A partir da modificação do art. 114 da Constituição pela Emenda Constitucional n. 20/98, a Justiça do Trabalho passou a ser competente, entre outras matérias, para a “execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir”. Posteriormente, com a promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004, tal competência se manteve, passando a constar do inciso VIII do referido artigo.
A competência jurisdicional para processar e julgar ações em que a União ou o INSS – autarquia federal – for partícipe na condição de autor, réu, assistente ou oponente é da Justiça Federal, consoante previsão do art. 109, I, da Constituição Federal. Ficam excluídas as questões acidentárias – estas de competência única da Justiça Estadual – e as que envolverem relação de trabalho sob regime da CLT, antes da adoção do regime da Lei n. 8.112/90 – cuja competência é da Justiça do Trabalho –, além dos processos falimentares e as ações sujeitas à Justiça Eleitoral. A outra exceção é a prevista no § 3º do art. 109 da Constituição, que permite a delegação de competência para a Justiça Estadual em relação às ações previdenciárias propostas por segurados ou beneficiários que residam em comarca que não seja sede de vara do Juízo Federal, bem como, se verificada essa condição, as execuções fiscais ajuizadas contra devedores domiciliados nas respectivas comarcas, consoante previsão do art. 15 da Lei n. 5.010, de 30.5.66.
Com a Emenda n. 20/98, tem-se entre as competências da Justiça do Trabalho a execução de contribuições sociais e acréscimos decorrentes de decisão judicial transitada em julgado, condenatória ou homologatória de acordo judicial perante seus órgãos. A matéria é regulamentada na Consolidação das Leis do Trabalho, por força das inserções realizadas pela Lei n. 10.035/2000, parcialmente alteradas pela Lei n. 11.457, de 16.3.2007.
Em que pese não haver inconstitucionalidade na modificação da competência jurisdicional para execução de contribuições levada a termo pelas duas Emendas citadas, pairam relevantes dúvidas sobre a constitucionalidade da regulamentação por lei daquilo que seria o “processo de execução” destas contribuições na Justiça Laboral, desde logo se podendo afirmar que muitas das normas inseridas na CLT revelam um total desconhecimento de princípios doutrinários e até mesmo de regras básicas do Direito Tributário, bem como de Direito Processual. A partir de então, a Justiça do Trabalho “divide” a competência para a execução de créditos da Seguridade Social com a Justiça Federal, numa estranha forma de divisão, na qual a contribuição à Seguridade Social – espécie de tributo que se constitui numa obrigação principal e autônoma em relação ao seu fato gerador – é vista como mero “acessório” dos direitos reconhecidos por uma decisão proferida na Justiça do Trabalho, o que está longe de ser verídico.
É curial apontar que a Justiça do Trabalho pode, perfeitamente, ser competente para processar e julgar execuções (fiscais) de créditos da Seguridade Social, desde que respeitados os princípios fundamentais do devido processo legal e as regras do Código Tributário Nacional, que regem as obrigações tributárias no território nacional.
Ocorre que a “liquidação” (leia-se lançamento tributário) dos valores devidos à Seguridade Social é atribuição da Administração Fazendária, por força do art. 142 do CTN, e a criação de um procedimento liquidatório no curso do Processo do Trabalho para apurar tais contribuições viola frontalmente o princípio da imparcialidade do julgador, causando um retrocesso inimaginável para fazer com que o Juiz do Trabalho seja praticamente um inquisidor/cobrador de contribuições e acréscimos de mora. Para Andrei Pitten Velloso, em interpretação com que concordamos integralmente,
a imputação do vício de inconstitucionalidade é procedente. A atribuição ao Poder Judiciário do dever-poder de aplicar as leis tributárias de ofício, substituindo-se aos agentes do INSS (rectius: auditores-fiscais da Receita), e de tomar, ex officio, as diligências necessárias à satisfação do crédito autárquico malfere o princípio da separação dos poderes, que, por ser basilar ao Estado Democrático de Direito, não pode ser afetado nem mesmo por atos do poder constituinte derivado (art. 60, § 4º, III, da CF). Além disso, ao se impor aos magistrados a tarefa de apurar, liquidar e executar créditos tributários, macula-se outro princípio basilar do Estado de Direito: a imparcialidade dos magistrados, que, sujeitos a deveres-poderes próprios da Administração Fazendária, lutarão para manter sua isenção diante da matéria que lhes é dada a apreciar, num esforço vão, diante do vilipêndio cometido às suas funções típicas. Por fim, a apuração e a formalização dos créditos tributários diretamente pelo Poder Judiciário acabam por obstar o exercício, pelo sujeito passivo, de direito público subjetivo de caráter fundamental, qual seja, o devido processo legal administrativo. Inexistindo processo administrativo, o sujeito passivo estará privado do direito de submeter a legitimidade do “lançamento tributário” à apreciação de agentes preparados e estruturados para a análise da existência de eventuais débitos tributários, tarefa que passará a ser realizada por magistrados que são especializados em matéria diversa: no Direito do Trabalho.1
Restou evidente que a intenção do constituinte derivado foi a de permitir uma execução fiscal de contribuições à Seguridade Social na Justiça do Trabalho. Porém, quando da regulamentação por lei, esta tomou outro rumo: pretendeu-se transformar a Justiça do Trabalho em órgão “administrativo”, apto a realizar arrecadação de contribuições sociais. Aqui reside o principal problema das alterações sofridas pela CLT pertinentes a este assunto: com os olhos voltados exclusivamente para a finalidade arrecadatória, o Poder Público, em vez de aparelhar eficientemente os seus órgãos dotados de poder de polícia (atualmente, a Receita Federal) e a Advocacia da União, com pessoal suficiente para poder dar conta das demandas fiscais, estabeleceu uma estranha “terceirização” da função arrecadadora, em que um servidor do Judiciário, ou até mesmo um perito contábil, nomeado pelo Juízo, faz o “acertamento” dos valores devidos ao Fisco, a título de contribuições e seus acréscimos, e o órgão fiscal, teoricamente, deixa de realizar o lançamento tributário que prevê o art. 142 do CTN, bastando que, uma vez intimado dos cálculos realizados por essa nova “autoridade administrativa” (contador judicial ou perito contábil), a Procuradoria Federal, ao silenciar no prazo indicado por lei, concorde com a conta, sem inclusive incluí-lo em Dívida Ativa, entendimento que vem predominando, infelizmente, como se verá adiante.
Não difere o entendimento de Wagner Giglio sobre a inovação trazida: “Em sua fúria desvairada de arrecadar fundos para a Previdência Social, o legislador desprezou princípios, criou atritos com outros preceitos constitucionais, atropelou o Direito e prejudicou de forma irreparável o funcionamento normal da Justiça do Trabalho, atribuindo-lhe funções administrativas de órgão auxiliar de autarquia, sem cuidar de lhe fornecer meios ou instrumentos para a missão totalmente estranha a seus propósitos e causando o desvio da finalidade precípua da execução trabalhista, que na prática deixou de ser a satisfação do direito reconhecido ao trabalhador e passou a ser o atendimento dos interesses da Previdência Social. (...) O normal seria que o Instituto Nacional de Previdência Social, tomando conhecimento de um crédito seu através de comunicação da Justiça do Trabalho, providenciasse sua apuração, sua inscrição como débito do contribuinte e sua cobrança administrativa ou por meio de ação judicial” (Revista LTr 65-06, pp. 647-649).
Porém, não é tão fácil o deslinde desta novidade constitucional e processual. De pronto, nos deparamos com diversas questões para as quais procuraremos buscar resposta plausível.
Em verdade, não existe uma contribuição específica que tenha por fato gerador a decisão judicial proferida em dissídio trabalhista. O que existe é o reconhecimento da existência de parcelas de natureza remuneratória, sobre as quais incidem as contribuições já previstas – do segurado e de seu tomador de serviços.
Nesse sentido: “Não existe, como fonte própria de custeio da Previdência Social (sic), contribuição que tenha por fato gerador, exclusivamente, os acordos celebrados na Justiça do Trabalho, já que estes se limitam a reconhecer devidas, mercê das concessões recíprocas realizadas em juízo, verbas decorrentes de relação empregatícia, que pode ser, ela própria, tributada ou não com essa finalidade” (TRF da 5a Região, AC n. 2000.05.00.016749-8/AL, 2ª Turma, Relator Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, j. 26.6.2001 – in RPS 263/921).
O recolhimento da contribuição social em decorrência do cumprimento de decisões judiciais trabalhistas surgiu com a Lei n. 7.787/89, que, em seu art. 12, caput, previa:
Em caso de extinção de processos trabalhistas de qualquer natureza, inclusive a decorrente de acordo entre as partes, de que resultar pagamento de vencimentos, remuneração, salário e outros ganhos habituais do trabalhador, o recolhimento das contribuições devidas à Previdência Social será efetuado incontinenti.
Posteriormente, a Lei de Custeio, em seus arts. 43 e 44, alterados pela Lei n. 8.620/93, no intuito de regular a matéria, estabeleceram:
Art. 43. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social.
Parágrafo único. Nas sentenças judiciais ou nos acordos homologados em que não figurarem discriminadamente as parcelas legais relativas à contribuição previdenciária, esta incidirá sobre o valor total apurado em liquidação de sentença ou sobre o valor do acordo homologado.
Art. 44. A autoridade judiciária velará pelo fiel cumprimento do disposto no artigo anterior, inclusive fazendo expedir notificação ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, dando-lhe ciência dos termos da sentença ou do acordo celebrado.
Inicialmente, há que se mencionar que as normas eram de uma imprecisão absoluta, tratando, em dois singelos artigos, da incidência de contribuições sociais sobre créditos decorrentes de decisões de mérito e homologatórias de acordos na Justiça do Trabalho – tratados como direitos sujeitos à incidência de contribuição à Seguridade Social.
Esta simplicidade extrema vinha causando uma série de transtornos na já conturbada execução trabalhista, permeada por normas que facilitam ao executado a procrastinação da satisfação do devido.
A Corregedoria-Geral do Tribunal Superior do Trabalho, por seu turno – diga-se de passagem, sem embasamento legal –, determinou em seu Provimento n. 02/93 a inclusão nos cálculos de liquidação das contribuições à Previdência, bem como a realização do cálculo do montante devido a título de imposto de renda, para desconto nos pagamentos a serem efetivados. Ou seja, deliberou, administrativamente, sobre matéria que é objeto tão somente de lei – determinando quem seja o sujeito passivo da obrigação tributária (art. 3º do Provimento), seu fato gerador (art. 5º) e o vencimento da obrigação (art. 6º).
Em dezembro de 1996, a Corregedoria-Geral do Tribunal Superior do Trabalho editou novo Provimento, que levou o n. 01, nele declarando, acertadamente, a incompetência da Justiça do Trabalho para a feitura do cálculo do imposto de renda a ser retido na fonte pagadora, mantendo, porém, o entendimento de que cabe ao Juiz do Trabalho determinar a realização de cálculo da contribuição preconizada na Lei de Custeio, sem mais mencionar as deliberações contidas no Provimento anterior a respeito da matéria.
Finalmente, atendendo aos interesses governamentais em modificar vários aspectos da arrecadação e financiamento da Seguridade Social, veio a Emenda Constitucional n. 20, promulgada em 15.12.98, a acrescer no art. 114 do texto original o § 3º, que assim preconizava competir à Justiça do Trabalho a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir. Atualmente, o mesmo dispositivo consta do inciso VIII do art. 114 da Constituição, com a redação conferida pela EC 45/2004.
