Image

SISTEMA DE FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL

O financiamento da Seguridade Social é previsto no art. 195 da Constituição Federal como um dever imposto a toda a sociedade, de forma direta e indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de contribuições sociais.

Segundo ensina Russomano, ao comentar a CLPS/84, “o problema do custeio, em Previdência Social, é um dos pontos de relevância prática, pois está ligado, intimamente, à organização administrativa e à amplitude do funcionamento do sistema”. E, com bastante atualidade, assevera: “A circunstância de o custeio de um sistema de Previdência Social (como se verifica no Brasil) depender, fundamentalmente, da contribuição de trabalhadores e empresários resulta de uma contingência, isto é, da impossibilidade prática de instalação, no País, de um regime mais amplo, de autêntica Seguridade Social, em que a responsabilidade pecuniária seja atribuída ao Estado. As demais fontes de receita do (então) INPS, na prática, são irrelevantes”.1

O modelo de financiamento da Seguridade Social previsto na Carta Magna se baseia no sistema contributivo, em que pese ter o Poder Público participação no orçamento da Seguridade, mediante a entrega de recursos provenientes do orçamento da União e dos demais entes da Federação, para a cobertura de eventuais insuficiências do modelo, bem como para fazer frente a despesas com seus próprios encargos previdenciários, recursos humanos e materiais empregados.

O orçamento da Seguridade Social tem receita própria, que não se confunde com a receita tributária federal, aquela destinada exclusivamente para as prestações da Seguridade nas áreas da Saúde Pública, Previdência Social e Assistência Social, obedecida a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO. Para tanto, este deve ser objeto de deliberação conjunta entre os órgãos competentes – Conselho Nacional de Previdência Social, Conselho Nacional de Assistência Social e Conselho Nacional de Saúde –, e a gestão dos recursos é descentralizada por área de atuação.

Além das fontes de custeio previstas no texto constitucional, este permite a criação de outras fontes, mediante lei complementar – consoante o art. 154, I, da Carta Magna –, seja para financiar novos benefícios e serviços, seja para manter os já existentes, sendo certo que é vedado ao legislador criar ou estender benefício ou serviço, ou aumentar seu valor, sem que, ao menos simultaneamente, institua fonte de custeio capaz de atender às despesas daí decorrentes.

Com a Emenda Constitucional n. 20 foram incluídos no art. 195 os §§ 9º, 10 e 11, e alterado o § 8º. As mudanças autorizam o legislador: a) a estabelecer alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas em função da atividade econômica das empresas ou da utilização intensiva da mão de obra, pretendendo, por um lado, espécie de benefício fiscal a empresas que invistam em novos postos de trabalho no mercado formal, bem como as microempresas e empresas de pequeno porte, e, por outro lado, aumentar a carga de contribuição sobre empresas cuja atividade econômica caracterize alto risco de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais – vide a Lei n. 9.732/98; b) a evitar a “sangria” de recursos da Seguridade Social para o Sistema Único de Saúde – SUS e entidades beneficentes, em detrimento do pagamento de benefícios previdenciários. A contrario sensu, vedam a remissão ou anistia de débitos para com o INSS relativos a contribuições do empregador sobre a folha de pagamentos e as retidas dos estipêndios dos empregados, cujo valor esteja acima do fixado por lei complementar.

A alteração do § 8º visa adequar a legislação ordinária à norma constitucional, já que esta, até então, dizia ser o garimpeiro espécie de segurado especial, quando a lei, de há muito, o tratava como segurado equiparado a autônomo, hoje contribuinte individual.

No que se refere às contribuições, a Emenda n. 20 alterou as incidências previstas no caput do art. 195 e seus incisos, para permitir a exação sobre todo e qualquer tipo de pagamento remuneratório a pessoa física, com vínculo de emprego ou não – a redação anterior se referia apenas à incidência sobre a “folha de salários” e também sobre a “receita ou o faturamento”, pondo fim às discussões sobre a constitucionalidade da cobrança de algumas contribuições – COFINS e PIS.

Contudo, para evitar um vácuo legislativo, a Emenda Constitucional n. 20 previu, em seu art. 12, que, até que produzam efeitos as leis que irão dispor sobre as contribuições de que trata o art. 195, são exigíveis as estabelecidas em lei, destinadas ao custeio da Seguridade Social e dos diversos regimes previdenciários.

