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DOS CRIMES CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL

O sistema de seguridade social brasileiro, moldado sob a forma de regime de repartição, impõe sejam coibidas condutas tendentes a desrespeitar as normas estatais que regem o seu financiamento. Uma vez desrespeitada a norma estatal cogente, incorre o indivíduo na prática de ato ilícito. Nem toda conduta ilícita é, todavia, caracterizada como crime, verbi gratia, a inadimplência de tributo pelo contribuinte, por não ter recursos financeiros para cumprir a obrigação. Tem-se então que é a norma penal que atribui ao Estado o poder de punir o indivíduo que a descumpra: poder abstrato, que se torna concreto no momento em que ocorre a violação. A possibilidade jurídica de apenar o infrator da lei denomina-se punibilidade.1

A Lei n. 8.212/91 estabelecia, no seu art. 95, normas penais que tipificavam os crimes contra a Seguridade Social. Essas regras vigoraram até 14.10.2000, pois, a partir de então, entrou em vigor a Lei n. 9.983, de 14.7.2000 (DOU de 17.7.2000), que deu novo tratamento à matéria, e, por ser lei mais benéfica, tem aplicação retroativa, segundo inteligência do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal.

29.1  O REGIME DA LEI N. 9.983/2000

A Lei n. 9.983/2000 alterou o Decreto-lei n. 2.848, de 7.12.40 – Código Penal –, mediante a tipificação de condutas que constituem crimes contra a Previdência Social, e deu outras providências. Ou seja, levou para o Código Penal as condutas que caracterizam crimes contra a Previdência Social.

O projeto de lei, de iniciativa do Poder Executivo, foi “fruto de uma demorada maturação sobre a experiência adquirida após a lei de 1991 e de discussões internas dos diversos setores jurídicos e técnicos integrantes da instituição, visando dotar o aparelho repressivo e judiciário de instrumentos mais eficazes no combate a essa espécie de criminalidade”.2

À Parte Especial do Código Penal foram acrescentados os arts. 168-A, 313-A-B e 337-A e alterados os arts. 153, 296, 297, 325 e 327. Entre os crimes previstos estão: a apropriação indébita previdenciária, a inserção de dados falsos no sistema informatizado da Previdência, a violação desse sistema, a sonegação da contribuição, a falsificação de documentos e o acesso sem autorização ao sistema. As penas previstas como punição variam de dois a doze anos de prisão e multa. Há a previsão, porém, da extinção de punibilidade se o agente espontaneamente declarar, confessar e efetuar o pagamento das contribuições.

O art. 95 da Lei n. 8.212/91 foi revogado, salvo o seu § 2º, que prevê sanções administrativas contra a empresa que transgredir as normas estabelecidas pela lei de Custeio da Seguridade Social. Em verdade, a redação desse dispositivo não apresentava boa técnica legislativa, pois se restringia a descrever a conduta ilícita, mas não previa cominação legal ao infrator. Somente em relação às alíneas d, e e f era prevista a pena, por meio de remissão ao art. 5º da Lei n. 7.492, de 16.6.1986 (crimes contra o Sistema Financeiro Nacional), que era de dois a seis anos de reclusão e multa.

29.2  APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA

O art. 168-A, acrescentado ao Código Penal pela Lei n. 9.983/2000, detalha e aumenta o universo de condutas delituosas atribuídas aos contribuintes que, de alguma forma, visam à sonegação fiscal. O legislador buscou aperfeiçoar o tipo legal até então existente (art. 95 da Lei n. 8.212/91), denominando-o de Apropriação Indébita Previdenciária, o qual possui a seguinte redação:

Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;

II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;

III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.

Da leitura desse dispositivo conclui-se que o legislador pretendeu impor a sanção do crime de apropriação indébita previdenciária a quem deixar de repassar ou de recolher, no prazo estabelecido, contribuição ou qualquer valor destinado à Previdência Social que tenha sido descontado de pagamento efetuado aos segurados, a terceiros ou arrecadadas do público, bem como o não recolhimento de contribuições que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços. Aplica-se, ainda, a quem deixar de pagar benefício devido a segurado, quando o respectivo valor já tiver sido reembolsado à empresa pela Previdência Social.

