A Emenda Constitucional n. 20/98 introduziu o § 11 no art. 195 da Constituição, vedando a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em lei complementar.
Essa norma constitucional limita a concessão de remissão e anistia até os valores a serem definidos em lei complementar, e, ainda, estabelece vedação ao deferimento do benefício em relação às contribuições sociais a cargo do empregador, da empresa e da entidade equiparada incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho, bem como daquelas a cargo dos trabalhadores e demais segurados da Previdência Social.
Para compreensão do alcance dessa norma constitucional é importante destacar as diferenças jurídicas entre isenção, remissão e anistia tributárias. Para tanto nos utilizamos da doutrina de Roque Antonio Carrazza:
Aqui chegados, tomamos a liberdade de destacar que a isenção não se confunde nem com a remissão, nem com a anistia. Isenção, como vimos de ver, é uma limitação legal do âmbito de validade da norma jurídica tributária que impede que o tributo nasça. Ou, se preferirmos, é a nova configuração que a lei dá à norma jurídica tributária, que passa a ter seu âmbito de abrangência restringido, impedindo, assim, que o tributo nasça (evidentemente naquela hipótese descrita na lei isentiva).
Já a remissão é o perdão legal do débito tributário. É, na terminologia do Código Tributário Nacional, uma causa extintiva do crédito tributário (art. 156, IV). Faz desaparecer o tributo já nascido e só pode ser concedida por lei da pessoa política tributante. Fazemos esta última proclamação baseados no princípio da indisponibilidade do interesse público, de largo trânsito no Direito Tributário brasileiro. A Fazenda Pública não é “dona” do tributo. Ela o lança e o arrecada, nos estritos termos da lei. Não lhe é dado abrir mão, “sponte propria”, de seu recolhimento. Pelo contrário, só poderá deixar de arrecadá-lo em cumprimento a uma lei autorizadora (praticará, pois, também neste caso, um ato administrativo vinculado).
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Em apertada síntese, pois, a isenção impede que o tributo nasça e a remissão faz desaparecer o tributo já nascido. Os efeitos são os mesmos: a não arrecadação do tributo.
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A anistia, pois, perdoa, total ou parcialmente, a sanção tributária, isto é, a multa decorrente do ato ilícito tributário. Incide sobre a infração tributária, desconstituindo sua antijuridicidade.
(...) A lei de anistia, em termos técnico-jurídicos, portanto, faz desaparecer as multas decorrentes da prática de infrações tributária (cf., inclusive, o art. 180 do CTN).1
A análise dessa norma exige também a menção ao disposto no art. 150, § 6º, da Constituição, cuja redação atual foi dada pela Emenda n. 3/93:
Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g.
Segundo comenta Wladimir Novaes Martinez:
Não obstante a distinção aí operada quanto à natureza jurídica da contribuição previdenciária, o § 11 do art. 195 limita ainda mais a ação do legislador infraconstitucional. Desconfiado da generosidade deste, limita a remissão e a anistia a montantes a serem fixados por lei complementar. Perdeu ótima oportunidade de incluir a imunidade e a isenção, restando essas alcançadas pelo dispositivo remitido. A referência a patamar fixado pela lei complementar pressupõe a prática da filosofia ora limitada. As obrigações fiscais envolvidas são as inerentes à parte patronal e profissional. As menções aos incisos I, a, e II “deste artigo” excluem do alcance as contribuições relativas ao faturamento e ao lucro. Mediante remissão, o Estado perdoa dívidas.2
É hipótese de anistia, prevista no art. 291, § 1º, do Decreto n. 3.048/99, a situação em que, tendo o infrator da legislação previdenciária oposto ou não defesa ao auto de infração no prazo regulamentar de quinze dias, venha a corrigir a falta até a decisão da autoridade administrativa julgadora competente, seja primário na conduta faltosa e não tenha ocorrido nenhuma das circunstâncias tidas por agravantes no art. 290 do Decreto. A anistia não se aplica, contudo, à multa decorrente de falta de comunicação do acidente de trabalho (art. 286 do Decreto), nem àquela decorrente do recolhimento com atraso das contribuições devidas à Seguridade Social (multa moratória).
O art. 361 do Decreto n. 3.048/99 prevê a possibilidade de concordância com valores divergentes, para pagamento da dívida objeto de execução fiscal, quando a diferença entre os cálculos de atualização da dívida por ele elaborados ou levados a efeito pela contadoria do Juízo e os cálculos apresentados pelo executado for igual ou inferior a cinco por cento. Trata-se, portanto, de hipótese de transação acerca do crédito tributário, em razão da existência de res dubia quanto ao montante devido, discutido em embargos do devedor ou em impugnação à conta, pela União. A regra é a impossibilidade da transação, por se tratar de bens públicos; todavia, nesta hipótese, dá-se a autorização por força do Decreto presidencial, excepcionalmente, com a finalidade de evitar a procrastinação do feito decorrente da discussão acerca de valores ínfimos em relação ao total devido.
Quanto à remissão, o art. 362 do Decreto n. 3.048/99 prevê o estabelecimento de critérios “para a dispensa de constituição ou exigência de crédito de valor inferior ao custo dessas medidas”.
Nos termos da Lei n. 9.429, de 1996, são considerados extintos os créditos decorrentes de contribuições sociais devidas em razão de fatos geradores ocorridos no período de 25 de julho de 1981 até a data da publicação da referida Lei, pelas entidades beneficentes de assistência social que atendiam, naquele período, a todos os requisitos dispostos no art. 55 da Lei n. 8.212, de 1991, independentemente da existência de pedido de isenção.
A Medida Provisória n. 449, de 3.12.2008, convertida na Lei n. 11.941/2009, estabeleceu: “Ficam remitidos os débitos com a Fazenda Nacional, inclusive aqueles com exigibilidade suspensa que, em 31 de dezembro de 2007, estejam vencidos há cinco anos ou mais e cujo valor total consolidado, nessa mesma data, seja igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais)”, não implicando, todavia, o direito à restituição de valores já pagos. Quanto à forma de apuração deste valor, indica o dispositivo:
§ 1º O limite previsto no caput deve ser considerado por sujeito passivo, e, separadamente, em relação:
I – aos débitos inscritos em Dívida Ativa da União, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional;
II – aos débitos decorrentes das contribuições sociais previstas nas alíneas “a”, “b” e “c” do parágrafo único do art. 11 da Lei n. 8.212, de 1991, das contribuições instituídas a título de substituição e das contribuições devidas a terceiros, assim entendidas outras entidades e fundos, administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil; e
III – aos demais débitos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.
O objetivo da regra, segundo a Exposição de Motivos encaminhada pela Presidência da República ao Congresso Nacional, é o respeito ao princípio da eficiência, que rege a Administração Pública, concedendo-se a remissão de débitos de longa data e de baixo valor, considerados pelos técnicos como de difícil recuperação.
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1 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 9. ed., São Paulo: Malheiros, 1997, pp. 471-472.
2 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Reforma da previdência social: comentários à Emenda Constitucional n. 20/98. São Paulo: LTr, 1999, p. 105.