De acordo com o art. 11 da Lei n. 8.212/91, em vigor na data da publicação da Emenda n. 20, o orçamento da Seguridade Social, no âmbito federal, é composto de receitas provenientes:

da União;

das contribuições sociais; e

de outras fontes.

A Emenda Constitucional n. 42, de 19 de dezembro de 2003, denominada Reforma Tributária, promoveu novas alterações na redação do art. 195. Foi introduzido o inciso IV para permitir a instituição de contribuição social do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. Pela inclusão dos §§ 12 e 13, ficou autorizado que lei ordinária poderá definir os setores da atividade econômica para as quais as contribuições incidentes sobre a receita, o faturamento e a importação de bens e serviços serão não cumulativas. Essa regra aplica-se inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pela incidente sobre a receita ou o faturamento.

Consoante entende Wladimir Novaes Martinez, “embora a técnica protetiva descrita nos arts. 194/204 da Constituição Federal não seja exatamente a seguridade social, a modalidade de financiamento agora evidenciado, por parte da sociedade, é uma sua característica, assinaladora da responsabilidade de todos na proteção de todos. Todavia, desfigura-se a referida técnica por não ter sido implementada a sua essência. A seguridade social não passa da somatória da Previdência Social, anteriormente conhecida, com as ações de saúde e assistenciárias”.2

O orçamento da Seguridade Social é autônomo, não se confundindo com o orçamento do Tesouro Nacional, conforme previsto no item III do § 5º do art. 165 da Constituição. Sendo assim, as contribuições arrecadadas com fundamento no art. 195 da Constituição ingressam diretamente nesse orçamento, não constituindo receita do Tesouro Nacional. Nesse sentido escreveu Hugo de Brito Machado: “As contribuições, com as quais os empregadores, os trabalhadores e os administradores de concurso de prognósticos financiam diretamente a seguridade social, não podem constituir receita do Tesouro Nacional precisamente porque devem ingressar diretamente no orçamento da seguridade social. Por isto mesmo, lei que institua contribuição social, com fundamento no art. 195, I, da Constituição Federal, indicando como sujeito ativo pessoa diversa da que administra a seguridade social, viola a Constituição”.3

A Emenda Constitucional n. 20 introduziu o inciso X no art. 167 do texto constitucional, vedando a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, I, a, e II, para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do Regime Geral de Previdência Social de que trata o art. 201 da Constituição. Essa medida é muito salutar para a Previdência Social, pois impede que o Poder Executivo destine recursos das contribuições sociais, incidentes sobre a folha de salários e sobre o rendimento do trabalho, para cobrir outras despesas que não os benefícios previdenciários.

Por tal razão, a chamada Desvinculação de Receita da União – DRU (art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com a redação da Emenda Constitucional n. 68/2011), que corresponde à destinação de 20% de toda e qualquer receita arrecadada pela União a despesas que fiquem a exclusivo critério do Poder Executivo, não pode incidir sobre tais contribuições. Em verdade, é nosso entendimento que a incidência da DRU sobre as outras contribuições à Seguridade Social – como a COFINS e a CSLL e as contribuições por adesão ao SIMPLES nacional – também registra fortes indícios de inconstitucionalidade, já que afronta, a nosso sentir, o comando constitucional originário de separação do orçamento da Seguridade Social, cujo sentido só poderia ser o de vincular tais receitas exclusivamente a gastos com Saúde, Assistência e Previdência, antes mesmo da promulgação da Emenda n. 20/98.

18.1  SISTEMA CONTRIBUTIVO

Na relação de custeio da Seguridade Social, aplica-se o princípio de que todos que compõem a sociedade devem colaborar para a cobertura dos riscos provenientes da perda ou redução da capacidade de trabalho ou dos meios de subsistência. Por ser uma relação jurídica estatutária, é compulsória àqueles que a lei impõe, não sendo facultado ao contribuinte optar por não cumprir a obrigação de prestar a sua contribuição social.

Genericamente, há duas formas de obter-se o custeio, como já visto na Parte I, Capítulo 3, desta obra: uma, pela receita tributária, unicamente, a que se chama de sistema não contributivo; e outra, pela qual a fonte principal de custeio são contribuições específicas, que são tributos vinculados para este fim, sistema então chamado de contributivo.

No sistema não contributivo, os valores despendidos com o custeio são retirados diretamente do orçamento do Estado, que obtém recursos por meio da arrecadação de tributos, entre outras fontes, sem que haja cobrança de contribuições sociais.