Essa norma tem objetivo claro, qual seja, evitar a sonegação fiscal, inibindo o desvio de contribuições destinadas ao financiamento da Seguridade Social. Tutela a subsistência financeira das ações destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Muito embora o segurado obrigatório da Previdência Social seja o sujeito passivo da obrigação tributária, nem sempre é ele o responsável pelo seu recolhimento. Segundo o art. 30, inciso I, da Lei n. 8.212/91, a empresa é obrigada a: “arrecadar as contribuições dos segurados empregados e trabalhadores avulsos a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração”. E pelo art. 4º da Medida Provisória n. 83, de 12.12.2002, convertida na Lei n. 10.666, de 8.5.2003, a empresa ficou obrigada, também, a arrecadar a contribuição do segurado contribuinte individual a seu serviço, descontando-a da respectiva remuneração. Isto é, cabe à empresa descontar e recolher aos cofres da Previdência Social os valores arrecadados dos segurados.

A obrigação legal da arrecadação das contribuições previdenciárias é atribuída, também, à empresa adquirente, consignatária ou à cooperativa em relação às operações de venda ou consignação da produção rural (art. 30, IV, da Lei n. 8.212/91). Ou seja, cabe a essas empresas fazer a retenção e o recolhimento das contribuições devidas pelos produtores rurais sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção.

A penalização da omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias teve origem no Decreto-lei n. 65, de 14.12.37, cujo art. 5º previa: “O empregador que retiver as contribuições recolhidas de seus empregados e não as recolher na época própria incorrerá nas penas do art. 331, n. 2, da Consolidação das Leis Penais, sem prejuízo das demais sanções estabelecidas neste Decreto-lei”.

Posteriormente, a Lei Orgânica da Previdência Social – Lei n. 3.807, de 26.8.60 – estabeleceu, no seu art. 86: “Será punida com as penas do crime de apropriação indébita a falta de recolhimento, na época própria, das contribuições e de quaisquer outras importâncias devidas às instituições de Previdência Social e arrecadadas dos segurados e do público”. É importante salientar que a conduta prevista na Lei n. 3.807/60 não era de apropriação indébita. A equiparação feita pelo legislador foi somente para efeitos de reprimenda, embora até hoje cause alguma confusão entre os operadores do Direito.

Os crimes contra a ordem tributária tiveram nova definição e penalização com a Lei n. 8.137, de 27.12.90, dando-se a revogação tácita da legislação anterior, pois a matéria foi inteiramente regulada nesse novo diploma legal. Ficou estabelecido pelo art. 1º, caput, combinado com o art. 2º, II, que constituía crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo ou contribuição social e qualquer acessório, mediante a seguinte conduta: “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”. A pena prevista era de detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

A aplicação da Lei n. 8.137/90 em relação à omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias vigorou para os delitos praticados até o advento da Lei n. 8.212, de 25.7.91, que, no art. 95, d, tratou de forma especial a matéria. A pena passou a ser de reclusão, de dois a seis anos, além da multa, em face da remissão feita ao art. 5º da Lei n. 7.492, de 16.6.86, que trata dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.

As normas legais que sobrevieram, quais sejam, a Lei n. 8.383/91 (art. 98) e a Lei n. 9.249/95 (art. 34) alteraram o quadro penal tributário apenas, e tão somente, quanto à extinção de punibilidade quando há, ou não, o pagamento do tributo ou contribuição, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.

A partir de 15.10.2000, os aspectos penais do não recolhimento de contribuições previdenciárias passaram a ser analisados com base nos dispositivos da Lei n. 9.983, de 14.7.2000 (DOU de 17.7.2000), que promoveu alterações no Código Penal, introduzindo, entre outros, o já citado art. 168-A, que denominou a conduta como apropriação indébita previdenciária.

