Nova Iorque

18 de março de 2014

cap15

Henry e Addie vão entregando as pulseiras de borracha na Artifact, sacrificando uma cor de cada vez.

Em troca da pulseira roxa, andam por entre poças, charcos de três centímetros de altura que formam círculos à volta dos seus pés. Por baixo da água, o pavimento é constituído por espelhos, que cintilam, refletindo tudo e todos. Addie olha para as faixas em movimento, para as reverberações a diminuir, e é difícil dizer se os dela terminam um instante antes dos dele.

Em troca da amarela, são guiados para cubos insonorizados do tamanho de armários, uns dos quais amplificam o som e outros que parecem engolir cada respiração. Seria uma sala de espelhos, se as superfícies inclinadas retorcessem a voz em vez de um reflexo.

A primeira mensagem diz-lhes que sussurrem, a palavra escrita na parede numa letra pequena e preta, e, quando Addie sussurra «Tenho um segredo», a palavra curva-se e enrola-se e envolve-os.

A seguinte diz-lhes que gritem, a palavra desta vez gravada a toda a extensão da parede em que está escrita. Henry não consegue obrigar-se a dar mais do que um berro pequeno e autoconsciente, mas Addie inspira profundamente e ruge, como se faria debaixo de uma ponte se estivesse a passar um comboio, e algo na liberdade destemida da sua atitude transmite-lhe ar, e subitamente ele esvazia os pulmões, o som gutural e quebrado, tão selvagem como um grito.

E Addie não se encolhe. Simplesmente ergue a voz, e, juntos, gritam até ficarem sem fôlego, gritam até ficarem roucos, saem dos cubos a sentir-se tontos e leves. Os pulmões de Henry ainda irão doer, no dia seguinte, mas terá valido a pena.

Na altura em que saem de lá aos tropeções, com o som a acompanhá-los nos ouvidos, o sol começa a pôr-se, e as nuvens estão em chamas, uma daquelas estranhas noites de primavera que lançam uma luz laranja sobre tudo.

Dirigem-se ao varandim mais próximo e olham para a cidade, a luz a refletir-se nos edifícios, o pôr do sol deixar laivos no aço, e Henry puxa-a para si, beija-lhe a nuca, sorrindo para o seu pescoço.

Está cheio de açúcar e um pouco embriagado, e mais feliz do que nunca.

Addie é melhor do que qualquer chapelinho de chuva cor-de-rosa.

É melhor do que uísque forte numa noite fria.

Melhor do que qualquer coisa que tivesse sentido há séculos.

Quando Henry está com ela, o tempo acelera e não o assusta.

Quando está com Addie, sente-se vivo, e isso não o magoa.

Ela recosta-se contra ele, como se Henry fosse o chapéu de chuva e Addie aquela que precisa de ser protegida. E Henry sustém a respiração, como se isso mantivesse o céu, lá em cima. Como se evitasse que os dias passassem.

Como se evitasse que tudo desabasse.