No sistema contributivo, por seu turno, podemos estar diante de duas espécies: uma, em que as contribuições individuais servirão somente para o pagamento de benefícios aos próprios segurados, sendo colocadas numa reserva ou conta individualizada (sistema adotado pelos planos de previdência complementar, privada), a que chamamos de sistema de capitalização; noutra, as contribuições são todas reunidas num fundo único, que serve para o pagamento das prestações no mesmo período, a quem delas necessite – é o sistema de repartição, hoje vigente em termos de Seguridade no Brasil.

18.2  PARTICIPAÇÃO DA UNIÃO

A Constituição Federal de 1988 estabelece no art. 195, caput, que a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das contribuições sociais.

O art. 165, § 5º, III, da Constituição fixa, ainda, a regra segundo a qual a lei orçamentária anual compreenderá “o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público”.

Em verdade, a União não tem, efetivamente, uma contribuição social. Ela participa atribuindo dotações do seu orçamento à Seguridade Social, fixados obrigatoriamente na Lei Orçamentária anual, além de ser responsável pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras da Seguridade, em razão do pagamento de benefícios de prestação continuada pela previdência social (art. 16 da Lei n. 8.212/91). Não há um percentual mínimo definido para ser destinado à Seguridade Social, tal como ocorre com a educação (art. 212 da Constituição). É, como sempre foi, uma parcela aleatória.

De há muito não existem mais as chamadas “quotas de previdência”, que eram taxas exigidas do público em geral com a finalidade de ser transferida a receita deles decorrente ao então Instituto Nacional da Previdência Social – INPS (art. 135 da CLPS/84).

Segundo preleciona Celso Ribeiro Bastos, “orçamento é uma peça contábil que faz, de uma parte, uma previsão das despesas a serem realizadas pelo Estado, e, de outra parte, o autoriza a efetuar a cobrança, sobretudo de impostos e também de outras fontes de recursos”.4

Entende Wladimir Novaes Martinez que “ficar o Estado (art. 16, parágrafo único, do PCSS), particularmente a União, na retaguarda das obrigações assumidas pela Previdência Social (numa palavra, quedar-se a sociedade como última garantia dos recursos financeiros necessários às prestações) é uma tomada de posição de caráter filosófico. A União garante a Previdência Social. Com isso, tem-na estatizada e sob sua administração, ferindo a ideia de o seguro social ser um empreendimento dos trabalhadores. Na verdade, se os recursos canalizados pelas contribuições não forem suficientes, a sociedade é chamada, através do orçamento da União, a contribuir”.5

Por outro lado, a União pode socorrer-se do “caixa” da Seguridade Social para pagar seus “encargos previdenciários”. A União, para fazer frente a esses encargos, é autorizada a utilizar-se dos recursos provenientes das contribuições incidentes sobre o faturamento e o lucro (art. 17 da Lei n. 8.212/91, com a redação da Lei n. 9.711/98).

Também podem ser utilizados os recursos da Seguridade Social para custear despesas com pessoal e administração geral do INSS, salvo os provenientes da arrecadação da contribuição sobre concursos de prognósticos, cuja destinação é somente para custeio dos benefícios e serviços prestados pela Seguridade Social (art. 18 da Lei n. 8.212/91).

18.3  CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS

A Constituição Federal de 1988 tratou das contribuições sociais no capítulo reservado ao Sistema Tributário Nacional, estabelecendo no art. 149 normas gerais sobre a instituição, e, no art. 195, normas especiais em relação às contribuições para a Seguridade Social.

Sobre a competência para instituição de contribuições previdenciárias temos a ressaltar que não é privativa da União, mas estende-se aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para que instituam sistemas de previdência e assistência social próprios para seus servidores, não sendo possível a estes entes criarem regimes previdenciários para trabalhadores da iniciativa privada, cuja competência é exclusiva da União. Nesse sentido instrui Roque Antonio Carrazza: “Os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, enquanto organizam o sistema de previdência e assistência social de seus servidores, estão autorizados a instituir e a cobrar-lhes contribuições previdenciárias. Sob a Constituição de 1967/69, tal cobrança já se perfazia, mas enxameavam as divergências acerca de sua constitucionalidade. Agora inexistem dúvidas de que não só a União como as demais pessoas políticas, para o custeio da previdência e assistência social de seus servidores, têm competência para criar suas próprias contribuições previdenciárias, obedecendo, mutatis mutandis, às diretrizes acima apontadas”.6

18.3.1Conceituação

Ao conceituarmos a contribuição social, estaremos, de certa forma, definindo as características dessa imposição estatal e sua natureza jurídica, pontos que geram controvérsia entre os doutrinadores.