Alguns esclarecimentos sobre a matéria devem ser feitos. O primeiro deles é que não é de decisão judicial que resultam direitos, mas da existência do direito, que em tempo pretérito foi lesado, e que somente por ocasião da sentença foi reconhecido pelo Estado-Juiz. Vale dizer, sentença judicial – ainda que homologando transação entre as partes num litígio perante a Justiça do Trabalho – não é fato gerador de contribuição à Seguridade, como pretende Manoel Hermes de Lima.2 Como já escreveu Wladimir Novaes Martinez, “o pagamento feito ao trabalhador, não importando a época da operação, continua sendo o mesmo, isto é, mantém a essência: é salarial, remuneratório, indenizatório, ressarcitório ou possui outra natureza, a ser perquirida em cada caso, ab initio” E, concluindo, declara que “o reconhecimento do direito a parcelas integrantes do salário de contribuição não quitadas oportunamente, ajustadas por ocasião da sentença judicial ou de acordo trabalhista, aprimora o fato gerador e deflagra a necessidade do aporte. Não chega a constituí-lo, repete-se, ele preexistia à declaração. Não altera sua essência nem sua individualidade. Somente se resultar em remuneração – base nuclear do conceito de salário de contribuição – o recebimento constituir-se-á em hipótese de incidência. A norma não diz (se quisesse, poderia dizer, mas estaria repetindo o art. 28, I, do PCPS) ser esse pagamento o fato gerador”.3
No mesmo sentido, colhe-se da jurisprudência do TRT da 12a Região:
FATO GERADOR. O fato determinante da incidência previdenciária é a constituição salarial ou remuneratória, ainda que não satisfeita oportunamente. O provimento judicial tem apenas cunho declaratório-condenatório em face do débito já gerado pela constituição remuneratória. O que determina a incidência previdenciária é o “total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa” (TRT da 12a Região, Ag. Petição 030271997-034-12-00-8, Rel. Juiz Amarildo Carlos de Lima, j. 14.2.2005).
Visando eliminar em definitivo a dúvida – a nosso ver, infundada – sobre o assunto, a Lei n. 11.941/2009 deu nova redação ao art. 43 da Lei n. 8.212/91, verbis:
Art. 43. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social.
§ 1º Nas sentenças judiciais ou nos acordos homologados em que não figurarem, discriminadamente, as parcelas legais relativas às contribuições sociais, estas incidirão sobre o valor total apurado em liquidação de sentença ou sobre o valor do acordo homologado.
§ 2º Considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço.
§ 3º As contribuições sociais serão apuradas mês a mês, com referência ao período da prestação de serviços, mediante a aplicação de alíquotas, limites máximos do salário de contribuição e acréscimos legais moratórios vigentes relativamente a cada uma das competências abrangidas, devendo o recolhimento ser efetuado no mesmo prazo em que devam ser pagos os créditos encontrados em liquidação de sentença ou em acordo homologado, sendo que nesse último caso o recolhimento será feito em tantas parcelas quantas as previstas no acordo, nas mesmas datas em que sejam exigíveis e proporcionalmente a cada uma delas.
§ 4º No caso de reconhecimento judicial da prestação de serviços em condições que permitam a aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, serão devidos os acréscimos de contribuição de que trata o § 6º do art. 57 da Lei n. 8.213, de 1991.
§ 5º Na hipótese de acordo celebrado após ter sido proferida decisão de mérito, a contribuição será calculada com base no valor do acordo.
§ 6º Aplica-se o disposto neste artigo aos valores devidos ou pagos nas Comissões de Conciliação Prévia de que trata a Lei n. 9.958, de 12 de janeiro de 2000.
Passa-se, então, ao exame das novas disposições contidas na legislação de custeio. De início, nota-se que o legislador manteve a redação do caput, no que merece ainda maiores críticas às que já vínhamos fazendo desde a edição da norma. Não há sentido lógico em se impor que “o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas”. Primeiro, por não ser ele sujeito passivo da obrigação tributária; segundo, porque o recolhimento já foi determinado pela lei – se esta não foi cumprida, não é caso de determinar recolhimento algum, mas de proceder à cobrança dos valores devidos e não pagos.
Mais adiante, nova incongruência, desta feita mais grave: a atribuição de “responsabilidade” ao Juiz pelo não recolhimento. Trata-se de uma espécie de “lei da mordaça”, a querer impor obrigação ao Juiz de um litígio trabalhista sobre matéria que sequer lhe é afeita, e que não caracteriza qualquer dolo ou omissão na função de julgar. A considerar-se tal imposição como válida, sujeitar-se-ia à responsabilização (qual? Civil? Penal? Administrativa?) o Juiz que, racionalmente convencido da inconstitucionalidade desta norma, deixasse de aplicá-la, fundamentadamente? O dever funcional do Juiz é o de, constatados indícios de ato ilícito, comunicar às autoridades administrativas, ou ao Ministério Público, para as providências cabíveis.
Buscando, pois, uma interpretação minimamente razoável para as regras em questão, tem-se que toda vez que uma decisão judicial proferida em litígio perante a Justiça do Trabalho reconhecer a existência de relação de trabalho (não apenas as relações de emprego, mas quaisquer relações de trabalho em que o prestador de serviços for pessoa física, logo segurado obrigatório do RGPS), seja apreciando a demanda, seja homologando composição amigável, havendo incidência de contribuições à Seguridade Social ainda não quitadas pelo responsável tributário, estas são devidas, não em função da sentença, nem em função da condenação no pagamento de verbas de natureza remuneratória, mas sim em função da existência pretérita de fatos geradores da obrigação de recolher contribuição aos cofres da Seguridade Social, já que, como é cediço na jurisprudência, o que gera a obrigação tributária, no caso, é a “relação laboral onerosa”:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. FOLHA DE SALÁRIOS. PRAZO DE RECOLHIMENTO. FATO GERADOR. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA N. 284/STF.
1. Alegação genérica de ofensa à lei federal não é suficiente para delimitar a controvérsia, sendo necessária a especificação do dispositivo legal considerado violado (Súmula n. 284 do STF).
2. As contribuições previdenciárias a cargo das empresas devem ser recolhidas no mês seguinte ao trabalhado, e não no mês seguinte ao efetivo pagamento.
3. “O fato gerador da contribuição previdenciária é a relação laboral onerosa, da qual se origina a obrigação de pagar ao trabalhador (até o quinto dia subsequente ao mês laborado) e a obrigação de recolher a contribuição previdenciária aos cofres da Previdência” (REsp n. 502.650-SC, relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 25.2.2004.)
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido.
(STJ, 2a Turma, REsp 507316/RS, Rel. Min. João Noronha, DJU 7.2.2007).
Quanto ao § 1º do art. 43, trata-se do antigo parágrafo único, o qual também demonstra equívoco manifesto a respeito do assunto. Refere-se o dispositivo aos acordos homologados pela Justiça do Trabalho, em que o tomador dos serviços quita valores decorrentes da suposta relação de trabalho entre autor e réu – recordando-se, aqui, por oportuno, que a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, promovida pela Emenda Constitucional n. 45, fez com que este ramo do Judiciário passasse a decidir sobre relações de trabalho em sentido amplo – e não apenas no campo antes restrito às relações de emprego e trabalho avulso.
Quanto à alusão às sentenças (imaginando-se que o legislador quis se referir às declaratórias ou condenatórias, já que os acordos judiciais também se homologam por sentença, como é comezinha regra de direito processual), é de se notar que não existe sentença que não declare a natureza jurídica do que está sendo objeto de condenação, sob pena de se tratar de sentença nula, por ininteligível.
Já o acordo judicial resolve a demanda entre autor e réu do processo – prestador de trabalho e contratante desse mesmo trabalho. Trata-se, a relação de trabalho, de relação de direito privado, em que se admite a transação em Juízo, mediante a existência da chamada res dubia. Ao celebrar acordo, autor e réu podem pactuar livremente o que está sendo objeto da composição amigável – desde que o objetivo da composição não seja prejudicar terceiros.
Daí vem a questão: uma demanda em que o autor formula dois pedidos, um de diferenças de valores pagos “por fora”, e outro, de FGTS não depositado, em que as partes resolvem compor o litígio com o valor pago apenas “a título de FGTS”, tem esse desiderato, de prejudicar terceiros? Sob a ótica de alguns, sim, pois a Seguridade Social não poderia exigir as contribuições sobre os valores pagos sem constar na “folha de pagamento”. E justamente aqui reside o equívoco.
O fato de ter a composição amigável versado somente, no nosso exemplo, sobre o FGTS – que não faz parte do conceito de salário de contribuição – não exclui o poder-dever da administração fazendária em identificar os fatos geradores de tributos e contribuições devidas. Ou seja, se o autor da demanda comprovadamente recebeu salários “por fora”, pouco importa se fez parte do acordo o reconhecimento de tais pagamentos: o Fisco tem elementos para proceder a investigação e descobrir, se for o caso, o montante pago ao trabalhador, mês a mês, procedendo daí ao lançamento de ofício e cobrança judicial futura, inclusive com encaminhamento posterior de ofício ao Ministério Público Federal, para denúncia pelo crime de sonegação de contribuições previdenciárias.
Em vez disso, o legislador, em péssima técnica legislativa tributária, estabeleceu uma condição atípica de aferição de base de cálculo de contribuições: o valor do acordo. Em função disso, tem-se visto situações teratológicas, como a União exigir contribuições previdenciárias incidentes sobre valor de acordo feito a título de indenização por danos morais – quando o único pedido era este – por entender que “não houve discriminação das parcelas objeto do acordo”. O parágrafo em questão, ademais, cria novo fato gerador e inventa um novo vencimento para a obrigação tributária – pagamento de acordo judicial, que não se confunde com o pagamento das parcelas salariais – o que poderia demandar arguição de inconstitucionalidade, por não ter sido previsto em lei complementar.
Acerca do novel § 2º, parecia encerrar em definitivo a cizânia existente – apenas na Justiça do Trabalho – acerca da caracterização do fato gerador em situações de reconhecimento de direitos apenas em Juízo. O dispositivo incorpora a posição unânime dos Tribunais Regionais Federais e do STJ – antes da matéria passar a ser de competência da Justiça do Trabalho e mesmo depois, naquelas execuções fiscais que permaneceram na competência da Justiça Federal. Pouco importa quando se deu o ingresso em Juízo da ação, ou quando foi prolatada a sentença, ou quando foi liquidado o cálculo, ou ainda, quando foi quitada a verba em que foi condenado o réu: o cálculo da contribuição previdenciária retroagirá à época de cada mês em que houve a prestação de serviços, tal como sempre se fez em relação aos próprios créditos trabalhistas reconhecidos em decisão judicial.
Entretanto, a Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho vem decidindo a matéria de forma a declarar incidentalmente a inconstitucionalidade do referido dispositivo, acarretando a análise da matéria pelo Pleno daquela Corte.
Na prática, o que se discute é o momento a partir do qual se inicia a contagem para eventual cobrança de juros e valores devidos a título de contribuição previdenciária em sentenças já liquidadas.
Ao analisar um recurso de revista impetrado pelo Banco Mercantil, a Sexta Turma determinou que a forma de cálculo da contribuição previdenciária deveria seguir regra que vigorava antes da alteração do art. 43 da Lei 8.212/91. Ao entender pela inconstitucionalidade do dispositivo, suspendeu o julgamento e determinou a remessa dos autos ao Pleno do TST, nos termos do art. 97 da Constituição Federal e da Súmula Vinculante 10 do STF.
“A norma constitucional definiu o fato tributável, não cabe a lei infraconstitucional criar novo fato. Não resta dúvida que a lei infraconstitucional altera e amplia o fato tributável da contribuição social em flagrante confronto com o texto constitucional”, fundamentaram os ministros que compõem a Sexta Turma ao arguir o incidente de inconstitucionalidade.
A União, que atuou como parte interessada na ação, defende que o fato gerador se dá no momento da prestação do serviço. Já o relator do processo, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, argumenta que o fato gerador deve ocorrer conforme o art. 195, I, a, da Constituição – a partir da “folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados”.
Dessa forma, a União tem impugnado no Supremo Tribunal Federal (STF) reclamação contra as decisões do TST, pretendendo que os cálculos observem como fato gerador das contribuições o momento de sua incidência, ou seja, a data de prestação de serviços.
