Nova Iorque

Inverno de 2014

cap18

Henry desiste.

Resigna-se ao prisma do seu pacto, que acabou por encarar como uma maldição. Tenta... ser um melhor amigo, um melhor irmão, um melhor filho, tenta esquecer o significado da névoa nos olhos das pes- soas, tenta fingir que é real, que ele é real.

E depois, um dia, conhece uma rapariga.

Entra na livraria e rouba um livro e, quando a surpreende na rua e ela se vira para olhar para ele, não há névoa, não há película, não há parede de gelo. Apenas uns olhos castanhos cristalinos num rosto em forma de coração, sete sardas espalhadas pelas maçãs do rosto como estrelas.

E Henry pensa que deve ser um efeito da luz, mas ela regressa no dia seguinte, e ali está mais uma vez. A ausência. Não apenas uma ausência, também, mas algo, em vez dela.

Uma presença, um peso sólido, a primeira atração firme que sentiu em meses. A força da gravidade de outrem.

Outra órbita.

E, quando a rapariga olha para ele, não vê a perfeição. Vê alguém que se preocupa demasiado, que sente demasiado, que está perdido e ávido e desperdiçado, dentro da sua maldição.

Vê a verdade, e ele não sabe como ou porquê, sabe apenas que não quer que aquilo acabe.

Porque, pela primeira vez em meses, em anos, em toda a sua vida, talvez, Henry não se sente nada amaldiçoado.

Pela primeira vez, sente que é visto.