As contribuições sociais podem ser conceituadas como “valores com que, a título de obrigações sociais, contribuem os filiados, e os que o Estado estabelece para manutenção e financiamento dos benefícios que outorga”.7

Segundo Ruprecht, “a contribuição pode ser definida como uma obrigação legal que se impõe a entidades e indivíduos para que contribuam para as despesas dos regimes de seguridade social, com base em determinados critérios legais”.8

O conceito de contribuição social dado por Hugo de Brito Machado é de: “espécie de tributo com finalidade constitucionalmente definida, a saber, intervenção no domínio econômico, interesse de categorias profissionais ou econômicas e seguridade social”.9

A contribuição para a Seguridade Social é uma espécie de contribuição social, cuja receita tem por finalidade o financiamento das ações nas áreas da saúde, previdência e assistência social.

Constituem contribuições sociais, as quais são exigidas com base nas leis que as instituíram, e que estão agrupadas no Regulamento da Previdência Social (parágrafo único do art. 195 do Decreto n. 3.048, de 6.5.99):

as das empresas, incidentes sobre a remuneração paga, devida ou creditada aos segurados e demais pessoas físicas a seu serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

as dos empregadores domésticos, incidentes sobre o salário de contribuição dos empregados domésticos a seu serviço;

as dos trabalhadores, incidentes sobre seu salário de contribuição;

as das associações desportivas que mantêm equipe de futebol profissional, incidentes sobre a receita bruta decorrentes dos espetáculos desportivos de que participem em todo o território nacional em qualquer modalidade desportiva, inclusive jogos internacionais, e de qualquer forma de patrocínio, licenciamento de uso de marcas e símbolos, publicidade, propaganda e transmissão de espetáculos desportivos;

as incidentes sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural;

as das empresas, incidentes sobre a receita ou o faturamento e o lucro;

as incidentes sobre a receita de concursos de prognósticos.

Além das contribuições referidas, deve-se acrescentar a do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar, acrescentada pela Emenda Constitucional n. 42/2003 e regulada pela Lei n. 10.865/2004 e suas modificações.

18.3.2Natureza jurídica

A identificação da natureza jurídica das contribuições para a Seguridade Social possui uma importância significativa, pois ajuda a compreender as regras que lhes são aplicáveis.

Para Wladimir Novaes Martinez, “a natureza jurídica da exação previdenciária é área na qual o Direito Previdenciário mais se relaciona com o Direito Tributário. Sede de formidáveis divergências entre publicistas e uns poucos previdenciaristas, tem estimulado enormemente os estudiosos e propiciando respeitável contribuição doutrinária”.10

Várias teorias se formaram para definir a natureza jurídica das contribuições sociais, porém, as mais significativas são: a teoria fiscal, a teoria parafiscal e a teoria da exação sui generis.

De acordo com a teoria fiscal, a contribuição para a Seguridade Social tem natureza tributária, pois se trata de uma prestação pecuniária compulsória instituída por lei e cobrada pelo ente público arrecadador com a finalidade de custear as ações nas áreas da saúde, previdência e assistência social. O fato de não se enquadrar como imposto, taxa ou contribuição de melhoria, espécies de tributos relacionados no art. 145 da Constituição Federal e no art. 5º do Código Tributário Nacional, não afasta sua natureza tributária, isto porque a instituição das contribuições sociais está prevista no art. 149 da Constituição, que compõe o capítulo “Do Sistema Tributário Nacional”.

Para os defensores da teoria parafiscal, há que se diferenciar os tributos fiscais e parafiscais. A contribuição para a Seguridade Social teria a natureza da parafiscalidade, pois busca suprir os encargos do Estado, que não lhe sejam próprios, no caso, o pagamento de benefícios previdenciários. As receitas vão para um orçamento próprio, distinto do orçamento da União, e o destino dos recursos é o atendimento das necessidades econômicas e sociais de determinados grupos ou categorias profissionais e econômicas. Embora a exigência da contribuição seja compulsória, o regime especial de contabilização financeira afasta a natureza fiscal.

Pela teoria da exação sui generis a contribuição à Seguridade Social nada tem a ver com o Direito Tributário, não possuindo natureza fiscal nem parafiscal. Trata-se de uma imposição estatal atípica, prevista na Constituição e na legislação ordinária, cuja natureza jurídica é especial.