Quanto à cobrança de juros e multa, defende a União que o não pagamento das contribuições nos prazos previstos na legislação – até o dia 20 do mês seguinte àquele a que as contribuições se referirem, ou até o dia útil imediatamente anterior – acarreta a cobrança moratória. A União alega ainda que a regra se estende mesmo se o pagamento ocorrer na Justiça do Trabalho.
“É preciso extrair o fato gerador conceituado pela norma constitucional e se estabelecer a distinção de crédito e pagamento, como se crédito fosse o ato de ser credor e, daí, decorreria da prestação de serviço”, afirmou o relator ministro Aloysio Corrêa da Veiga. Complementou ainda que crédito, na interpretação do texto constitucional, equivale ao pagamento, “por uma modalidade específica, natural, do termo creditar, cuja concepção remete tornar disponíveis os valores”.
Com este entendimento, propôs o ministro que o fato gerador da contribuição previdenciária, cuja base de cálculo poderá remontar a prestação de serviços, não acarreta multa moratória retroativa a dada da base de cálculo da contribuição. “Não se mostra razoável que haja exigibilidade da contribuição social antes do pagamento.”
O ministro sustentou que o fato tributário é o pagamento e a prestação de serviços à base de cálculo. Assim, propôs a rejeição do incidente de inconstitucionalidade para dar a correta interpretação aos termos do art. 43 da Lei 8.212/91, pela sua compatibilidade com o art. 195, I, a, da Constituição Federal, no sentido de que o fato gerador da contribuição previdenciária, em relação à execução de direito reconhecido judicialmente, é o valor em pecúnia objeto da declaração pelo juízo trabalhista.
Segundo o relator, a Sexta Turma já vem se posicionando neste sentido. Para retratar tal entendimento, sugeriu que o TST edite uma súmula sobre o assunto com o seguinte teor: “O fato gerador da contribuição previdenciária, mesmo após a nova redação atribuída ao art. 43 da Lei 8.212/91 pela Lei 11.941/2009, rege-se pelo que dispõe o art. 195, I, a, da Constituição Federal limitando-se as sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto de acordo homologado, que integrem o salário de contribuição”.
Durante a proclamação dos votos houve consonância pela constitucionalidade do art. 43 da Lei 8.212, mas divergência quanto à fundamentação do voto. A ministra Dora Maria Costa pediu vista regimental do processo.
O art. 276 do Regulamento prevê que a apuração da contribuição do empregado – e por conseguinte, também a do empregador – seja feita mês a mês, aplicando-se as alíquotas do art. 198 do Regulamento (as mesmas utilizadas para a contribuição dos segurados empregados), observado o limite máximo do salário de contribuição, omitindo-se a respeito da contribuição patronal, bem como sobre quem deverá sofrer o ônus do pagamento. Quanto ao vencimento da obrigação, deve-se considerar o prazo estabelecido na época em que a contribuição era devida, mês a mês, para o cálculo dos acréscimos de mora (juros e multa).
No nosso entender, a decisão proferida pela Justiça do Trabalho concorre, por assim dizer, com a atuação fiscal dos auditores da Receita Federal do Brasil: o Fisco toma conhecimento de irregularidades praticadas pelos contribuintes ou responsáveis tributários, via de regra, pela atuação do seu corpo de fiscais. Mas, sendo dever de ofício dos órgãos judiciários comunicar às autoridades competentes quaisquer indícios de violação da ordem jurídica, a comunicação feita pelo Juiz do Trabalho à Receita surte efeito semelhante ao do comparecimento do auditor-fiscal ao estabelecimento de uma empresa: constata-se, de forma inequívoca, eventual inadimplemento de obrigações tributárias para com a Seguridade Social.
Então, da mesma forma como acontece quando um auditor-fiscal da RFB comparece à empresa e faz constatação de inadimplemento, o débito já existe, não foi “criado” pela ida do auditor ao estabelecimento, nem pela sentença proferida pela Justiça do Trabalho. Daí porque existem “acréscimos moratórios” devidos, como menciona o art. 114, VIII, da Constituição. Porém, o texto do art. 276 do Decreto é omisso a esse respeito, dando a falsa impressão de que o efeito de um crédito da Seguridade Social “decorrente” de uma decisão judicial trabalhista seria diverso daquele constatado pela ação da fiscalização da Receita.
Novamente se observa na jurisprudência o entendimento consoante os princípios de Direito Tributário e Previdenciário aplicáveis à espécie:
CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. JUROS E MULTA. FATO GERADOR. A prestação de serviços pelo trabalhador constitui o fato gerador das contribuições previdenciárias. Estando o empregador em mora com o adimplemento das verbas trabalhistas, é devida a aplicação de juros e multa das contribuições previdenciárias a partir do vencimento daquelas verbas, observados os critérios previstos na legislação previdenciária. (TRT da 12a Região, Processo n. 00445-2001040-12-00-2, Rel. Juíza Lourdes Dreyer, TRTSC/DOE em 8.12.2009).
Todavia, o legislador labora em novo equívoco conceitual, ao atribuir, no texto do recém-criado § 3º do art. 43, um novo prazo de vencimento da obrigação. Se o fato gerador, como bem esclarece o § 2º, é a prestação de serviço, e a apuração da contribuição e seus acréscimos a ele retroage, o vencimento da obrigação ocorreu no mês seguinte ao da prestação laboral – a exemplo do empregador que não quitou as verbas trabalhistas no mês seguinte ao trabalhado, e somente em Juízo é compelido a fazê-lo. Não há porque estabelecer prazo diferente, porque o devedor, no caso, já está inadimplente. Não há dois prazos de vencimento para uma mesma obrigação tributária. Vencido o prazo, o devedor cai em mora, e se sujeita aos juros e multa moratórios.
O § 4º apenas acrescenta o cabimento da cobrança da contribuição específica para custeio de aposentadorias especiais, quando o autor da demanda fizer jus a esta, por exemplo, quando caracterizada atividade insalubre constante do Anexo ao Decreto n. 3.048/99.
O § 5º tinha redação diversa quando editada a Medida Provisória n. 449, sendo similar à da Lei n. 11.457/2007, que incluiu previsão idêntica no § 6º do art. 832 da CLT. Por evidente, o acordo posterior ao julgamento somente pode versar sobre a transação dos créditos do trabalhador, nunca os da Fazenda Pública, como se explicita melhor no item 11.6, adiante. Todavia, no Congresso Nacional, o texto foi modificado, para fazer constar o oposto. Trata-se de matéria que deve ser observada com cautela, pois acarretará “acordos pagos por fora” na Justiça do Trabalho, para evitar a incidência de contribuições. Uma solução razoável é considerar que o texto se refere a “decisões de mérito” não transitadas em julgado ainda, porque no caso das decisões transitadas em julgado, prevalece a disposição do art. 832 da CLT. Em suma, trata-se de mais um problema causado pelos nossos legisladores, que muitas vezes mais prejudicam do que colaboram com a ordem jurídica.
A esse respeito, ainda pesa em sentido contrário à intangibilidade do crédito da Fazenda Pública a Orientação Jurisprudencial do TST abaixo:
376. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ACORDO HOMOLOGADO EM JUÍZO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. INCIDÊNCIA SOBRE O VALOR HOMOLOGADO.
É devida a contribuição previdenciária sobre o valor do acordo celebrado e homologado após o trânsito em julgado de decisão judicial, respeitada a proporcionalidade de valores entre as parcelas de natureza salarial e indenizatória deferidas na decisão condenatória e as parcelas objeto do acordo.
Por fim, a última novidade é a previsão de execução de contribuições decorrentes de acordos firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia, de que trata a Lei n. 9.958/2000, regra que merece elogios, já que até então não havia qualquer fiscalização do Estado sobre as transações ocorridas nas ditas comissões.
Acerca da inserção, no texto da Lei de Custeio, da caracterização do fato gerador da obrigação tributária-previdenciária como sendo não somente o pagamento da remuneração, mas o simples fato de ser devida esta mesma remuneração, há quem sustente haver inconstitucionalidade, por não estar prevista tal incidência no texto da Constituição, ensejando a necessidade, para esta corrente de pensamento, de edição de lei complementar que, então, fizesse tal inclusão. Todavia, trata-se de entendimento que, além de beneficiar o infrator da norma (neste caso, portanto, o crime de sonegação fiscal de contribuições previdenciárias, tipificado no art. 337-A do Cód. Penal, não se materializaria), não encontra guarida na firme jurisprudência do STF, verbis:
Todas as contribuições, sem exceção, sujeitam-se à lei complementar de normas gerais, assim ao C.T.N. (art. 146, III, ex vi do disposto no art. 149). Isto não quer dizer que a instituição dessas contribuições exige lei complementar: porque não são impostos, não há a exigência no sentido de que os seus fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes estejam definidos na lei complementar (art. 146, III, a). (STF, RE 138.284, Rel. Min. Carlos Velloso, julg. 1.7.1992).
Não discrepa o posicionamento pacífico do STJ, já de décadas, a respeito da matéria:
CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE O PAGAMENTO DE SALÁRIOS. FATO GERADOR. DATA DO RECOLHIMENTO.
1. O fato gerador da contribuição previdenciária do empregado não é o efetivo pagamento da remuneração, mas a relação laboral existente entre o empregador e o obreiro.
2. O alargamento do prazo conferido ao empregador pelo art. 459 da CLT para pagar a folha de salários até o dia cinco (05) do mês subsequente ao laborado não influi na data do recolhimento da contribuição previdenciária, porquanto ambas as leis versam relações jurídicas distintas; a saber: a relação tributária e a relação trabalhista.
3. As normas de natureza trabalhista e previdenciária revelam nítida compatibilidade, devendo o recolhimento da contribuição previdenciária ser efetuado a cada mês, após vencida a atividade laboral do período, independentemente da data do pagamento do salário do empregado.
4. Em sede tributária, os eventuais favores fiscais devem estar expressos na norma de instituição da exação, em nome do princípio da legalidade.
5. Raciocínio inverso conduziria a uma liberação tributária não prevista em lei, toda vez que o empregador não adimplisse com as suas obrigações trabalhistas, o que se revela desarrazoado à luz da lógica jurídica.
6. Recurso desprovido.
(REsp 419.667/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJU 10.3.2003).
Na Lei de Custeio tem-se que, embora os segurados empregados, domésticos e avulsos sejam contribuintes, a contribuição não passa por suas mãos. É obrigação legal do empregador fazer a retenção da contribuição devida, de modo que o salário “líquido” do empregado é aquele apurado após a dedução da contribuição à Seguridade, entre outras deduções legais e contratuais. A previsão legal está no art. 30, inciso I e alíneas (doméstico, inciso V), estabelecendo a norma que, após arrecadar as contribuições dos segurados, deverá o empregador (empresa ou empregador doméstico) fazer o recolhimento, ou seja, a entrega do numerário ao ente arrecadador, assim como a sua própria contribuição.
Situação idêntica ocorre quanto ao contribuinte individual, prestador de serviços pessoa física, sem relação de emprego, quando remunerado por pessoa jurídica, por força da Lei n. 10.666/2003: também a empresa é responsável pela retenção da contribuição do segurado, no percentual de 11% sobre o salário de contribuição, limitado ao valor-teto.
Mais adiante, o § 5º do art. 33 da Lei n. 8.212/91 dispõe sobre o descumprimento da obrigação de fazer a retenção e o recolhimento, verbis:
O desconto de contribuição e de consignação legalmente autorizadas sempre se presume feito oportuna e regularmente pela empresa a isso obrigada, não lhe sendo lícito alegar omissão para se eximir do recolhimento, ficando diretamente responsável pela importância que deixou de receber ou que arrecadou em desacordo com o disposto nesta Lei.
Em matéria penal, cumpre lembrar que a Lei n. 9.983/2000 estabelece entre os crimes contra a Seguridade Social o de “sonegação de contribuições previdenciárias”, que é praticado pelo tomador de serviços que utiliza de meios fraudulentos para não declarar fatos geradores de contribuição previdenciária, com a finalidade de não recolhê-las ou recolhê-las a menor que o devido (a matéria se encontra no Capítulo seguinte, ao qual remetemos o leitor para maiores detalhamentos). Tal situação é bastante comum nas lides trabalhistas, em que grande parte dos trabalhadores postulam o reconhecimento da relação de emprego por terem trabalhado “sem carteira assinada”, ou ainda, quando o empregador, usando do famoso método do “caixa dois”, paga parte da remuneração do empregado “por fora”, ou seja, sem que esteja indicado nos recibos de pagamento de salários.
