Nova Iorque
18 de março de 2014
Henry abranda, quando a ideia começa a tornar-se consciente.
Esquecera-se da tentativa de Bea descobrir um novo tema para a tese, um pormenor silencioso numa sessão muito ruidosa, mas agora é evidente.
A rapariga no esboço, no quadro, na escultura, está encostada ao corrimão, ao seu lado, com o rosto aberto, deliciada.
Caminham por Chelsea, a caminho da High Line, e ele para, a meio de uma passadeira, apercebendo-se da verdade óbvia, do raio de luz, como uma lágrima, na sua história.
— Eras tu — diz.
Addie exibe um sorriso radiante.
— Era.
Um carro buzina, com o semáforo a fixar-se no vermelho, em aviso, e correm para o outro lado.
— Mas é engraçado — diz ela enquanto sobem os degraus de ferro. — Não sabia do segundo. Lembro-me de me sentar naquela praia, lembro-me do homem com o cavalete, no cais, mas nunca deparei com a peça acabada.
Henry abana a cabeça.
— Pensei que não podias deixar marcas.
— E não posso — diz ela, olhando para cima. — Não posso segurar numa caneta. Não posso contar uma história. Não posso manusear uma arma ou fazer com que alguém se lembre. Mas a arte — diz ela, com um sorriso mais apagado —, a arte tem a ver com ideias. E as ideias são mais bravias do que as memórias. São como ervas daninhas, sempre a arranjarem maneira de crescer.
— Mas nada de fotografias. Nada de gravações.
A expressão dela vacila, apenas por uma fração de segundo.
— Não — diz, a palavra como uma forma nos seus lábios. E ele sente-se mal por perguntar, por a arrastar de volta às grades da sua maldição, em vez de aos espaços que encontrou entre elas. Mas nesse momento Addie endireita-se, ergue o queixo, sorri com um tipo de alegria quase desafiante.
— Mas não achas maravilhoso — diz — ser uma ideia?
Chegam à High Line ao mesmo tempo que sopra uma lufada de vento, o vento ainda cortante do inverno, mas, em vez de se encolher contra ela, de se abrigar da brisa, Addie abre o peito ao vento forte, com as faces a corarem de frio, o cabelo a esvoaçar em torno do seu rosto, e, nesse momento, Henry consegue ver o que todos os artistas viram, o que os atraiu para os seus lápis e para a sua tinta, esta rapariga impossível de captar.
E, apesar de estar seguro, com os dois pés solidamente assentes no chão, Henry sente-se começar a cair.