A conduta denominada apropriação indébita previdenciária não se confunde com a apropriação indébita comum, prevista no art. 168 do Código Penal, cuja figura típica é:

Art. 168. Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Sobre a diferença entre a apropriação indébita previdenciária e a comum, assevera Andréas Eisele: “Dentre as divergências entre as hipóteses, podem ser indicadas: a) a irrelevância da eventual existência de situação de posse (pelo agente) do objeto material sobre o qual recairá a conduta; b) a desnecessidade da presença da intenção apropriativa do objeto, por parte do sujeito; e c) a titularidade da propriedade do objeto, que pertence ao próprio sujeito (motivo pelo qual a ‘coisa’ sobre a qual recai a conduta não é ‘alheia’)”.3

As condutas previstas no art. 168-A, caput e § 1º, I, já eram previstas pelo art. 95, d, da Lei n. 8.212/91, como crime de não recolhimento de contribuições previdenciárias. Inicialmente, a jurisprudência considerou a conduta modalidade de apropriação indébita, exigindo para a configuração do crime a vontade livre e consciente de o sujeito se apropriar de coisa alheia, de que tem a posse ou detenção. Em um segundo momento, o entendimento dos tribunais modificou-se e reconheceu que o tipo seria autônomo, e não modalidade de apropriação, tratando-se de crime omissivo puro (ou próprio), que prescinde do animus rem sibe habendi. Agora, essa discussão voltará à baila, pois a Lei n. 9.983/2000 optou por tipificar a conduta como modalidade de apropriação indébita previdenciária.

Entendemos que o crime continua a ser omissivo e independente com relação à apropriação indébita, pois não há a exigência da intenção de se apropriar dos valores não recolhidos. Diferente situação ocorre na apropriação indébita comum (art. 168, caput), cujo elemento normativo do tipo consiste na vontade livre e consciente do sujeito apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção. Outrossim, é assente na doutrina que o tipo deve ser analisado em função dos seus elementos descritivos, normativos e subjetivos, e não pelo rótulo que lhe apõe o legislador.

No Supremo Tribunal Federal predominava esse mesmo entendimento: “Ao contrário do crime de apropriação indébita comum, o delito de apropriação indébita previdenciária não exige, para sua configuração, o animus rem sibi habendi” (RO em HC n. 88144, 2a Turma. Relator Ministro Eros Grau. DJ de 16.6.2006).

No entanto, o Plenário do STF veio a alterar essa orientação, ao decidir que a apropriação indébita previdenciária não consubstancia crime formal, mas omissivo material – no que indispensável a ocorrência de apropriação dos valores, com inversão da posse respectiva –, e tem por objeto jurídico protegido o patrimônio da previdência social. Entendeu-se, também, que, pendente recurso administrativo em que é discutida a exigibilidade do tributo, seria inviável tanto a propositura da ação penal quanto a manutenção do inquérito, sob pena de preservar-se situação que degrada o contribuinte (Inq. 2537, AgR/GO, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe-107, 12.6.2008).

Na sequência, a 1ª Turma do STF voltou a entender que é inexigível o “animus rem sibi habendi”, conforme se observa da ementa que segue:

HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO (ANIMUS REM SIBI HABENDI). IMPROCEDÊNCIA DAS ALEGAÇÕES. ORDEM DENEGADA.

1. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que para a configuração do delito de apropriação indébita previdenciária, não é necessário um fim específico, ou seja, o animus rem sibi habendi (cf., por exemplo, HC 84.589, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 10.12.2004), “bastando para nesta incidir a vontade livre e consciente de não recolher as importâncias descontadas dos salários dos empregados da empresa pela qual responde o agente” (HC 78.234, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 21.5.1999). (No mesmo sentido: HC 86.478, de minha relatoria, DJ7.12.2006; RHC 86.072, Rel. Min. Eros Grau, DJ28.10.2005; HC 84.021, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 14.5.2004; entre outros).

2. A espécie de dolo não tem influência na classificação dos crimes segundo o resultado, pois crimes materiais ou formais podem ter como móvel tanto o dolo genérico quanto o dolo específico.

Habeas corpus denegado.

(HC 96092/SP. Relatora Ministra Cármen Lúcia. DJe 1.7.2009)

O Ministro Marco Aurélio sustentou não haver incongruência entre os julgados, alegando que no precedente (Inq. 2537) havia um processo administrativo em andamento, razão pela qual foi assentada “a natureza do crime não simplesmente formal, mas omissivo material, para justificar a suspensão da persecução criminal pela existência do processo administrativo, visando realmente a tornar estreme de dúvidas que houve o desconto da contribuição, e o valor descontado não foi recolhido”.