Em se tratando de delito, além do dever de comunicação ao Ministério Público Federal, para o ajuizamento da ação penal contra o empregador infrator, na forma do art. 40 do Código de Processo Penal, cumpre ao Juiz do Trabalho fazer com que o ônus pelo descumprimento da lei recaia exclusivamente sobre o infrator – o empregador, no caso – de modo que: (1) as contribuições inadimplidas, sejam as patronais, sejam as que deveriam ter sido deduzidas da remuneração do empregado, sejam satisfeitas em sua totalidade pelo empregador infrator; e (2) diante da mora tributária, que retroage ao dia do vencimento da obrigação – nos meses seguintes a cada mês trabalhado – seja exigido o pagamento dos juros de mora e da multa moratória previstos na Lei n. 8.212/91, tal como ocorreria caso a situação fosse flagrada por um auditor-fiscal da Receita.
Outrossim, cumpre citar o que preceitua o art. 34 da Lei de Benefícios da Previdência – Lei n. 8.213/91, ao tratar do cálculo da renda mensal do benefício do segurado empregado e trabalhador avulso, para quem serão computados os salários de contribuição referentes aos meses em que as contribuições eram devidas, ainda que não tenha havido recolhimento pela empresa, “sem prejuízo da respectiva cobrança e da aplicação das penalidades cabíveis”.
Assim, fica evidente que a legislação de financiamento do sistema de seguridade impõe ao empregador a responsabilidade integral por recolhimentos ocorridos fora da chamada “época própria”, ou seja, no mês subsequente ao do pagamento devido. Vale dizer, por exemplo, no caso típico do trabalhador sem carteira assinada, cujo vínculo de emprego é reconhecido em Juízo, as contribuições não efetuadas nos meses em que vigeu o contrato de trabalho são de inteira responsabilidade do empregador. No mesmo entendimento, Wladimir Novaes Martinez preconiza que, “pertinentemente às parcelas discutíveis (a empresa tem o dever de considerar as integrantes e não integrantes do salário de contribuição), a dedução é descabida. Inserida no montante do litígio processual, a possibilidade de fazê-lo queda-se na dependência do teor da sentença judicial”.4
E quando o pagamento de alguma parcela salarial foi protelado pelo empregador, como, por exemplo, reajustes salariais, décimo terceiro salário ou horas extras? Neste caso, defendem alguns, não houve pagamento da verba, donde não haveria contribuição a recolher. Tal raciocínio não merece guarida. Como já frisado, a hipótese de incidência contempla o fato de ser tão somente devida a verba para que ocorra a obrigação de contribuir. O momento da incidência é um só, em relação a cada verba, e como bem disse Wladimir Martinez,5 é ilógico que as partes possam a seu talante alterar o momento de incidência da contribuição. Primeiramente porque, antes da obrigação de recolher contribuições sociais, o empregador tem a obrigação de pagar o salário devido, com todos os seus acrescidos (gratificações, adicionais, comissões, etc.); se não o faz, pratica ato ilícito, sonegando o cumprimento da lei, não podendo invocar o desconhecimento da norma para eximir-se da culpa. Então, sendo a falta de pagamento da verba salarial um ilícito, ainda que de caráter meramente civil, causando dano material, não há razão para aplicar regra diversa daquela disposta no já mencionado § 5º do art. 33 da Lei de Custeio.
O que é impróprio, com a devida vênia de entendimentos em sentido contrário, é querer descontar dos créditos do empregado a contribuição social que deveria ter sido retida, caso o pagamento da verba tivesse sido feito na época correta, e não após o trânsito em julgado de decisão judicial ou acordo homologado. Não se perca de vista que a decisão judicial condenatória tem tão somente o efeito de um reconhecimento a posteriori de um direito vilipendiado; não cria direitos, apenas declara-os existentes e não satisfeitos.
Apenas para efeito de corroborar a tese, observe-se que, caso a irregularidade no recolhimento seja constatada pela ação fiscal – pela visita de Auditor Fiscal ao estabelecimento –, a notificação fiscal de débito é expedida contra o empregador, inclusive quanto a contribuições que deveriam ter sido descontadas do empregado, não cabendo à empresa qualquer direito regressivo contra a pessoa do segurado.
Contudo, evidentemente, há situações em que não se pode atribuir a culpa pelo atraso no pagamento da verba ao empregador. Por exemplo, quando se discute a aplicabilidade de índices de reajuste, como nos casos da URP e do IPC, ou em dissídios coletivos de natureza econômica, apenas com a sentença pode haver o reconhecimento do direito, e, nestes casos, se algum direito foi tolhido, não há como imputar ato ilícito à empresa. Sob tais circunstâncias, admite-se que o empregado seja onerado com a contribuição à Seguridade sobre seus ganhos, sendo assim exceção à regra do art. 33, § 5º, da Lei de Custeio.
Por estas razões, entendemos que a obrigação dos recolhimentos decorrentes de créditos reconhecidos por decisão judicial é de inteira responsabilidade e ônus da empresa, salvo quando o atraso no pagamento de parcela salarial não caracterize ato ilícito do empregador.
Neste sentido, firmou-se entendimento na I Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, ocorrido em novembro de 2007, no Tribunal Superior do Trabalho, verbis:
73. EXECUÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. REVISÃO DA SÚMULA 368 DO TST.
I – Com a edição da Lei 11.457/2007, que alterou o parágrafo único do art. 876 da CLT, impõe-se a revisão da Súmula nº 368 do TST: é competente a Justiça do Trabalho para a execução das contribuições à Seguridade Social devidas durante a relação de trabalho, mesmo não havendo condenação em créditos trabalhistas, obedecida a decadência.
II – Na hipótese, apurar-se-á o montante devido à época do período contratual, mês a mês, executando-se o tomador dos serviços, por força do art. 33, § 5º, da Lei 8.212/91, caracterizada a sonegação de contribuições previdenciárias, não devendo recair a cobrança de tais contribuições na pessoa do trabalhador.
III – Incidem, sobre as contribuições devidas, os juros e a multa moratória previstos nos artigos 34 e 35 da Lei 8.212/91, a partir da data em que as contribuições seriam devidas e não foram pagas.
Sobre a eficácia dos artigos da Lei de Custeio, embora tenha o art. 12 da Emenda conferido vigência à legislação até então existente sobre custeio, há de se confrontar os arts. 43 e 44 do diploma legal com as novas disposições constitucionais sobre a matéria.
O art. 43 da Lei n. 8.212/91, ao mencionar a obrigação de contribuir para a Seguridade Social também com respeito aos créditos decorrentes de decisões da Justiça do Trabalho, menciona o “recolhimento” das importâncias devidas, e não a “retenção”. Não há de se confundir tais institutos, já que tais vocábulos não são sinônimos: uma, porque, se fossem, não seriam utilizados conjuntamente no art. 45 do Código Tributário Nacional; duas, porque o recolhimento é feito no prazo assinado por lei, a posteriori da quitação dos salários ao empregado, enquanto a retenção – que, insista-se, não é autorizada pelo preceito da lei previdenciária em comento – é feita preambularmente à satisfação dos créditos, ou no momento da entrega destes ao segurado. O empregador só retém quando deduz do empregado a sua contribuição.
Para um maior aprofundamento das questões aqui mencionadas, sugerimos ao leitor que observe os capítulos desta Parte III, em que são estudados os aspectos gerais de todas as contribuições à Seguridade Social; as normas de arrecadação e aplicação dos acréscimos moratórios; e as questões relacionadas à decadência e à prescrição dos créditos da Seguridade Social, respectivamente.
Posicionamo-nos no sentido de que a atribuição da competência de execução de contribuições à Justiça do Trabalho é autoaplicável. Contudo, tal afirmação é vazia de conteúdo se não se recordar que em direito processual existem lides que ainda serão deflagradas enquanto outras estão na fase de cognição, de liquidação ou de execução em pleno curso.
Quanto aos processos que forem ajuizados após a promulgação da Emenda, nenhuma dúvida sobre a aplicabilidade da norma; em relação aos feitos em curso, há que se estabelecer em qual momento se forma ou se fixa a competência sobre determinada matéria posta em Juízo.
Entendemos que, tendo a modificação sido conferida por Emenda Constitucional, esta tem o condão de excluir de imediato as normas até então vigentes e eficazes, sendo possível a execução de créditos da Seguridade Social nos feitos que ainda estão em fase de conhecimento, porém, antes da ocorrência da coisa julgada. É que, uma vez transitada em julgado a sentença sem que houvesse previsão na ordem jurídica constitucional para a execução de contribuições pela Justiça do Trabalho, não é possível executar as contribuições à Seguridade Social perante a Justiça do Trabalho, uma vez que, à época, a competência era exclusivamente da Justiça Federal. Nesse sentido vem decidindo o Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região que, para efeito de execução das contribuições em questão, em casos de sentenças homologatórias de acordos judiciais, “não há como determinar o cumprimento da observância da lei nova, porquanto essa situação não estava prevista na legislação pátria vigente no momento da conciliação” (Acórdão n. 8.257/2001, 1a Turma, Rel. Juíza Licélia Ribeiro, sessão de 13.8.2001).
Há, porém, problemas que se vislumbram adiante, quando um mesmo crédito da Seguridade Social tiver sido objeto de notificação pela fiscalização e inscrição em Dívida Ativa, com consequente Execução Fiscal e, simultaneamente, estiver sendo executado em processo trabalhista, já que, à primeira vista, e fugindo à boa técnica, a competência da Justiça do Trabalho sobre a matéria não exclui a da Justiça Federal.
Pode ocorrer que, em uma ação de Execução Fiscal haja créditos, por exemplo, decorrentes da ação fiscalizatória sobre certa empresa que tinha empregados sem registro – logo, sem efetuar contribuições – e uma ação de um ou mais destes mesmos empregados, contra a empresa, perante a Justiça do Trabalho, em que, procedente o pedido de reconhecimento do vínculo de emprego, passam a ser exigidas as contribuições no curso da execução. A empresa, ao embargar ambas as execuções, alegará a incompetência absoluta de um dos Juízos para a cobrança dos valores em comum. A partir daí, pode-se instalar o conflito positivo de competência; da mesma forma, pode-se ter um conflito negativo, se o Juiz do Trabalho entender que não deve efetuar a execução de créditos da Seguridade Social de processos em andamento, e o Juiz Federal se der por incompetente, entendendo que é da Justiça do Trabalho a competência.
Vários conflitos do gênero poderão ocorrer, fruto da anomalia jurídica criada pelo Executivo e aprovada pelos senhores parlamentares.
A nosso ver, instalado o conflito de competência, não havendo a exclusão da competência da Justiça Federal ou Estadual (art. 109 e seu § 3º), impõe-se resolver a questão pela prevenção do Juízo: ou seja, o primeiro Juiz que conhecer da causa é o competente para a solução da lide, ressaltando-se que o Juiz do Trabalho não tem competência para executar outras contribuições que porventura estejam sendo cobradas conjuntamente com as decorrentes de decisão judicial proferida por Junta de Conciliação e Julgamento, ou, atualmente e em boa hora, Vara do Trabalho (Emenda Constitucional n. 24/99). Ou seja, caso declinada a competência do Juiz do Trabalho para o Juiz Federal, a execução pode seguir até seus ulteriores termos; caso contrário, se é o Juiz Federal quem declina de competência para o Juiz do Trabalho, haverá casos em que a Certidão de Dívida Ativa terá de ser substituída, para incluir na execução perante a Vara Trabalhista somente os créditos decorrentes de decisões judiciais daquele ramo do Judiciário.
