Nova Iorque

17 de março de 2014

cap3

Existem centenas de tipos de silêncio.

Há um silêncio denso de lugares há muito selados e o silêncio surdo de ouvidos tapados. O silêncio vazio dos mortos e o silêncio pesado dos moribundos.

Há o silêncio oco de um homem que parou de rezar, o silêncio arejado de uma sinagoga vazia e o silêncio contido de alguém a esconder-se dos outros.

Há o silêncio incómodo que preenche o espaço entre pessoas que não sabem o que dizer. E o silêncio tenso que cai sobre aqueles que o fazem, mas não sabem onde ou como começar.

Henry não sabe que tipo de silêncio é aquele, mas está a dar cabo de si.

Começou a falar no exterior da loja de esquina e continuou a falar enquanto caminhavam, porque era mais fácil para ele falar quando tinha um ponto para onde olhar, além do rosto dela. As palavras derramaram-se enquanto se aproximavam da porta azul do seu prédio, enquanto subiram as escadas, enquanto entraram no apartamento, e agora a verdade preenche o ar entre eles, pesada como fumo, e Addie não está a dizer nada.

Está sentada no sofá, com o queixo na mão.

Do outro lado da janela, o dia simplesmente continua como se nada tivesse mudado, mas tudo parece ter-se alterado, porque Addie LaRue é imortal, e Henry Strauss está condenado.

— Addie — diz, quando já não consegue aguentar mais. — Por favor, diz qualquer coisa.

E ela olha para ele, com os olhos a brilhar, não devido a um feitiço, mas das lágrimas, e ele primeiro não sabe se está desolada ou feliz.

— Não conseguia perceber — diz ela. — Nunca ninguém se lembrou. Pensei que era um acaso. Pensei que era uma armadilha. Mas não és nenhum acaso, Henry. Não és uma armadilha. Lembras-te porque fizeste um pacto. —Abana a cabeça. — Trezentos anos passados a ten- tar quebrar esta maldição, e o Luc fez a única coisa que nunca esperei. — Limpa as lágrimas e abre-se num sorriso. — Cometeu um erro.

Há um imenso triunfo nos seus olhos. Mas Henry não compreende.

— Então os nossos pactos ficam anulados? É por isso que somos imunes a eles?

Addie abana a cabeça.

— Eu não sou imune, Henry.

Ele inclina-se para trás, como se tivesse sido atingido.

— Mas o meu pacto não funciona contigo.

Addie abranda, pega-lhe na mão.

— Claro que funciona. O teu pacto e o meu combinam como bonecas russas, umas dentro das outras. Olho para ti e vejo exatamente o que quero. Só que aquilo que eu quero não tem nada a ver com aparência ou encanto ou sucesso. Pareceria terrível, noutra vida, mas aquilo que mais desejo, aquilo de que preciso, não tem nada a ver contigo, nada. O que desejo, o que sempre desejei verdadeiramente, é alguém que se lembre de mim. É por isso que consegues dizer o meu nome. É por isso que te podes ir embora e voltar e continuar a saber quem sou. E é por isso que posso olhar para ti e ver-te como és. E é o suficiente. Será sempre suficiente.

Suficiente. A palavra desvela-se entre eles, abrindo-se na garganta de Henry. Deixa entrar imenso ar.

Suficiente.

Henry enterra-se no sofá, ao lado dela. A mão de Henry desliza pela dela, os dedos de ambos enredados.

— Disseste que nasceste em 1691 — reflete ele. — Isso faz com que tenhas...

— Trezentos e vinte e três anos — diz ela.

Henry assobia.

— Nunca estive com uma mulher mais velha. — Addie ri-se. — Estás muito, mas muito bem conservada para a tua idade.

— Ora, muito obrigada.

— Como é? — diz ele.

— O quê?

— Não sei. Tudo. Trezentos anos é imenso tempo. Presenciaste guerras e revoluções. Assististe ao surgimento de comboios e carros e aviões e televisões. Viste a história acontecer.

Addie franze o sobrolho.

— Pois, acho que sim — diz —, mas não sei; a história é algo para o qual olhamos retrospetivamente, não algo que sintamos realmente na altura. No momento, estamos apenas... a viver. Não quis viver para sempre. Quis apenas viver.

Aninha-se nele, e ficam, de cabeças juntas, no sofá, entrelaçados como amantes numa história, e um novo silêncio instala-se sobre eles, leve como um lençol de verão.

E depois ela diz:

— Por quanto tempo?

A cabeça dele vira-se para ela.

— O quê?

— Fizeste o teu pacto — diz ela, com uma voz cautelosa e leve, um pé a testar gelo fino. — Por quanto tempo o fizeste?

Henry hesita e olha para cima, para o teto, e não para ela.

— Pelo tempo de uma vida — diz ele, e não está a mentir, mas uma sombra atravessa o rosto de Addie.

— E ele concordou?

Henry assente e volta a puxá-la contra si, esgotado de tudo o que disse e de tudo o que não disse.

— O tempo de uma vida — sussurra ela.

As palavras pairam entre eles, no escuro.