Em verdade, embora o acórdão lavrado no Ag.R.-Inq. 2.537/GO tenha indicado que seria material o crime previsto no artigo 168-A do Código Penal, da leitura dos debates havidos no referido julgado, percebe-se que não houve um posicionamento claro da maioria dos ministros nesse sentido. Esse fato foi admitido pelos eminentes integrantes daquela Corte nos julgamentos que se sucederam ao reafirmarem que o crime de apropriação indébita previdenciária é omissivo puro, não havendo necessidade da ocorrência do “animus rem sibi habendi” para a sua caracterização.

Além da denominação, a nova lei inova ao descrever a conduta como “deixar de recolher contribuições à Previdência Social” e não mais à Seguridade Social, como previa o art. 95, d, da Lei n. 8.212/91. A nosso ver, a mudança não foi apropriada, pois a Constituição trata no art. 195 das contribuições ao financiamento da Seguridade Social. Nem todas as contribuições arrecadadas se destinam ao custeio da Previdência, já que parte dos recursos financia a Saúde e a Assistência Social.

A conduta delituosa prevista no inciso II do art. 168-A diz respeito ao infrator que deixa de recolher as contribuições que integram a escrituração contábil como despesa ou foram repassadas para o custo do produto ou serviço, pois neste caso o contribuinte de fato é o consumidor final. Justificase o tipo penal, pois não se pode admitir que a pessoa que não suportou o encargo da relação econômica se omita em recolher a contribuição para a Previdência Social. Esse tipo penal já era previsto no art. 95, e, da Lei n. 8.212/91, cuja penalidade era a estabelecida no art. 5º da Lei n. 7.492/86, que define os crimes contra o sistema financeiro.

Quanto ao inciso III, a conduta típica é deixar de pagar benefício devido a segurado, quando os respectivos valores já foram reembolsados pela Previdência Social. Essa hipótese ocorre nos casos em que a empresa é responsável, diretamente, pelo pagamento de benefício, tal como na entrega do salário-família, e nos casos em que há convênio com o INSS para este fim, para pagamento de outros benefícios, inclusive o salário-maternidade, que, a partir da edição da Lei n. 9.876/99, passou a ser creditado a todas as seguradas diretamente pelo Instituto. Esse tipo penal já era previsto no art. 95, f, da Lei n. 8.212/91, cuja penalidade era a estabelecida no art. 5º da Lei n. 7.492/86, que define os crimes contra o sistema financeiro.

A redução da pena máxima de seis para cinco anos para tais delitos fugiu do espírito do projeto de lei, que era punir mais severamente os sonegadores da Previdência Social. Abrandar a pena máxima significa limitar a penalidade dos infratores, que, na maioria das vezes, praticam o crime de forma continuada e são reincidentes, embora na prática referida redução não tem o condão de alterar o cálculo da prescrição contida na regra do art. 109 do Código Penal.

29.2.1Inocorrência da abolitio criminis da conduta prevista no art. 95, d, da Lei n. 8.212/91

Entendemos que não ocorreu a abolitio criminis da conduta prevista na alínea d do art. 95 da Lei n. 8.212/91 ante a revogação do dispositivo penal pelo art. 3º da Lei n. 9.983/2000, havendo apenas a sucessão legislativa de normas que mantiveram o mesmo conteúdo proibitivo.

Não é diferente o posicionamento do STF: “(...) Inocorrência de ofensa ao princípio da anterioridade da lei: a jurisprudência desta corte firmou-se no sentido de que “[o] artigo 3º da Lei n. 9.983/2000 apenas transmudou a base legal da imputação do crime da alínea ‘d’ do artigo 95 da Lei n. 8.212/1991 para o artigo 168-A do Código Penal, sem alterar o elemento subjetivo do tipo, que é o ‘dolo genérico’. É dizer: houve continuidade normativo-típica. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.” (RHC n. 88144, 2a Turma, Relator Ministro Eros Grau, julg. 4.4.2006).

No mesmo sentido, Luiz Flávio Gomes leciona: “No que diz respeito especificamente às alíneas d, e e f, que já retratavam figuras delituosas, não ocorreu nenhuma abolitio criminis porque todas as figuras típicas anteriores acham-se devidamente inseridas nos novos tipos penais. Não se deu, como veremos, uma descontinuidade normativo-típica. Ao contrário, tudo que estava nos tipos anteriores encontra-se presente nos novos. O fato de o art. 3º da Lei n. 9.983/00 ter expressamente revogado todas as alíneas do antigo art. 95 (Lei n. 8.212/91) não significa abolitio criminis porque o conteúdo da proibição anterior continua intacto nos novos dispositivos legais. (...)