Ainda na esteira das inovações previstas pela norma inserta na Emenda, tem-se que a União, sem ter composto a lide na condição de parte, surge na execução como terceiro interessado, na condição de credor exequente, sem sequer peticionar nos autos para tanto. Tal fato demonstra a ausência de preocupação do legislador com as questões processuais, ferindo os princípios básicos de composição das lides, isentando o Fisco de demonstrar interesse processual para a obtenção dos seus créditos. Não se pode dizer que seja parte na ação, pois dela não participou na sua fase cognitiva; contudo, na condição de terceiro interessado, eis que da decisão judicial lhe resultam créditos exequíveis, poderia a Procuradoria recorrer de decisão em fase de conhecimento? Assim não nos parece. A intervenção da PGF se dá somente na execução, não lhe cabendo discutir o mérito da causa, embora dela resultem eventualmente direitos (contribuições devidas) ou obrigações (no caso de reconhecimento de vínculo para fins de obtenção de benefícios posteriormente). Para o responsável pelos recolhimentos, por seu turno, não se concede o contraditório administrativo, partindo-se diretamente para a execução fiscal, em flagrante violação ao princípio do devido processo legal.
Todavia, desde a edição da Lei n. 10.035/2000, há previsão expressa de que o INSS tem o direito de recorrer de decisões homologatórias de transação judicial entre as partes, para discutir as contribuições sociais eventualmente devidas (CLT, arts. 831, parágrafo único, e 832, § 4º), dispositivo mantido pela Lei n. 11.457/2007, que agora registra haver tal direito por parte da União.
Há de se frisar, entretanto, a inocuidade de tal medida recursal. É que, caso a União entenda que existe algum valor percebido pelo trabalhador e que gera a incidência da norma de custeio, implicando ser devida a contribuição, deve peticionar imediatamente a execução da contribuição devida, não cabendo tal discussão em sede recursal, pois não há direito controvertido aí. Cabe-lhe exigir as contribuições, e ao executado, se for o caso, embargar a execução, alegando, como suposta matéria de defesa, a inexistência de obrigação de recolhimento de contribuição sobre determinada parcela do acordo judicial.
Diga-se, além disso, que o acordo judicial não gera o encerramento da discussão sobre as contribuições porventura inadimplidas ou sonegadas, pois o trabalhador e seu tomador de serviços não têm poderes para transigir sobre a matéria tributária.
Havendo indícios nos autos de que houve, por exemplo, pagamento de valores não identificados em recibos de pagamento de salários, porém de cunho nitidamente salarial, integrando pois o conceito de salário de contribuição, impõe-se ao ente arrecadador proceder à ação fiscalizatória e à cobrança de tais contribuições, é dizer, a sentença que homologa acordo na Justiça do Trabalho não põe fim a irregularidades cometidas no campo tributário-previdenciário.
Não se pode dizer que a União seja parte na ação de conhecimento (dissídio individual), pois dela não participa – o litígio ocorre entre trabalhador e tomador do serviço; contudo, tem-se entendido que a Autarquia detém a condição de terceiro interessado, já que da decisão resulta o reconhecimento de créditos que sofrem a incidência de contribuições à Seguridade Social, e, em função disso, tem-se admitido – embora de forma imprópria – que interponha recurso ordinário da decisão definitiva, v.g., para discutir as parcelas discriminadas em acordo judicial. A participação da Fazenda Pública como parte se dá exclusivamente na execução, conforme o texto do art. 114, § 3º, da Constituição, uma vez que à Justiça do Trabalho não foi conferida competência jurisdicional para analisar, em caráter de cognição, matérias de índole previdenciária, mas apenas em execução (fiscal). No entanto, a CLT prevê a participação desta já na fase de liquidação do julgado, conferindo à Justiça do Trabalho o ônus de liquidar não só os créditos do autor da demanda como os da Seguridade Social, relativos a contribuições incidentes sobre o salário de contribuição, o que padece de grave vício de inconstitucionalidade, como será visto em item a seguir.
Quando da promulgação da Emenda n. 20/98, externamos nosso entendimento de que a execução das contribuições, mesmo nas Varas do Trabalho, seriam reguladas pela Lei n. 6.830/80 – Lei de Execuções Fiscais –, já que, segundo o art. 1º deste diploma, as disposições da LEF são aplicadas à cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias, entendendo-se por Dívida Ativa “qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o art. 1º”, de natureza tributária ou não tributária. Vale dizer, sendo as contribuições devidas espécie de crédito da Fazenda Pública, não havia motivo algum para a edição de outra norma legal, posição que havia sido expressada por vários Tribunais Regionais, como os da 4a e 12a Regiões.
Todavia, o Congresso Nacional entendeu por bem acolher o projeto de lei de iniciativa do Poder Executivo, baseado em Provimento do TRT da 3a Região (MG), que foi sancionado como a Lei n. 10.035, passando a vigorar em 25.10.2000. Tal lei ordinária visa criar procedimento totalmente diverso daquele previsto na LEF, descurando-se de aspectos fundamentais relativos à Dívida Ativa.
A Lei n. 10.035/2000 alterou dispositivos da CLT e acrescentou outros, para efeito de regulamentação da chamada “execução de ofício” das contribuições devidas pelo empregador e pela empresa, incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados a qualquer título à pessoa física que lhe preste serviços, mesmo sem vínculo empregatício, e as devidas pelos segurados, sobre as parcelas integrantes do salário de contribuição (art. 195, inciso I, alínea a, e inciso II, da Constituição). Nova alteração na matéria promoveu a Lei n. 11.457/2007, ao estabelecer que a defesa em Juízo em matéria de interesse da Seguridade Social passa a ser encargo da Procuradoria-Geral Federal (PGF), bem como modificando o sujeito ativo da obrigação, que deixa de ser o INSS e passa a ser a União.
A nosso ver, vários dispositivos da mencionada Lei padecem de inconstitucionalidade, pois desrespeitam princípios como o do devido processo legal e invadem matéria destinada à lei complementar, excluindo da inscrição em Dívida Ativa créditos tipicamente tributários. Assim, entendemos que a LEF é a norma que deveria ser considerada para efeito de aplicação da nova competência da Justiça do Trabalho, como adiante será comentado. Entretanto, o STJ, decidindo o Conflito de Atribuição n. 81/SC, sendo Relatora a Ministra Eliana Calmon, decidiu pela aplicabilidade da Lei n. 10.035/2000, como adiante será visto.
De acordo com o inciso VIII do art. 114 da Constituição, executam-se perante a Justiça do Trabalho os créditos da Seguridade Social caracterizados como contribuições sociais e acréscimos legais (juros e multa moratória), decorrentes das sentenças que proferir, sejam elas no sentido de solucionar litígios, sejam nas hipóteses de homologações de acordos, devidas pelo empregador ou empresa sobre valores pagos ou creditados à pessoa física – ou seja, a segurado empregado ou não empregado – e sobre o salário de contribuição dos segurados.
Acerca da necessidade ou não de haver previsão na sentença trabalhista para o cabimento da execução de contribuições, comungamos do entendimento da Súmula n. 401 do TST:
AÇÃO RESCISÓRIA. DESCONTOS LEGAIS. FASE DE EXECUÇÃO. SENTENÇA EXEQUENDA OMISSA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À COISA JULGADA (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 81 da SBDI-2) – Res. 137/2005 – DJ22, 23 e 24.08.2005
Os descontos previdenciários e fiscais devem ser efetuados pelo juízo executório, ainda que a sentença exequenda tenha sido omissa sobre a questão, dado o caráter de ordem pública ostentado pela norma que os disciplina.
A ofensa à coisa julgada somente poderá ser caracterizada na hipótese de o título exequendo, expressamente, afastar a dedução dos valores a título de imposto de renda e de contribuição previdenciária. (ex-OJ nº 81 da SBDI-2 – inserida em 13.3.2002).
É que a sentença, como já frisado, não é o título executivo da contribuição a ser executada, pois na decisão proferida não há comando sentencial condenatório.
Conforme a regulamentação estabelecida pelas diversas instruções normativas editadas pelo MPS, decorrem créditos previdenciários das decisões proferidas pelos Juízes e Tribunais do Trabalho que:
–condenem o empregador ou tomador de serviços ao pagamento de remunerações devidas ao trabalhador, por direito decorrente dos serviços prestados ou de disposição especial de lei;
–reconheçam a existência de vínculo empregatício entre as partes, declarando a prestação de serviços de natureza não eventual, pelo empregado ao empregador, sob a dependência deste e mediante remuneração devida, ainda que já paga à época, no todo ou em parte, e determinando o respectivo registro em CTPS;
–homologuem acordo celebrado entre as partes antes do julgamento da reclamatória trabalhista, pelo qual fique convencionado o pagamento de parcelas com incidência de contribuições sociais para quitação dos pedidos que a originaram, ou o reconhecimento de vínculo empregatício em período determinado, com anotação do mesmo em CTPS;
–reconheçam a existência de remunerações pagas no curso da relação de trabalho, ainda que não determinem o registro em CTPS ou o lançamento em folha de pagamento.
Pairava certa controvérsia acerca do cabimento de se executar, perante a Justiça do Trabalho, contribuições devidas em função do reconhecimento de relação de emprego por sentença, quando não tenham sido feitos os recolhimentos durante o período contratual, sobre os salários de contribuição, além das contribuições incidentes sobre os créditos porventura reconhecidos como devidos pela decisão judicial. O Tribunal Superior do Trabalho vem entendendo ser possível a execução de contribuições sobre todo o período contratual reconhecido em juízo, mesmo por decisão homologatória de acordo.
Essa posição foi adotada pela Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que acolheu, por maioria de votos, recurso do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A decisão, com base no voto do juiz convocado Alberto Bresciani, tem grande repercussão, pois abrange um tema com apenas um precedente no TST, em processo relatado pelo ministro Carlos Alberto Reis de Paula, “O interesse público e o bom senso aconselharão aquele que bate às portas do Judiciário, via Justiça do Trabalho, tenha resolvidas todas as questões decorrentes de sua irresignação, quando acolhida”, sustentou Alberto Bresciani. “O pagamento das contribuições sociais e o consequente reconhecimento previdenciário do tempo de serviço são de fundamental importância para quem, contrastando o propósito irregular do mau empregador, vê reconhecida a existência de contrato individual de trabalho”, acrescentou o relator.
O segundo precedente do TST em que se afirmava a competência da Justiça do Trabalho para executar descontos (sic) previdenciários decorreu de recurso interposto pelo INSS contra decisão anterior do Tribunal Regional do Trabalho do Mato Grosso do Sul (TRT – 24ª Região). O órgão reconheceu a existência de vínculo de emprego, mas não autorizou a apuração dos valores devidos ao INSS. A exemplo de outros Tribunais Regionais, o TRT-MS entendeu que o exame de uma ação meramente declaratória, ou seja, que tão somente reconhece a relação de emprego, não poderia levar o magistrado a promover de ofício (por iniciativa própria) o desconto do crédito previdenciário. “As contribuições sociais (como as devidas ao INSS) possuem natureza acessória, sendo executadas somente se subsistir algum crédito trabalhista de caráter salarial”, registrou a decisão regional. Inconformado, o INSS recorreu ao TST sob o argumento de ofensa ao artigo 114 da Constituição, em que se afirma que “compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir”. O argumento da autarquia foi aceito pelo relator do recurso, sob o entendimento de que “é patente que o art. 114, § 3º, da Constituição Federal alude, genericamente, não excluindo portanto aquelas de cunho declaratório”. Bresciani também destacou que a decisão regional não foi razoável pois, nessa situação jurídica, “as contribuições sociais serão qualificadas e quantificadas pela natureza da relação jurídica que as originou: o contrato individual de trabalho”. O relator citou, ainda, o Decreto n. 3.048/99 que regulamentou a lei previdenciária dispondo que “se da decisão resultar reconhecimento de vínculo empregatício, deverão ser exigidas as contribuições, tanto do empregador como do reclamante (trabalhador), para todo o período reconhecido, ainda que o pagamento das remunerações a ele correspondentes não tenha sido reclamado na ação (Rec. Revista n. 1.119/99). In www.tst.gov.br/noticias – noticiário de 7.1.2004.
