Nova Iorque
18 de março de 2014
Falta apenas uma exposição.
À medida que a luz escasseia, Henry e Addie entregam as pulseiras de borracha azuis e entram num espaço constituído apenas por acrílico. As paredes transparentes erguem-se em fileiras. Fazem-no pensar nas estantes de uma biblioteca, ou da livraria, mas não há livros, apenas um letreiro instalado no ar, por cima das suas cabeças, que diz:
TU ÉS A ARTE
Há taças com tinta fluorescente em cada corredor, e claro que as paredes estão cobertas de marcas.
Assinaturas e garatujas, marcas de mãos e padrões.
Algumas percorrem toda a extensão da parede, outras estão encaixadas, como segredos, dentro das marcas maiores.
Addie mergulha um dedo em tinta verde e leva-o até à parede. Desenha uma espiral, uma única marca em expansão. Mas, quando chega à quarta volta, a primeira já se esbateu, desaparecendo como um seixo em água profunda.
Impossível, apagada.
O seu rosto não vacila, não desanima, mas ele capta a tristeza antes que esta também desapareça, afundando-se para longe da vista.
Como consegues aguentar?, quer perguntar. Ao invés, mergulha a mão na tinta verde, estende-a para lá de Addie, mas não desenha nada. Ao invés, espera, com a mão junto ao vidro.
— Põe a tua mão por cima da minha — diz ele, e Addie hesita apenas um momento antes de pousar a palma no dorso da mão dele, encostando os dedos sobre os de Henry. — Pronto — diz ele —, agora podemos desenhar.
Dobra a mão sobre a dele, guia o dedo indicador no vidro e deixa uma única marca, uma linha de verde. Ele sente o ar preso no peito dela, sente a rigidez súbita dos seus membros, enquanto espera que a tinta desapareça.
Mas não desaparece.
Persiste, devolvendo-lhes o olhar naquele tom ousado. Então algo se quebra dentro dela.
Faz uma segunda marca e uma terceira, solta uma gargalhada ofegante e, depois, com a mão sobre a de Henry, a dele no vidro, Addie começa a desenhar. Pela primeira vez em trezentos anos, desenha pássaros e árvores, desenha um jardim, desenha uma oficina, desenha uma cidade, desenha um par de olhos. As imagens derramam-se dela, e através dele, na parede, com uma ânsia desajeitada e frenética. E está a rir, com as lágrimas a escorrerem-lhe pelo rosto, e ele quer limpá-las, mas as mãos dele são as mãos dela, e ela está a desenhar. E então ela mergulha o dedo na tinta e leva-o à superfície do vidro e, dessa vez, escreve numa caligrafia hesitante, uma letra de cada vez.
O seu nome.
Este persiste, encaixado entre os muitos desenhos.
Addie LaRue
Dez letras, duas palavras. Não é diferente, pensa ele, das centenas de outras marcas que fizeram, só que é. Sabe que é.
A mão dela afasta-se da de Henry, e Addie estende o braço, passa os dedos pelas letras, e, por um instante, o nome fica esborratado, manchas de verde contra o vidro. Mas, quando os seus dedos se afastam, regressa, imaculado, imutável.
Algo muda então nela. Percorre-a, do mesmo modo que as tempestades o percorrem a ele, mas esta é diferente, não é sombria, mas assombrosa, de uma nitidez súbita, acutilante.
E então puxa-o para longe dali. Para longe do labirinto, para longe das pessoas deitadas sob a noite sem estrelas, para longe da feira de arte e da ilha, e ele percebe que não o está a afastar, mas a aproximar de algo.
A aproximar do ferry.
A aproximar do metro.
A aproximar de Brooklyn.
A aproximar de casa.
Durante todo o caminho, agarra-se com força a Henry, os dedos entrelaçados, a tinta verde a manchar as mãos de ambos, enquanto sobem as escadas, enquanto ele abre a porta e ela o larga então, irrompendo porta adentro, para o interior, pelo apartamento. Henry encontra-a no quarto, a tirar um bloco azul de uma prateleira, a surripiar uma caneta da mesa. Empurra-os para as mãos dele, e Henry baixa-se ao fundo da cama, abre a capa do caderno, um dos muitos que nunca usou, e ela ajoelha-se, ofegante, ao seu lado.
— Faz outra vez — diz ela.
E ele leva a ponta da caneta até à folha em branco e escreve o nome dela, numa caligrafia rígida, mas cuidada.
Addie LaRue.
Não se dissolve, não se esbate, fica ali, apenas, no centro da página. E Henry olha para cima, para ela, à espera que continue, que dite o que vem a seguir, e ela olha para baixo, para lá dele, para as palavras.
Addie pigarreia.
— Começa assim — diz.
E ele começa a escrever.