Impõe-se recordar, a propósito, as magistrais lições de um dos maiores experts do mundo no tema ‘sucessão de leis penais’, que é Américo A. Taipa de Carvalho (Sucessão de leis penais, 2. ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 32 e ss.). (...)

Com base no critério da continuidade (ou descontinuidade) normativotípica (p. 176), o emérito jurista citado chega ao ponto nevrálgico da questão ao responder com critério e razoabilidade a seguinte indagação: quando uma lei nova, mantendo uma aparente continuidade normativo-típica em relação ao direito anterior, é descriminalizadora? E quando não seria?

A resposta estampada na p. 180 e ss. consiste no seguinte: ‘se a nova descrição agregou ou não algum dado novo. De outro lado, qual foi o dado típico novo agregado: se se trata de um dado especial (uma nova característica, uma nova qualidade, que restrinja o âmbito de incidência do tipo anterior, mas nele não compreendida), a lei nova é descriminalizadora; se se trata de um dado meramente especificador (sem alteração do injusto), a lei nova não é, ao menos totalmente, descriminalizadora’ (p. 181).

Com este critério, que é razoável e suficientemente capaz para resolver o problema das alterações legislativas em que dá uma real ou aparente ‘continuidade normativo-típica’ estamos em condições de afirmar o seguinte: nada do que antes estava criminalizado no art. 95, d, e e f deixou de encontrar ressonância típica no art. 168-A. Logo, deu-se uma ‘continuidade normativo-típica’. Não é caso de abolitio criminis”.4

Como se vê, a Lei n. 9.983/2000, ao mesmo tempo em que revoga o delito da alínea d, do art. 95 da Lei n. 8.212/91, estabelece sua continuidade inserindo o art. 168-A no Código Penal, pois em simples leitura de ambos os dispositivos verifica-se que o crime de que tratam fixa o sentido da manutenção da figura típica anterior, não se cogitando, assim, de abolitio criminis e, consequentemente, de causa extintiva de punibilidade.

Assim sendo, e por ser a interpretação mais coerente e aceita pela doutrina e pelos tribunais brasileiros, o Tribunal Regional Federal da 4a Região sumulou a matéria: Súmula n. 69: “A nova redação do art. 168-A do Código Penal não importa em descriminalização da conduta prevista no art. 95, d, da Lei n. 8.212/91”.

29.2.2Constitucionalidade

A constitucionalidade da penalização da conduta de omissão de recolhimento de contribuições previdenciárias é questionada sob a alegação de ofensa ao art. 5º, LXVII, da Constituição Federal e ao Pacto de São José da Costa Rica (do qual o Brasil é signatário), que proíbem a prisão por dívida.

Entendemos inexistir a alegada inconstitucionalidade ou violação ao referido Pacto, pois a prisão não decorre da dívida previdenciária, mas do inadimplemento de uma obrigação legal de recolhimento das contribuições descontadas dos segurados ou do público, prevista no art. 30, I e IV, da Lei n. 8.212/91. Nesse sentido: “A eleição da sonegação fiscal como ilícito penal, pelo legislador, não afronta o Pacto de São José, pois este proíbe prisão por dívida civil, o que não se cogita na conduta omissiva típica em questão” (ACr n. 96.04.53489-0/SC, TRF da 4ª Região, rel. Juiz Gilson Langaro Dipp, DJU de 15.10.97, p. 8.569); “O crime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias é reprimido no Brasil desde 1937 (Decreto-Lei n. 65) e sua prática importa em prejuízos à Previdência Social com significativo reflexo nos que dela se utilizam, em especial as classes economicamente menos favorecidas, criando o legislador um tipo penal específico, apenado com severidade (Lei n. 8.212/91, art. 95, letra d). Não há ofensa à Constituição Federal ou ao Pacto de São José da Costa Rica, que tratam de situação diversa, ou seja, proíbem prisão por dívida” (ACr n. 96.04.51747-3/SC, TRF da 4ª Região, rel. Des. Fed. Vladimir Freitas, DJU de 11.3.98, p. 421).

