Nova Iorque
17 de março de 2014
É muito fácil dizer as palavras.
Afinal, a história nunca foi a parte mais difícil.
É um segredo que tentou partilhar muitas vezes, com Isabelle e Remy, com amigos e estranhos e quem quer que pudesse ouvir, mas, de todas as vezes, observou as suas expressões ficarem neutras, os rostos esvaziarem-se, viu as palavras pairarem no ar diante de si como fumo antes de serem dissipadas.
Mas Henry olha para ela e ouve.
Ouve quando lhe conta do casamento e das orações que não foram atendidas, das oferendas feitas de madrugada e sob o crepúsculo. Da escuridão no bosque, a desfilar como um homem, ou do desejo, e da recusa dele, e do erro dela.
Podes ficar com a minha alma quando eu já não a quiser.
Ouve quando lhe fala de viver para sempre e de ser esquecida e de desistir. Quando chega ao fim, sustém a respiração, esperando que Henry desfaça a névoa, pergunte o que ela estava prestes a dizer. Em vez disso, os olhos dele estreitam-se numa concentração especial, e Addie percebe, com o coração a bater descompassado, que ouviu cada palavra.
— Fizeste um pacto? — diz ele. Há um distanciamento na sua voz, uma calma imperturbada.
E claro que parece loucura.
Claro que não acredita nela.
É assim que o vai perder. Não para a memória, mas para a descrença.
E então, do nada, Henry ri-se.
Afunda-se contra um suporte de bicicletas, com a cabeça encostada à mão, e ri-se, e ela pensa que ele enlouqueceu, pensa que alguma coisa dentro dele se partiu, pensa, até, que está a fazer troça dela.
Mas não é o tipo de riso que se siga a uma piada. É demasiado alucinado, demasiado esbaforido.
— Fizeste um pacto — volta a dizer.
Ela engole em seco.
— Olha, eu sei o que parece, mas...
— Acredito em ti.
Pestaneja, subitamente confusa.
— O quê?
— Acredito em ti — volta ele a dizer.
Três palavrinhas, tão raras como Lembro-me de si, e devia ser sufi- ciente — mas não é. Nada faz sentido, nem Henry, nem aquilo; não faz desde o início e tem tido demasiado medo de perguntar, de saber, como se saber pudesse fazer desabar todo o sonho, mas vê as fendas que ele traz nos ombros, sente-as no seu próprio peito.
Quem és tu?, quer perguntar. Porque é que és diferente? Como é que te consegues lembrar quando mais ninguém consegue? Porque achas que fiz um pacto?
Acaba por dizer apenas uma coisa.
— Porquê?
E as mãos de Henry deslizam-lhe do rosto, olhando para cima, para ela, com os seus olhos verdes brilhantes de febre, e diz...
— Porque eu também fiz.