Não se trata, portanto, apenas das contribuições devidas em caso de reconhecimento de relação de emprego. Mesmo havendo acordo em que as partes transijam sobre a existência de relação de emprego, registrando não ter ocorrido o liame desta natureza, ainda assim serão devidas as contribuições incidentes sobre o valor acordado, caso se refira a pagamento por serviços prestados (arts. 21 e 22, III, da Lei n. 8.212/91).
Entretanto, o Tribunal Superior do Trabalho acabou por sumular a matéria em sentido diverso, para consolidar o entendimento de que tais contribuições, quando a sentença trabalhista apenas reconheça a relação de emprego, mas de tal decisão não resultem créditos a serem devidos ao empregado, não cabe a execução das contribuições respectivas na Justiça do Trabalho, como se nota do teor da Súmula n. 368:
DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS. COMPETÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO. FORMA DE CÁLCULO (redação do item II alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 16.04.2012) – Res. 181/2012, DEJT divulgado em 19, 20 e 23.04.2012.
I – A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições fiscais. A competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução das contribuições previdenciárias, limita-se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto de acordo homologado, que integrem o salário de contribuição (ex-OJ nº 141 da SBDI-1 – inserida em 27.11.1998).
II – É do empregador a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições previdenciárias e fiscais, resultante de crédito do empregado oriundo de condenação judicial, devendo ser calculadas, em relação à incidência dos descontos fiscais, mês a mês, nos termos do art. 12-A da Lei n. 7.713, de 22.12.1988.
III – Em se tratando de descontos previdenciários, o critério de apuração encontra-se disciplinado no art. 276, § 4º, do Decreto n. 3.048/1999 que regulamentou a Lei n. 8.212/1991 e determina que a contribuição do empregado, no caso de ações trabalhistas, seja calculada mês a mês, aplicando-se as alíquotas previstas no art. 198, observado o limite máximo do salário de contribuição (ex-OJs n. 32 e 228 da SBDI-1 – inseridas, respectivamente, em 14.03.1994 e 20.06.2001).
Todavia, com a edição da Lei n. 11.457, de 16.3.2007, deu-se nova redação ao parágrafo único do art. 876 da CLT, indicando que também são exequíveis na Justiça do Trabalho as contribuições decorrentes de salários de contribuição pagos durante a relação de emprego reconhecida. Assim, resta evidente que, em se tratando de valores devidos em tempo pretérito (reconhecimento em Juízo, por sentença de mérito ou homologatória), o fato gerador da contribuição não é a sentença, mas o crédito devido ao segurado, desde a época do inadimplemento; assim, haverá execução do valor das contribuições, acrescidas de juros moratórios e multa, em função da ocorrência do fato gerador (importância devida, ainda que não paga).
Contudo, o Supremo Tribunal Federal, ao que parece, validou o conteúdo da Súmula n. 368 do TST, conforme se observa da decisão que segue:
COMPETÊNCIA – JUSTIÇA DO TRABALHO – CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS – EXECUÇÃO. A competência da Justiça do Trabalho pressupõe decisão condenatória em parcela trabalhista geradora da incidência da contribuição social.
(AG. REG no RE 560930 AgR/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 03.10.2012).
No entanto, é de se questionar se o STF adotará o mesmo posicionamento em processos que tenham sua execução iniciada após a publicação da nova redação do art. 876 da CLT, já que o precedente em questão é anterior à mudança da norma processual.
Também restou consolidado o entendimento de que não cabe a execução, perante a Justiça do Trabalho, das contribuições cobradas para terceiros, como salário-educação, ou contribuições para entidades do “sistema S”, já que o texto constitucional se refere somente às contribuições à Seguridade Social em sentido estrito:
74. CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS A TERCEIROS. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A competência da Justiça do Trabalho para a execução de contribuições à Seguridade Social (CF, art. 114, § 3º) nas ações declaratórias, condenatórias ou homologatórias de acordo cinge-se às contribuições previstas no art. 195, inciso I, alínea “a” e inciso II, da Constituição, e seus acréscimos moratórios. Não se insere, pois, em tal competência, a cobrança de “contribuições para terceiros”, como as destinadas ao “sistema S” e “salário-educação”, por não se constituírem em contribuições vertidas para o sistema de Seguridade Social.
Segundo as disposições da CLT sobre a matéria, a União, embora não seja parte no litígio, possui direito de recorrer das sentenças proferidas em homologação à transação de créditos trabalhistas, para discutir as contribuições sociais porventura devidas (CLT, arts. 831 e 832, § 4º).
Com base nas regras acima citadas, a União, por meio da PGF, tem interposto constantemente recursos ordinários pretendendo discutir a sentença, quando o acordo entre as partes tenha sido formulado somente sobre parcelas que não integram o salário de contribuição. O TRT da 12ª Região, ao julgar tais recursos, tem entendido não haver motivo para reformar as decisões de primeiro grau, quando as parcelas discriminadas no acordo sejam condizentes com as pretensões deduzidas na petição inicial da ação trabalhista. É que, em se tratando de res dubia, não há como cogitar de qualquer critério para a discriminação das parcelas quitadas, a não ser o da existência dos pedidos correspondentes, na inicial. Nesse sentido: “EXECUÇÃO PREVIDENCIÁRIA. O acordo homologado que discrimina as parcelas que o integram, todas de natureza indenizatória e constantes da exordial, afasta o pedido da autarquia a respeito da incidência de contribuições sobre outras parcelas salariais não contempladas no pacto. Recurso a que se nega provimento” (TRT 12a Região, Acórdão n. 11.497/2001, 1ª Turma, Rel. Juiz Carlos Alberto Godoy Ilha, sessão de 25.9.2001).
Cumpre recordar que o acordo judicial celebrado entre as partes em ação trabalhista não extingue créditos tributários. É dizer, se um trabalhador alega que recebeu salários “por fora”, em conduta sonegadora de contribuições, mesmo que um acordo judicial ponha fim ao litígio sem que se discrimine pagamento que venha a reconhecer tal conduta, nada impede que a Receita Federal do Brasil, por seus auditores-fiscais, compareça na empresa e verifique se, efetivamente, houve ou não pagamento de valores sem indicação em recibos de salários. Uma vez constatado o fato, pode o auditor emitir Notificação Fiscal de Lançamento de Débito e a União exigir, sem sombra de dúvida, o efetivo recolhimento das contribuições devidas. O acordo faz coisa julgada entre as partes, e resolve os créditos do trabalhador, não os da Seguridade Social porventura existentes.
Ademais, por vezes a Procuradoria vem intentando recursos sem que haja o menor interesse, já tendo sido inclusive penalizada por litigância de má-fé:
Age com má-fé quem recorre à segunda instância pedindo exatamente o que já obteve na decisão de primeiro grau. Com esse entendimento a 4a Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região (São Paulo) multou o INSS – Instituto Nacional do Seguro Social. A autarquia previdenciária recorreu de ação onde houve acordo entre trabalhador e a empresa, o que pôs fim ao processo que tramitava na Vara do Trabalho de Mauá. Na ocasião, as partes assinaram acordo determinando “o recolhimento das contribuições previdenciárias, considerando trabalho de natureza autônoma”. Alegando prejuízo, o INSS recorreu ao TRT de São Paulo. Sustentou que o acordo “não merece prevalecer, em face das contribuições previdenciárias que lhe são devidas, tendo em vista que, embora não reconhecido o vínculo de emprego, deveria ter sido considerado o trabalho como de prestação de serviço autônomo, fazendo incidir a alíquota de 20% sobre o total do valor acordado”. Segundo a juíza Odette Silveira Moraes, relatora do Recurso Ordinário no TRT, a primeira instância determinou que as contribuições fossem recolhidas “exatamente conforme ora requerido”. Para a relatora, “a autarquia-agravante não procedeu com a devida lealdade e boa-fé processual, tendo produzido ato inútil e desnecessário à declaração ou defesa de direito, eis que manifestamente infundada a pretensão recursal, conforme analisado acima, restando configurada a hipótese prevista no artigo 17 do Código de Processo Civil”. A decisão foi unânime. A 4a Turma condenou o INSS a pagar “multa de 1% sobre o valor da causa, bem como honorários advocatícios, no importe de 15% sobre o valor da condenação, na proporção de 50% para cada parte (Informativo Consultor Jurídico – 24.8.2005 – Disponível em www.conjur.uol.com.br – Acesso em 28.12.2005).
Além da prerrogativa relativa à impetração de recurso de apelo da sentença, determina a Lei que a União seja intimada dos cálculos de liquidação, que deverão ser apresentados pelas partes, alterando a sistemática até então vigente, do art. 879 da CLT, que permitia ao Juiz homologar os cálculos de liquidação, quando realizado de ofício pela Vara, sem abrir vista às partes, permitindo que a discussão se fizesse apenas após a garantia do Juízo, em embargos à execução ou impugnação, pelo exequente. Assim, da edição da Lei em diante, em flagrante afronta ao Código Tributário Nacional, exige-se que as partes, quando dos cálculos de liquidação, apresentem os valores devidos a título de contribuições sociais (§§ 1º-A e 1º-B do art. 879 da CLT), ônus que compete exclusivamente ao órgão de arrecadação, mediante o procedimento do lançamento, na forma do art. 142 do CTN. Uma vez apresentada a conta, novo e curioso paradoxo é determinado: o Juiz tem a faculdade de abrir vista às partes (§ 2º do art. 879), porém tem o dever de intimar a União da conta, por via postal, para manifestação sobre o cálculo das contribuições devidas (§ 3º do art. 879), diz a Lei, “sob pena de preclusão”.
Por fim, é prerrogativa da União figurar como exequente das contribuições à Seguridade Social, atuando no feito nesta condição, podendo requerer o que entender de direito a respeito da satisfação dos créditos a serem quitados em prol dos cofres públicos. Mister salientar que, como preceitua o § 6º do art. 832 da CLT, com a redação conferida pela Lei n. 11.457, de 16.3.2007, “o acordo celebrado após o trânsito em julgado da sentença ou após a elaboração dos cálculos de liquidação de sentença não prejudicará os créditos da União”. É dizer, o credor trabalhista pode transigir sobre seus créditos, mas não quanto aos créditos da Fazenda Pública, pois estes, além de não serem passíveis de transação, não podem ser objeto de discussão entre os particulares, já que a legitimidade para tanto é da União, por seus Procuradores.
Uma vez transitada em julgado a sentença da ação trabalhista, seguem-se, via de regra, os cálculos de liquidação, antes do início da execução. Estes cálculos, no procedimento anterior à Lei n. 10.035/2000, eram realizados por contador do Juízo, perito nomeado, ou pelas partes, porém não era obrigatória a inclusão na conta das contribuições porventura devidas em função das parcelas da condenação que se caracterizassem como integrantes do salário de contribuição. Com a promulgação da Emenda n. 20, de 15.12.98, não houve disciplinamento do procedimento, mas o texto pareceu suficientemente claro ao indicar que a competência da Justiça do Trabalho se iniciava na execução – ou seja, haveria uma execução fiscal das contribuições, cujo Juízo competente seria a Justiça do Trabalho.
Como é posicionamento majoritário na doutrina, a liquidação do julgado antecede a execução, não fazendo parte desta. Assim, entendemos haver inconstitucionalidade no art. 879, §§ 1º-A, 1º-B e 3º, pois a competência inserta no art. 114 pela Emenda n. 20/98 não se estende ao procedimento de apuração de créditos da Seguridade Social, este de atribuição exclusiva do Poder Executivo, na forma do art. 142 do CTN, verbis: “Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”.
A atribuição da União é justamente a de arrecadar, fiscalizar, lançar e normatizar recolhimentos em caráter de exclusividade (art. 33 da Lei de Custeio), consistindo o lançamento na tarefa de apurar o montante devido em caso de não recolhimento (art. 37).