O Professor Dr. Silvio Dobrowolski defende a inconstitucionalidade pela natureza arbitrária da pena para a omissão de recolhimento de contribuições previdenciárias. Para o Prof. Silvio: “A campanha veiculada pela mídia, rotulando os omissos como autênticos inimigos da coletividade, levou à consideração das pessoas acusadas de tais delitos como merecedoras de forte reprimenda, sem lhes ser permitido oferecer justificativas para sua conduta. A pena, relativamente ao não recolhimento de contribuições previdenciárias, contraria os princípios da proporcionalidade entre a gravidade do delito e a sua punição, e o da igualdade, quando comparada à omissão de recolhimento de outros tributos”.5

Em sentido contrário, abaliza-se a posição do Juiz Federal Antônio Fernando Schenkel do Amaral e Silva, com a qual concordamos: “O art. 95, d, da Lei n. 8.212/91 tem por escopo inibir a sonegação lato sensu de contribuições previdenciárias arrecadadas dos segurados ou do público, as quais objetivam financiar a Seguridade Social, que compreende um conjunto integrado de ações em prol da saúde, previdência e assistência social, atendendo a parcela mais humilde da população brasileira. É por isso mesmo, sem dúvida, um dos mais graves delitos hoje previstos pelo nosso ordenamento jurídico, porque justamente priva a parte mais pobre da população dos benefícios proporcionados pela Seguridade Social, além de ser responsável em grande parte pelo constante déficit nas contas do INSS. Não há, pois, inconstitucionalidade por violação da proporcionalidade, já que a sanção corresponde ao desvalor social do crime de não recolhimento de contribuições previdenciárias”.6

29.2.3Tipo objetivo

A apropriação indébita previdenciária caracteriza-se como crime omissivo próprio, pois decorre da inércia do sujeito ativo que omite ato que a Lei Penal ordena ou obriga que seja realizado. A respeito do tema, José Paulo Baltazar Júnior concluiu que: “a) o crime de não recolhimento de contribuições previdenciárias é omissivo simples, pois o ato de descontar não integra a conduta, apesar de a circunstância de ter sido a contribuição descontada ser elementar do delito; b) o desconto é presumido, de forma relativa, de modo que a acusação não precisa prová-lo, mas estará afastada a tipicidade quando comprovado pela defesa que os recursos disponíveis eram suficientes apenas para o pagamento do valor líquido dos salários; c) o delito de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias não se identifica com apropriação indébita”.7

Muito embora o Plenário do STF tenha decidido que a apropriação indébita previdenciária consubstancia crime omissivo material e não simplesmente formal (Inq-AgR 2537/GO, DJe de 12.6.2008) esse entendimento não foi reafirmado. Pelo contrário, o STF voltou a adotar a tese da dispensa do animus rem sibi habendi (HC 96092/SP. Relatora Ministra Cármen Lúcia. DJe 1.7.2009). Posição também seguida pelo STJ: REsp n. 200900624376. Quinta Turma. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. DJE de 29.3.2010.

29.2.4Tipo subjetivo

O elemento subjetivo do tipo é o dolo genérico, ou seja, a vontade livre e consciente de não recolher a contribuição devida à Previdência Social e que foi descontada dos empregados. A destinação dada aos recursos provenientes do ilícito é mero exaurimento, não importando para a caracterização do delito. Nesse sentido: “(...) Para a configuração do delito apropriação indébita previdenciária não é necessário qualquer outro elemento subjetivo senão o próprio dolo (deixar de repassar) extraível do tipo.” (STJ. AGA 200801146417. Quinta Turma. Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. DJE de 2.2.2009). O STF adotou idêntico entendimento no julgamento do RHC n. 88144. 2a Turma. Relator Ministro Eros Grau. Julgado em 4.4.2006.

29.2.5Consumação e tentativa

A consumação do delito se dá no momento em que deveria ter ocorrido o recolhimento da contribuição descontada, isto é, na data fixada pela legislação previdenciária para quitação do tributo, que, atualmente, é o dia 20 do mês seguinte ao da competência, (art. 30, I, b, e III, da Lei n. 8.212/91, redação dada pela Lei n. 11.933, de 28.4.2009).. Nesse sentido, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que “(...) O crime de apropriação indébita previdenciária é instantâneo e unissubsistente. A cada vez que é ultrapassado ‘in albis’ o prazo para o recolhimento dos tributos, há a ocorrência de um novo delito. Assim, não prospera a tese de que a omissão no pagamento de contribuições referentes a meses diversos, mesmo que consecutivos, deve ser considerada como sendo um só crime – cuja consumação de prolongou no tempo –, e não como vários delitos em continuidade, como reconheceram a sentença condenatória e o acórdão que a manteve, em apelação” (HC 129.641/SC, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 19.09.2012).

