiante medido no relógio. Nós vemos o passado se repetir; observamos o ciclo da vida; podemos transportar nossa imaginação para a frente ou para trás; sentimos o tempo se arrastar, acelerar ou até parar.

Os médicos se preocupam com a “doença do tempo”, um termo genético para disfunções resultantes da velocidade da vida moderna. O excesso de pressa leva ao estresse, que por sua vez leva a níveis mais altos de hormônios de estresse ligados a muitas disfunções causadas pelo estilo de vida, como ataques cardíacos e hipertensão. O tempo literalmente acaba logo para certa percentagem de viúvos recentes, ou tipos cronicamente solitários, para os quais o tempo é tão pesado que há risco de morte prematura. Por isso é tão importante não apenas definir o tempo, como faz a ciência, mas compreendê-lo.

Mudar a própria sensação de si mesmo pode nos dar mais tempo e melhorar sua qualidade. Muitas pesquisas têm sido feitas com a telomerase, uma proteína específica que parece ajudar as células a viver mais. Segundo a teoria subjacente, a telomerase impede que os genes se desfibrem e passem por mutações nocivas; por isso, níveis maiores de telomerase podem ter efeito benéfico. Os estudos vêm mostrando que essa proteína aumenta se houver mudanças positivas no estilo de vida; mais que isso, a sensação pessoal de bem-estar – em particular as alterações positivas causadas pela meditação – promove a atividade da telomerase. (Uma das coautoras desse estudo de 2010 foi a dra. Elizabeth Blacburn, professora da Universidade da Califórnia, São Francisco, que dividiu um Prêmio Nobel de Medicina pela descoberta da telomerase.) Assim como podemos alterar a forma como metabolizamos o alimento, temos controle sobre como metabolizamos todas as experiências, até as abstratas, como o tempo.

Em resumo, os seres humanos estão num vértice entre o tempo e a atemporalidade. Somos uma lâmpada na porta, para usar uma antiga imagem védica. A qualquer momento podemos olhar para o manifesto ou para o não manifesto, para o visível ou para o invisível, para o mundo do tempo ou para a expansão infinita da eternidade. Quando escapamos da armadilha feita pela mente – que a ciência sem querer implantou –, nos encontramos diante de uma enorme liberdade e de um imenso poder, mas esse domínio da natureza não é um endosso para o uso da força bruta. Em vez de coagir o mundo físico a fazer o que desejamos, podemos usar a consciência para conseguir qualquer coisa. Quando nossa mente consegue regressar até a fonte, nos reconhecemos como parte do processo criativo que dá origem ao espaço, ao tempo e ao Universo físico. Este é o verdadeiro poder do agora.