Destarte, o procedimento correto seria o mesmo de que tratam os arts. 201 a 204 do Código Tributário Nacional, com a apuração do crédito pelo órgão de arrecadação, inscrição do débito em Dívida Ativa e extração da Certidão correspondente.
Porém, o STJ, analisando o Conflito de Atribuição n. 81/SC, sendo relatora a Ministra Eliana Calmon, entendeu ser desnecessária a inscrição em Divida Ativa para a execução das contribuições devidas em face de decisões proferidas pela Justiça do Trabalho.
É de se grifar que tal entendimento, todavia, não prevalece noutros julgados, em que, de forma diametralmente oposta, se caracteriza como necessária a inscrição de todos os créditos da Fazenda Publica, tributários ou não, sem exceção, em Divida Ativa (v.g., STJ, 2a Turma, REsp 36.5210/RS, rel. Min. Eliana Calmon, DJ 31.3.2003; STJ, 2ª Turma, REsp 28.6881/SP, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 1.9.2003).
Concluindo, dentre as hipóteses possíveis (cálculo por contador judicial ou perito, cálculo pelo executado, ou pela União), o legislador ordinário optou pela pior. O cálculo por contador, servidor do cartório ou perito, ou realizado pela parte, resulta, de plano, numa invasão de atribuições – até certo ponto desejada pelo legislador – ao pretender transformar a unidade judiciária em exatoria de contribuições sociais.
O procedimento de não inclusão da dívida previdenciária executada perante a Justiça do Trabalho em Dívida Ativa, além de contrariar as regras do CTN, lei complementar que rege toda a matéria pertinente a créditos tributários, afronta também a Constituição, que em seu art. 195, § 3º, prevê:
§ 3º A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
A Lei n. 8.212/91 regulamenta a matéria no § 2º do art. 95, da seguinte forma:
§ 2º A empresa que transgredir as normas desta Lei, além das outras sanções previstas, sujeitar-se-á, nas condições em que dispuser o regulamento:
a) à suspensão de empréstimos e financiamentos, por instituições financeiras oficiais;
b) à revisão de incentivos fiscais de tratamento tributário especial;
c) à inabilitação para licitar e contratar com qualquer órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal;
d) à interdição para o exercício do comércio, se for sociedade mercantil ou comerciante individual;
e) à desqualificação para impetrar concordata;
f) à cassação de autorização para funcionar no país, quando for o caso.
A partir da vigência da Lei n. 12.440/2011, as pessoas que estiverem em débito por força de execuções definitivas em andamento na Justiça do Trabalho – inclusive as que versarem apenas sobre créditos da Seguridade Social – ficarão impedidas de participar de licitações e de celebrar contratos com entes da Administração Pública, ante a exigência da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas para tais fins, o que inclui, como se verá a seguir, também os valores executados na Justiça do Trabalho a título de contribuições à Seguridade Social e seus acréscimos de mora, suprindo, de alguma forma, a lacuna deixada pela Lei n. 10.035/2000 e pela jurisprudência.
Uma vez prevalecendo o entendimento pronunciado pelo STJ, necessário se faz analisar como dar cumprimento ao dispositivo constitucional que prevê a execução das contribuições sociais.
O primeiro aspecto que entendemos deva ser abordado é o do comando sentencial, seja condenatório, seja homologatório de acordo judicial. É de bom alvitre que, na sentença, se estabeleça, com clareza, sobre quem recairá o ônus de pagar as contribuições (se inteiramente pelo empregador, tal como sustentamos no item 2.13 desta Parte III, ou se o empregado terá deduzido de seus créditos o valor das contribuições que deveriam ter sido realizadas em época própria). Assim, o Juiz da execução não terá dúvidas em fixar os créditos e seus devedores.
O Tribunal Superior do Trabalho, sumulando a matéria, assim dispõe sobre a forma de cálculo e a responsabilidade pelos recolhimentos:
DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS. COMPETÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO. FORMA DE CÁLCULO. (Conversão das Orientações Jurisprudenciais ns. 32, 141 e 228 da SDI-1)
(...)
II. É do empregador a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições previdenciárias e fiscais, resultante de crédito do empregado oriundo de condenação judicial, devendo incidir, em relação aos descontos fiscais, sobre o valor total da condenação, referente às parcelas tributáveis, calculado ao final, nos termos da Lei n. 8.541/1992, art. 46, e Provimento da CGJT n. 03/2005 (ex-OJ n. 32 – Inserida em 14.3.1994 e OJ n. 228 – Inserida em 20.6.2001).
III. Em se tratando de descontos previdenciários, o critério de apuração encontra-se disciplinado no art. 276, § 4º, do Decreto n. 3.048/99, que regulamenta a Lei n. 8.212/91 e determina que a contribuição do empregado, no caso de ações trabalhistas, seja calculada mês a mês, aplicando-se as alíquotas previstas no art. 198, observado o limite máximo do salário de contribuição (ex-OJ n. 32 – Inserida em 14.3.1994 e OJ228 – Inserida em 20.6.2001).
Mais recentemente, editou a Seção de Dissídios Individuais do TST a Orientação Jurisprudencial n. 363, sobre o mesmo tema, verbis:
363. DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS. CONDENAÇÃO DO EMPREGADOR EM RAZÃO DO INADIMPLEMENTO DE VERBAS REMUNERATÓRIAS. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADO PELO PAGAMENTO. ABRANGÊNCIA (DJ 20, 21 e 23.05.08) A responsabilidade pelo recolhimento das contribuições social e fiscal, resultante de condenação judicial referente a verbas remuneratórias, é do empregador e incide sobre o total da condenação. Contudo, a culpa do empregador pelo inadimplemento das verbas remuneratórias não exime a responsabilidade do empregado pelos pagamentos do imposto de renda devido e da contribuição previdenciária que recaia sobre sua quota-parte.
Entendendo desta forma, a SBDI-1 do TST beneficiou o infrator da norma – o empregador inadimplente, pois estabeleceu tratamento que libera o empregador de pagar a contribuição que não foi recolhida ao tempo próprio, adotando critério diferenciado do que pratica o Fisco e que, há décadas, vem sendo aplicado pela Justiça Federal no tocante à matéria. Espera-se que, ao menos, não se queira imputar ao trabalhador também a incidência dos acréscimos de mora, considerando-o responsável pelo atraso no pagamento.
Em liquidação, que a nosso ver deveria ser apurada pela Secretaria da Receita Federal da União, obedecendo às normas do CTN, o cálculo das contribuições devidas deve observar o disposto no art. 276 do Decreto n. 3.048/99, observando-se o seguinte procedimento:
–apura-se o valor do salário de contribuição do segurado à época de cada parcela deferida pela sentença pelo somatório do valor percebido na “época própria” com os valores reconhecidos pela sentença que se enquadrem no conceito legal – art. 28 da Lei n. 8.212/91 e art. 214 do Decreto n. 3.048/99;
–recomposto o salário de contribuição, apura-se a contribuição incidente sobre o mesmo (contribuição do segurado), conforme a alíquota vigente na época, obedecidos, mês a mês, os limites mínimo e máximo do salário de contribuição;
–caso o segurado já tenha contribuído sobre o valor-limite do salário de contribuição, caberá somente a exigência da contribuição patronal;
–encontrada a contribuição devida, chega-se ao valor da contribuição ainda não paga, pela diferença entre o valor devido e o valor já recolhido;
–quanto às contribuições do tomador dos serviços (empregador doméstico, rural ou empresa urbana), obedecerá aos preceitos legais vigentes na época quanto à base de cálculo e alíquotas;
–devem ser respeitadas as hipóteses em que a contribuição patronal não incide sobre pagamentos feitos a pessoas físicas a seu serviço (optantes do SIMPLES, produtores rurais, associações desportivas que possuem equipe de futebol profissional) e de isenção (entidades que tenham obtido tal direito por decisão do órgão competente da Previdência Social), casos em que não haverá cálculo de contribuições da empresa;
–saliente-se a existência de alíquotas especiais para as instituições financeiras, bem como a contribuição para custeio de prestações acidentárias e aposentadorias especiais, que devem ser observadas quando do cálculo;
–em caso de sentença que reconheça o vínculo de emprego, mesmo não havendo valores em que o empregador tenha sido condenado, são exigíveis as contribuições relativas ao período contratual (§ 7º do art. 276 do Decreto n. 3.048/99);
–apurados os valores de contribuições devidas, incidentes sobre os valores da condenação, devem ser calculados os juros moratórios e a multa moratória, na forma dos arts. 34 e 35 da Lei n. 8.212/91, a serem quitados pelo tomador dos serviços, já que é sua a responsabilidade pelo recolhimento fora do vencimento da obrigação tributária (art. 33, § 5º, da Lei n. 8.212/91);
–se a decisão de mérito ou acordo homologado em juízo resultar em não reconhecimento de vínculo de emprego, são exigíveis as contribuições de que trata o art. 22, III, da Lei n. 8.212/91 e a do segurado contribuinte individual (§ 9º do art. 276 do Decreto n. 3.048/99), salvo se o demandante for servidor público sujeito a regime próprio de previdência social, ou já tenha contribuído sobre o valor limite máximo, quando então será devida a contribuição da empresa, somente.
Como visto, o cálculo é complexo, e na prática os profissionais envolvidos na feitura da conta não estão afeitos a este procedimento, mais um motivo pelo qual defendemos que deveria a Receita Federal do Brasil proceder à apuração, já que possui pessoal especializado e conhecedor de toda a regulamentação, preparado portanto para realizar tal procedimento, além de possuir todas as informações necessárias, como enquadramento da empresa no CNAE, opção pelo Simples nacional, isenções deferidas, entre outras situações que são totalmente desconhecidas pela contadoria judicial ou pelo perito contábil nomeado pelo Juiz do Trabalho.
A Lei, ao contrário, exige que os cálculos sejam feitos pelas partes, ou pelo contador designado pelo Juízo, determinando a intimação da União para manifestar-se sobre a conta, em dez dias, com a previsão de preclusão para o silêncio da autarquia.
Duas observações cabem sobre a oportunidade da União falar nos autos, nesta fase processual. Uma, que o fato de a PGF concordar com o cálculo deveria caracterizar o mesmo efeito da inscrição em Dívida Ativa, ou seja, a presunção de certeza do valor; todavia, temos visto, na prática, que a União tem concordado com cálculos equivocados realizados por peritos contábeis pouco acostumados com a matéria, ora apurados a maior que o devido, ora indicando valores indevidos, como em casos de empresas optantes pelo SIMPLES. Assim, somos de entendimento que a concordância não gera tal presunção, por não ter sido a conta realizada pela autoridade administrativa responsável (art. 142 do CTN).
A segunda observação é que a inércia processual não caracteriza “preclusão”, como pretendeu o legislador. É que, se observado o que ocorre com a execução da Lei n. 6.830/80, permite-se ao ente credor substituir o título executivo (CDA) até a decisão de primeira instância (§ 8º do art. 2º da LEF). Por analogia, se o valor indicado em liquidação, perante a Justiça do Trabalho, não for impugnado pela PGF, mas estiver incorreto, cabe a invocação de diferença, até a decisão de primeiro grau no curso da execução, ou de ofício, quando verificado erro material.
Homologados os cálculos pelo Juízo, segue-se a citação do devedor, na forma do art. 880 da CLT, com a redação conferida pela Lei n. 10.035/2000. Pelo modo como foi disciplinada a matéria, resta claro que o legislador entendeu ser devedor das contribuições a empresa ou empregadora executada, já que o mandado é a ordem judicial, “em se tratando de pagamento em dinheiro, incluídas as contribuições sociais devidas, para que pague em 48 (quarenta e oito) horas, ou garanta a execução, sob pena de penhora”.
O art. 878-A da CLT prevê, de forma totalmente despicienda, a possibilidade de pagamento voluntário da obrigação tributária, pois nunca houve vedação a respeito. Se a Secretaria da Receita Federal do Brasil apurar créditos remanescentes, poderá proceder à execução, também por evidente, uma vez que se trata, como já dito, de crédito da Fazenda Pública.