Por se cuidar de crime omissivo próprio não se admite a tentativa, pois a consumação se dá pela ausência de recolhimento das contribuições arrecadadas.

Em conformidade com a orientação jurisprudencial do STF pode-se extrair que:

a) o procedimento administrativo de apuração de débitos se constitui em condição de procedibilidade para a instauração da ação penal (Inq. 2537 AgR/GO, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 12.6.2008); e

b) para a configuração do delito de apropriação indébita previdenciária, não é necessário um fim específico, ou seja, o animus rem sibi habendi (HC 96092/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 1.7.2009; HC 87107, 2ª Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe de 25.6.2009).

Em alguns julgados do STJ (assim como ocorreu no Inq. 2537 AgR/GO, STF, DJe 12.6.2008), em que não houve a conclusão do processo administrativo para apuração do débito, tem sido determinado o trancamento da ação penal sob o argumento de que o “crime de apropriação indébita previdenciária é espécie de delito omissivo material, exigindo, portanto, para sua consumação, efetivo dano, já que o objeto jurídico tutelado é o patrimônio da previdência social, razão porque a constituição definitiva do crédito tributário é condição objetiva de punibilidade, tal como previsto no art. 83 da Lei 9.430/96, aplicável à espécie” (STJ, HC 200800623060, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE 12.4.2010).

29.2.6Sujeito ativo

O sujeito ativo é quem pratica o fato descrito na norma penal incriminadora. Somente a pessoa física tem a capacidade de delinquir neste tipo penal (vide art. 225, § 3º, da CF). Logo, jamais será a pessoa jurídica o autor do crime, dada sua incapacidade. O § 3º do art. 95 da Lei n. 8.212/91 assim dispunha: “Consideram-se pessoalmente responsáveis pelos crimes acima caracterizados o titular de firma individual, os sócios solidários, gerentes, diretores ou administradores que participem ou tenham participado da gestão de empresa beneficiada, assim como o segurado que tenha obtido vantagens”.

O texto da lei transmite a noção de responsabilidade objetiva, dada a presunção de responsabilidade daqueles que participem ou tenham participado da gestão da empresa. Todavia, na interpretação dessa norma deve-se afastar a responsabilização penal objetiva, a qual não encontra respaldo em nosso ordenamento jurídico. A simples comprovação de que o sujeito participava da gestão da empresa não basta para incriminá-lo; há que se demonstrar que ele tenha concorrido para a ocorrência do resultado. Deve ser responsabilizado o administrador que, de fato, tinha poder de mando, isto é, que decidia pelo não recolhimento das contribuições arrecadadas. Não é suficiente para a condenação figurar o nome do réu no contrato social ou congênere; deve ficar caracterizado ter sido ele o responsável pelo atendimento do dever legal. Nesse sentido: “Sócio que não exercia poder de mando na empresa, conforme reza o contrato social, não pode ser penalmente responsabilizado pela prática do delito previsto no art. 95, da Lei n. 8.212/91” (HC n. 96/03005916-1/SP, TRF da 3a Região, rel. Juíza Eva Regina, DJU de 10.9.1996).

Referido dispositivo (§ 3º do art. 95 da Lei n. 8.212/91) também restou revogado pelo art. 3º da Lei n. 9.983/2000. No entanto, a nova sistemática de repressão aos delitos desta natureza não trouxe a expressa previsão de identificação do sujeito ativo do delito. Tal previsão é dispensável, porquanto é sabido que as decisões sobre o recolhimento dos tributos e sobre as demais questões relacionadas à pessoa jurídica competem aos seus administradores, daí porque são plenamente aplicáveis os ensinamentos referidos no parágrafo anterior.