Roque Antonio Carrazza também defende a natureza tributária das contribuições à Seguridade Social: “(...) as ‘contribuições’ são, sem sombra de dúvida, tributos, uma vez que devem necessariamente obedecer ao regime jurídico tributário, isto é, aos princípios que informam a tributação, no Brasil. Estamos, portanto, que estas ‘contribuições sociais’ são verdadeiros tributos (embora qualificados pela finalidade que devem alcançar)”.11

Em sentido contrário, Wladimir Novaes Martinez sustenta que tal exação não possui natureza jurídica tributária: “Abrigando-se a existência de um Sistema Exacional Nacional, persistentes regras universais comuns às espécies tributárias e securitárias e inexistente menção à contribuição social previdenciária no art. 149 da Lei Maior – em face da especificidade da Previdência Social, o aporte ora cogitado econômico-financeiramente é salário socialmente diferido, e juridicamente, exação não tributária”.12

Em nível jurisprudencial, destacamos a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que a contribuição de seguridade social não só se qualifica como modalidade autônoma de tributo (RTJ 143/684), como também representa espécie tributária essencialmente vinculada ao financiamento da Seguridade Social, em função de específica destinação constitucional (ADC 8-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13.10.99, DJ de 4.4.2003).

Filiamo-nos à orientação que predominou na doutrina e na jurisprudência após a Constituição de 1988, de que as contribuições destinadas ao financiamento da Seguridade Social possuem natureza jurídica tributária, pois estão sujeitas ao regime constitucional peculiar aos tributos, ressalvada apenas a previsão do § 6º do art. 195 da Carta Magna.

18.3.3Características gerais

As características gerais das contribuições sociais estão previstas no art. 149 da Constituição Federal, que estabelece para a instituição a observância das normas gerais do Direito Tributário e aos princípios da legalidade e da anterioridade, ressalvando, quanto a este último, a regra especial pertinente às contribuições para a Seguridade Social, cujo prazo de exigibilidade é de noventa dias após a publicação da lei que institui, modifica ou majora contribuição, de acordo com o previsto no art. 195, § 6º, da Constituição Federal.

As normas gerais em matéria de legislação tributária, a que estão sujeitas as contribuições sociais, estão previstas no Código Tributário Nacional – Lei n. 5.172, de 25.10.66, a qual foi recepcionada pela Constituição de 1988 com o status de lei complementar.

A regulamentação das contribuições para a Seguridade Social prevista no art. 195 da Constituição Federal por meio de lei ordinária (Lei n. 8.212/91) tem sido admitida, desde que não haja afronta às normas gerais definidas na Constituição e no Código Tributário Nacional.

As contribuições destinadas ao financiamento da Seguridade Social previstas nos incisos I, II, III e IV, do art. 195 da Constituição podem ser instituídas por lei ordinária. Todavia, para a instituição de outras fontes de custeio, destinadas a garantir a manutenção ou expansão da Seguridade Social, estabeleceu o constituinte de 1988, no § 4º do art. 195, que deve ser obedecido o disposto no art. 154, I, que estabelece: “Art. 154. A União poderá instituir: I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição”.

Dessa disposição fica evidenciado, no tocante às contribuições sociais, que a remissão trata, exclusivamente, da necessidade de lei complementar para a criação de nova contribuição, uma vez que as outras condições (não cumulatividade, fato gerador e base de cálculo inéditos) são específicas de espécie tributária, o imposto.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que para a criação de nova contribuição social basta a observância do pressuposto formal da lei complementar, o que pode ser examinado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.102-2, sendo Relator o Ministro Maurício Corrêa (in DJU, seção I, de 17.11.95, p. 39.205). E, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 138.284-8/CE, relator o Ministro Carlos Velloso, a Suprema Corte rejeitou o argumento de inconstitucionalidade da contribuição incidente sobre o lucro das pessoas jurídicas, por incidir sobre a mesma base de cálculo do imposto de renda, nos seguintes termos:

Improcede, dessa forma, a alegação de inconstitucionalidade da contribuição social sobre o faturamento, a pretexto de que tem a mesma base de cálculo de impostos previstos na Constituição. Não ocorre bitributação vedada na Constituição entre a contribuição da Lei Complementar n. 70/91 e a contribuição para o Programa de Integração Social – PIS, por incidirem ambos sobre o faturamento. Não se revestindo a contribuição social da Lei Complementar n. 70/91 do caráter de imposto, nem se compreendendo entre as outras fontes de custeio previstas no art. 195, § 4º, não se aplica a vedação do inciso I do art. 154 da Constituição Federal. A existência de duas contribuições sobre a mesma base de cálculo – o faturamento – está autorizada na própria Constituição, em seus arts. 195, I, e 239, não se podendo falar em inconstitucionalidade, nem mesmo em antinomia entre essas normas constitucionais.

