cap18

Está quase na hora, e estão no terraço.

O mesmo terraço de que quase se atirou um ano antes, o mesmo onde esteve com o diabo e fez o seu pacto. É o momento de fechar o círculo, e não sabe se tem de ser ali, se ele tem de estar ali, mas parece-lhe o mais acertado.

A mão de Addie está presa na sua, e isso também parece acertado.

Uma ligação à terra contra uma tempestade crescente.

Ainda há algum tempo, o ponteiro do relógio a uma fração de fração de fração de distância da meia-noite, e consegue ouvir a voz de Bea na sua cabeça.

Só tu para chegares adiantado à tua própria morte.

E Henry sorri, a contragosto, e deseja ter dito mais a Bea e a Robbie, mas a verdade pura e dura é que simplesmente não confiou em si mesmo. Despediu-se, apesar de eles só o virem a saber quando ele tiver desaparecido, e lamenta por isso, por eles, por qualquer dor que possa causar. Está contente por se terem um ao outro.

A mão de Addie aperta-se na sua.

Está quase na hora, e pergunta-se como será perder uma alma.

Se será como um enfarte, súbito e violento, ou tão fácil como adormecer. A morte assume muitas formas. Talvez neste caso também aconteça o mesmo. Irá a escuridão aparecer e enfiar uma mão dentro do seu peito e arrancar-lhe a alma de entre as costelas, como um truque de magia? Ou alguma força o irá obrigar a terminar o que começou? Andar até à beira do terraço e saltar? Será encontrado na rua, lá em baixo, como se tivesse saltado?

Ou descobri-lo-ão ali em cima, no terraço?

Não sabe.

Não precisa de saber.

Está pronto.

Não está pronto.

Não estava pronto no ano passado, no terraço, quando o estranho lhe estendeu a mão. Não estava pronto na altura e não está pronto agora e começa a desconfiar de que nunca estará pronto, nem quando o momento chegar, nem quando a escuridão aparecer para reclamar o seu troféu.

Ouve-se música derramar-se, fina e minúscula, pela janela aberta de um vizinho, e Henry desvia os pensamentos da morte e do parapeito do terraço, para a rapariga de mãos dadas com ele, aquela que lhe diz para dançar com ela.

Puxa-a para perto, e ela cheira a verão, cheira a tempo, cheira a casa.

— Estou aqui — diz ela.

Addie prometeu ficar com ele até ao fim.

O fim. O fim. O fim.

A palavra ecoa pela sua cabeça como o tiquetaque de um relógio, mas não está na altura, ainda tem tempo, embora este esteja a consumir-se muito depressa.

Ensinam-nos, quando estamos a crescer, que somos apenas uma coisa de cada vez — zangados, sós, satisfeitos —, mas nunca achou que fosse verdade. É dezenas de coisas ao mesmo tempo. Está perdido e assustado e grato, está arrependido e feliz e receoso.

Mas não está sozinho.

Começa a chover de novo, o ar a ficar húmido com o aroma metálico de tempestades na cidade, e Henry não quer saber, pensa que tem de haver alguma simetria.

Viram-se num círculo lento pelo terraço.

Não dorme bem há dias, e isso deixou-lhe as pernas pesadas, a mente demasiado lenta, os minutos a precipitarem-se à sua volta, e deseja que a música estivesse mais alta, deseja que o céu estivesse mais leve, deseja ter tido apenas um pouco mais de tempo.

Ninguém está pronto para morrer.

Mesmo quando pensa que o deseja.

Ninguém está pronto.

Ele não está pronto.

Mas está na hora.

Está na hora.

Addie está a dizer qualquer coisa, mas o relógio parou de avançar, paira agora, sem peso, sobre ele, e está na hora, e ele sente-se deslizar, sente os contornos da sua mente suavizarem, a noite pesar, e a qualquer instante o estranho surgirá, vindo das trevas.

Addie dirige o rosto de Henry para o seu, está a dizer qualquer coisa, e ele não quer ouvir, tem medo de que seja uma despedida, quer apenas agarrar-se a este momento, fazê-lo durar, obrigá-lo a parar, transformar o filme numa imagem congelada, deixar que o fim seja isso, não a escuridão, não o nada, apenas um momento eterno. Uma memória, presa em âmbar, em vidro, no tempo.

Mas ela continua a falar.

— Prometeste que ouvirias — diz ela —, prometeste que escreverias.

Ele não compreende. Os cadernos estão na prateleira. Escreveu a história dela — todas as partes.

— Pois foi — diz ele. — Pois foi.

Mas Addie abana a cabeça.

— Henry — diz. — Não te disse como acaba.