O pagamento, ou indicação de bens para garantia do Juízo, deverá ser suficiente para cobrir os créditos do exequente trabalhista e os da Seguridade Social. Em caso de garantia insuficiente, fica impedido o devedor de ingressar com embargos, até que satisfaça tal exigência.
Os embargos à execução, ação incidente no curso da execução, cabem para discutir a conta de liquidação, caso não tenha sido concedida a oportunidade de manifestação, antes da homologação dos cálculos (art. 879, § 2º, da CLT). Se oportunizada a impugnação, preclui, para o devedor, a possibilidade de fazê-lo. O prazo para embargos passou a ser de 30 dias (Medida Provisória n. 2.180-35/2001, que se manterá vigente até deliberação do Congresso Nacional sobre a matéria, conforme disposto no art. 2º da Emenda Constitucional n. 32, de 2001), contados da garantia do Juízo feita por depósito, da juntada aos autos da prova de fiança bancária, ou da intimação da penhora (arts. 882/883 da CLT e art. 16 da LEF). Este é o prazo também concedido ao exequente e à União para impugnar a “sentença de liquidação”, não cabendo, pois, recurso contra a decisão que homologa cálculos, e sim contra a decisão que resolve a impugnação feita em fase de execução (o agravo de petição – art. 897 da CLT), mesmo recurso cabível da decisão dos embargos.
Em se tratando de embargos, devem ser citados os exequentes trabalhistas e a União para contestar, querendo, no mesmo prazo (art. 17 da LEF). Havendo prova testemunhal (ou requerimento de depoimento pessoal) deferida pelo juízo, far-se-á audiência para este fim. Não havendo provas a produzir em audiência, ou ao fim da instrução, o Juiz da execução proferirá decisão, na forma do art. 885 da CLT.
Sobre as matérias cabíveis em sede de embargos, parece-nos que, ante a ausência de um contraditório administrativo, a decadência ou a prescrição dos créditos da Seguridade Social são arguíveis neste momento processual, recordando-se que estes institutos se referem à data em que o crédito deveria ter sido constituído, ou cobrado em juízo (arts. 45 e 46 da Lei n. 8.212/91). O mesmo se diga quanto às hipóteses de não cabimento da execução, como no caso de opção pelo SIMPLES.
Permite-se a suspensão da execução pelo parcelamento concedido ao devedor, cabendo a este noticiar ao Juízo o fato, juntando cópia do documento (§ 1º do art. 889-A da CLT). Quanto ao mais, aplicam-se as regras do CTN e da Lei n. 8.212/91 sobre a moratória de contribuições sociais, inclusive quanto às sanções aplicáveis quando do descumprimento do parcelamento.
O deferimento de isenção, ou a inscrição no SIMPLES, em data posterior ao do período discutido na lide trabalhista, não permite a liberação do devedor quanto ao pagamento das contribuições devidas anteriormente.
Não é cabível a execução, ainda, quando verse sobre período de atividade rural, anterior à vigência da Lei n. 8.213/91, quando não havia incidência de contribuição sobre tal atividade. Nesse sentido: “Sendo certo que a execução sobre a qual versam estes embargos tem por escopo o pagamento de contribuição decorrente de vínculo trabalhista em época onde não existia, na lei, previsão de contribuição previdenciária que o tivesse por base, é de se dar provimento à apelação, declarando-se não devido valor almejado” (TRF da 5a Região, AC n. 2000.05.00.016749-8/AL, 2a Turma, Relator Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, j. 26.6.2001 – in RPS 263/921).
Não havendo bens suficientes para quitar créditos trabalhistas e da Seguridade Social, mantém-se o privilégio do primeiro, não tendo sido alterada tal regra do art. 186 do CTN, como define o aresto do TRT da 12a Região: “AGRAVO DE PETIÇÃO. EXECUÇÃO. PREFERÊNCIA DO CRÉDITO TRABALHISTA. Os créditos trabalhistas, superprivilegiados, preferem a quaisquer outros créditos, inclusive os fiscais, não havendo possibilidade de ratear os valores depositados em Juízo entre categorias de créditos de naturezas diversas. Seria ilógico e antijurídico permitir que os valores depositados fossem rateados entre os créditos trabalhistas e crédito estatal (INSS), em detrimento do trabalhador, do povo, elemento do próprio Estado que com seu trabalho move e alimenta a máquina estatal e, em consequência, supre as necessidades coletivas, fim último do Estado” (Acórdão n. 8.021/2001, 1a Turma, Rel. Juiz Antonio Carlos Facioli Chedid, publ. DJSC em 20.8.2001).
Uma preocupação fundamental para a concretização dos Direitos Sociais envolvidos na matéria – além da mera questão arrecadatória fiscal – é o reconhecimento, pela Previdência Social, do tempo de contribuição e da remuneração auferida pelo trabalhador que tenha sua demanda trabalhista julgada procedente. Para que isso aconteça, curial que se exija do empregador-executado nos autos da ação trabalhista que realize os recolhimentos informando, por meio de GFIP retificadora, a que período laboral se referem, tal como sintetiza, com grande propriedade, a súmula n. 1 do Tribunal Regional do Trabalho da 8a Região, verbis:
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS E IMPOSTO DE RENDA. Incumbe ao devedor, nos autos do processo trabalhista, calcular, reter e recolher: I – As contribuições sociais do período de trabalho reconhecido na decisão judicial, realizadas por meio de GFIP/NIT (Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social; e Número de Identificação do Trabalhador), no caso de pessoa jurídica, e por intermédio de Guia da Previdência Social (GPS) consolidada com vinculação ao NIT (Número de Identificação do Trabalhador), quando o empregador for pessoa natural, comprovadas, em qualquer caso, com a apresentação da regularidade dos recolhimentos através do histórico ou extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). II – A contribuição previdenciária relativa ao período de trabalho terá como base de cálculo as parcelas de natureza remuneratória pagas, apuradas mês a mês, na forma da legislação (art. 35 da Lei 8.212/91 e art. 276, § 4º, do Decreto 2.048/99). III – As contribuições previdenciárias incidentes sobre o valor do acordo celebrado por mera liberalidade devem ser recolhidas através de Guia da Previdência Social (GPS), consolidada com vinculação ao NIT (Número de Identificação do Trabalhador) em que o trabalhador for cadastrado e que contenha o número do processo trabalhista, na forma do art. 889-A da CLT, mediante comprovação obrigatória nos autos. IV – O Imposto de Renda, incidente sobre parcelas remuneratórias, observadas as normas legais respectivas, inclusive quanto a limites de isenção e deduções por dependentes econômicos, mediante juntada, nos autos, do Documento de Arrecadação de Receitas Federais – DARF.
Por fim, cumpre dizer que há novo equívoco do legislador na disposição contida no caput do art. 889-A da CLT, ao determinar o recolhimento das contribuições em agências da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil S.A., exclusivamente quando a rede bancária não estatal também está autorizada a receber pagamentos de contribuições, além do débito automático em conta bancária do contribuinte ou responsável pelo recolhimento. A nosso ver, o recolhimento feito em estabelecimento bancário diverso dos indicados se reveste da mesma validade, exonerando o devedor da obrigação.
A Lei 12.440, de 7.7.2011, instituiu a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas – CNDT, a ser emitida em caráter nacional e de forma centralizada pelo Tribunal Superior do Trabalho a partir de 4 de janeiro de 2012, como forma de conferir maior efetividade às decisões proferidas pelo Judiciário Trabalhista.
A referida Lei altera a CLT inserindo o art. 642-A e incluindo o inciso V no art. 29 da Lei n. 8.666/93 – Lei de Licitações, nos seguintes termos:
Art. 642-A. É instituída a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT), expedida gratuita e eletronicamente, para comprovar a inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho.
§ 1º O interessado não obterá a certidão quando em seu nome constar:
I – o inadimplemento de obrigações estabelecidas em sentença condenatória transitada em julgado proferida pela Justiça do Trabalho ou em acordos judiciais trabalhistas, inclusive no concernente aos recolhimentos previdenciários, a honorários, a custas, a emolumentos ou a recolhimentos determinados em lei; ou
II – o inadimplemento de obrigações decorrentes de execução de acordos firmados perante o Ministério Público do Trabalho ou Comissão de Conciliação Prévia.
§ 2º Verificada a existência de débitos garantidos por penhora suficiente ou com exigibilidade suspensa, será expedida Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas em nome do interessado com os mesmos efeitos da CNDT.
§ 3º A CNDT certificará a empresa em relação a todos os seus estabelecimentos, agências e filiais.
§ 4º O prazo de validade da CNDT é de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data de sua emissão.
Lei n. 8.666/93 – Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em:
.....................................................................................................................
V – prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa, nos termos do Título VII-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei n.º 5.452, de 1o de maio de 1943.
Serão considerados devedores todos os que figurarem como executados em processos que tramitam na Justiça do Trabalho, de qualquer espécie, qualquer que seja a origem da dívida (créditos trabalhistas, previdenciários, honorários, custas e outros créditos ou despesas processuais).
Desta forma, serão cadastrados os devedores na situação de:
Positivo: situação em que o devedor, devidamente citado em execução definitiva, não pague a dívida, nem ofereça garantia suficiente do Juízo para cobrir a totalidade da dívida, ou em caso de obrigação de fazer, não a esteja cumprindo, não havendo, em qualquer caso, situação que suspenda a exigibilidade do crédito;
Positivo com efeito negativo: situação em que o devedor, devidamente citado em execução definitiva, garantiu suficientemente o Juízo, ou em caso de obrigação de fazer, esteja cumprindo a decisão.
Positivo com exigibilidade suspensa: situação em que o devedor, devidamente citado em execução definitiva, tenha obtido decisão que suspenda a exigibilidade do crédito.
Ou seja, mesmo que a execução diga respeito apenas a contribuições à Seguridade Social que decorram da decisão proferida pela Justiça do Trabalho, com o devedor citado, sem pagamento ou garantia da dívida, este deverá ser inscrito como positivo, e caso haja garantia integral, positivo com efeitos negativos.
O cadastro diz respeito a cada processo, é dizer, um mesmo devedor pode ser inscrito inúmeras vezes no BNDT, tantas quantas forem as execuções definitivas em que figurar como devedor.
Não há necessidade de uma intimação específica para os fins de inclusão no BNDT, servindo para tanto a citação para pagar ou oferecer bens à penhora.
Os devedores serão cadastrados após vencido o prazo para cumprimento da decisão ou oferecimento de bens à penhora, por despacho do Juiz.
No caso de Carta Precatória Executória, a inscrição dos devedores incumbe ao Juízo Deprecante, após obter as informações do Juízo Deprecado.
Se um dos devedores pagar ou garantir o juízo, todos os outros devedores se aproveitam do mesmo status.
O devedor deverá ser inscrito como “positivo com exigibilidade suspensa” toda vez que ocorrer alguma situação processual que torne inexigível a dívida. Um exemplo disso é o parcelamento de contribuições previdenciárias obtido junto à Receita Federal. Uma vez informado pela União, a execução é suspensa e o devedor deverá ser considerado “positivo com exigibilidade suspensa”.
Finalmente, haverá a exclusão do cadastro de devedores quando o executado quitar integralmente a dívida relativa àquele processo.
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1 VELLOSO, Andrei Pitten, ROCHA, Daniel Machado, e BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei do Custeio da Seguridade Social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 295.
2 LIMA, Manoel Hermes de. “Contribuição Previdenciária, Fato Gerador e sua Execução de Ofício pela Justiça do Trabalho”. Revista de Previdência Social. São Paulo: LTr, n. 282, maio/2004, pp. 401/402.
3 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários à Lei Básica da Previdência Social. 2. ed. São Paulo: LTr, 1996, t. I, nota ao art. 43.
4 MARTINEZ, Wladimir Novaes. “Mês de Competência...”, cit., p. 75.
5 MARTINEZ, Wladimir Novaes. “Mês de Competência...”, cit., p. 75.