O princípio da anterioridade previsto no art. 150, III, letra b, da Constituição veda a cobrança de tributo no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. O exercício financeiro começa no dia 1º de janeiro e se prolonga até o dia 31 de dezembro de cada ano.

Para as contribuições à Seguridade Social, a Constituição estabeleceu a observância de uma norma de anterioridade especial prevista no art. 195, § 6º, no sentido de que só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado.

Sendo assim, não se lhes aplica o disposto no art. 150, III, b, da Constituição, podendo ser exigidas no mesmo exercício financeiro, desde que respeitada a anterioridade dos noventa dias.

A respeito da contagem do prazo nonagesimal, o STF decidiu:

O prazo nonagesimal (CF, art. 195, § 6º) é contado a partir da publicação da medida provisória que houver instituído ou modificado a contribuição. (RE 453.490-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 17.10.2006, DJ de 10.11.2006).

Contribuição social. Anterioridade. Medida provisória convertida em lei. Uma vez convertida a medida provisória em lei, no prazo previsto no parágrafo único do artigo 62 da Carta Política da República, conta-se a partir da veiculação da primeira o período de noventa dias de que cogita o § 6º do artigo 195, também da Constituição Federal. A circunstância de a lei de conversão haver sido publicada após os trinta dias não prejudica a contagem, considerado como termo inicial a data em que divulgada a medida provisória (RE 168.421, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 16.12.97, DJ de 27.3.98).

18.4  OUTRAS RECEITAS DA SEGURIDADE SOCIAL

Constituem outras receitas da Seguridade Social, de acordo com o art. 27 da Lei n. 8.212/91:

as multas (moratórias e por descumprimento de obrigações acessórias), a atualização monetária e os juros moratórios;

a remuneração recebida por serviços de arrecadação, fiscalização e cobrança prestados a terceiros – art. 274 do Decreto n. 3.048/99;

as receitas provenientes de prestação de outros serviços e de fornecimento ou arrendamento de bens;

as demais receitas patrimoniais, industriais e financeiras;

as doações, legados, subvenções e outras receitas eventuais;

50% dos valores obtidos e aplicados na forma do parágrafo único do art. 243 da Constituição Federal;

40% do resultado dos leilões dos bens apreendidos pela Receita Federal; e

outras receitas previstas em legislação específica.

As companhias seguradoras que mantêm o seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres, de que trata a Lei n. 6.194, de dezembro de 1974, deverão repassar à Seguridade Social 50% do valor total do prêmio recolhido, destinado ao Sistema Único de Saúde – SUS, para custeio da assistência médico-hospitalar dos segurados vitimados em acidentes de trânsito.

Tais receitas não se constituem em contribuições sociais, pois não se revestem das características de tributos. As multas, exigidas por infração à legislação, são penalidades pecuniárias; os juros também se caracterizam como espécie de penalidade pelo inadimplemento; as demais verbas constantes do dispositivo se revelam como transferências de recursos públicos aos cofres da Seguridade Social.

_______

1     RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis da Previdência Social. 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981.

2     MARTINEZ, Wladimir Novaes. CD – Comentários à Lei Básica da Previdência Social, Brasília, LTr/Rede Brasil, 1999.

3     MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 10. ed., São Paulo: Malheiros, 1995, p. 316.

4     BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19. ed. atual., São Paulo: Saraiva, 1998.

5     MARTINEZ, Wladimir Novaes. CD – Comentários à Lei Básica da Previdência Social, cit.

6     CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 9. ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 351.

7     Apud GALA VALLEJO. La cotización de los seguros sociales, Madri, 1956, p. 33.

8     Direito da seguridade social. São Paulo: LTr, 1996, p. 96.

9     Op. cit., p. 313.

10    MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário. Tomo I – Noções de direito previdenciário. São Paulo: LTr, 1997, p. 241.

11    CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional ..., cit., p. 345.

12    MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário..., cit., p. 272.