Nova Iorque

4 de setembro de 2013

cap5

Um rapaz farto do seu coração partido.

Está cansado do seu cérebro tempestuoso.

Por isso bebe até deixar de sentir as peças arranharem dentro do peito, até deixar de ouvir o trovão ribombar-lhe pela cabeça. Bebe quando os amigos lhe dizem que tudo vai correr bem. Bebe quando lhe dizem que vai passar. Bebe até a garrafa estar vazia e o mundo ficar com os contornos indistintos. Aliviar a dor não chega, por isso vai-se embora, e eles deixam-no ir.

E, a dado momento, a caminho de casa, começa a chover.

A dado momento, o telemóvel toca, e não atende.

A dado momento, a garrafa escorrega, e corta a mão.

A dado momento, está fora do seu prédio e senta-se no passeio e encosta as palmas das mãos aos olhos e diz a si mesmo que é apenas mais uma tempestade.

Mas desta vez não dá sinal de passar. Desta vez, não há abertura nas nuvens, não há luz no horizonte, e o trovão dentro da sua cabeça é terrivelmente ruidoso. Por isso toma alguns comprimidos da irmã, os chapelinhos de chuva cor-de-rosa, mas continuam a não conseguir fazer frente à tempestade, e por isso também toma alguns dos seus.

Recosta-se nas escadas molhadas pela chuva e olha para cima, para o ponto em que o terraço toca o céu, e pergunta-se, não pela primeira vez, quantos passos serão dali até ao parapeito.

Não tem a certeza de quando decide saltar.

Talvez nunca o chegue a fazer.

Talvez decida entrar e depois decida ir lá para cima e, quando chega à sua porta, decida continuar a subir e, quando chega à última porta, decida sair para o terraço — e, a dado momento, ali fora, sob a chuva torrencial, decide que já não quer decidir.

Ali, o caminho é a direito. Uma extensão alcatroada de asfalto desimpedido, apenas passos entre ele e a beira do terraço. Os comprimidos começam a fazer efeito, a atordoar a dor e a deixar para trás um silêncio de algodão que, de alguma forma, ainda é pior. Os olhos fecham-se, os membros estão muito pesados.

É apenas uma tempestade, diz para si mesmo, mas está cansado de procurar abrigo.

É apenas uma tempestade, mas há sempre outra à espera, atrás dele.

É apenas uma tempestade, apenas uma tempestade — mas esta noite é demasiado, e Henry não é suficiente e por isso atravessa o terraço, não abranda enquanto não consegue ver o fundo, não para enquanto as pontas dos dedos não afloram o ar vazio.

E é aí que o estranho o encontra.

É aí que a escuridão faz uma oferta.

Não do tempo de uma vida, mas de um único ano.

Será fácil olhar para trás e perguntar-se como o pode ter feito, como pode ter abdicado de tanto por tão pouco. Mas, no momento, com os sapatos já a roçarem a noite, a verdade nua e crua é que teria vendido a alma por menos, teria trocado uma vida inteira daquilo por um dia apenas — uma hora, um minuto, um instante — de paz.

Só para entorpecer a dor dentro do peito.

Só para aquietar a tempestade dentro da cabeça.

Está cansado de sofrer, cansado de ser magoado. E é por isso que, quando o estranho lhe estende a mão e se oferece para puxar Henry da beira do precipício, não há hesitação.

Aceita simplesmente.