Quanto aos agentes políticos, na vigência da legislação revogada, vigorava o entendimento jurisprudencial de que não se equiparavam ao titular de empresa privada no tocante à responsabilidade em face da falta de recolhimento de contribuições previdenciárias (REsp n. 56.376/PR, STJ, 6a Turma, Rel. Min. Vicente Leal, DJU de 28.8.1995). Essa realidade mudou a partir do regramento atual. Segundo José Paulo Baltazar Júnior:

Na vigência da lei anterior, predominava, no entanto, o entendimento de que o agente político não podia responder pelo crime em questão, uma vez que o ente público não poderia ser considerado empresa, nem o gestor público, o seu administrador, como exigia o § 3º do art. 95 da Lei n. 8.212/91. Na lei atual, inexiste dispositivo análogo, nada impedindo possa o gestor público ser acusado do crime em questão, não apenas em relação às contribuições devidas ao RGPS, mas igualmente em relação às contribuições para o regime próprio dos servidores, que podem também ser objeto do crime, no atual quadro legal8 (p. 23).

A Lei n. 9.639/98, que resultou da conversão da Medida Provisória n. 1.60814, de 29.4.98, trouxe em seu art. 11 a anistia aos agentes políticos que haviam sido responsabilizados. Em virtude de um erro na publicação da lei, a qual contemplava parágrafo único no art. 11, teriam sido anistiados todos os infratores, e não somente os agentes políticos. No entanto, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade deste dispositivo, constante apenas da publicação de 26.5.98 (HC n. 77.724/SP, rel. Min. Marco Aurélio; HC n. 77.734/SC, rel. Min. Néri da Silveira). O Tribunal Regional Federal da 4ª Região manifestou-se sobre a matéria através da Súmula n. 66: “A anistia prevista no art. 11 da Lei n. 9.639/98 é aplicável aos agentes políticos, não aproveitando aos administradores de empresas privadas”.

O fundamento da inexistência da anistia em relação aos demais agentes está no fato de que a publicação errada deu-se em virtude de engano no autógrafo do projeto. A retificação foi procedida no dia seguinte ao da publicação incorreta da lei, não ferindo qualquer garantia constitucional, pois inexistiu vontade política de criar a anistia e de fase indispensável ao processo legislativo, que é a votação.

29.2.7Sujeito passivo

O sujeito passivo desse delito passou a ser a União (em substituição ao INSS), desde a criação da Receita Federal do Brasil pela Lei 11.457/2007, a quem cabe a arrecadação e fiscalização dos valores retidos/arrecadados e não repassados à Seguridade Social.

Não se cogita de ser considerado sujeito passivo o segurado, em face do regime de repartição, no qual as contribuições revertem para os cofres da Seguridade Social, e não para uma conta individualizada do trabalhador. O segurado poderá ser considerado vítima secundária do crime, caso a falta do recolhimento das contribuições traga algum prejuízo no cálculo do valor do benefício (em regra, para o segurado empregado e trabalhador avulso, o valor das contribuições será considerado, ainda que não recolhido, mas desde que comprovado o valor do salário de contribuição no período considerado para o cálculo – Lei n. 8.213/91, arts. 34, I, e 35).

29.2.8Crime continuado

A omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias ocorre normalmente pela forma continuada. A ausência de recolhimento na maioria das vezes perdura por vários meses e até anos, incidindo a regra do art. 71 do Código Penal. O aumento de pena previsto pela continuidade delitiva deve ser dosado pelo juiz, levando em consideração o número de meses em que não houve o recolhimento de contribuições.

Situação interessante acontece quando os fatos foram praticados, em continuidade, sob a égide de leis distintas, v.g., art. 95, d, da Lei n. 8.212/91 e Lei n. 9.983/2000. Cada lei previu penas diversas, sendo a primeira a mais gravosa (Lei n. 8.212/91), pois dispôs que a pena seria a estabelecida no art. 5º da Lei n. 7.492, de 16.6.86, ou seja, dois a seis anos de reclusão, além de multa.

Nessa hipótese, aplicar-se-á a Lei n. 9.983/2000 por constituir-se norma mais benéfica ao réu, uma vez que prevê pena de dois a cinco anos de reclusão e multa, enquanto a lei anterior previa pena máxima de seis anos. Tratando-se de lei mais benéfica, sua aplicação é retroativa (art. 2º, parágrafo único, do Código Penal).

Sobre a continuidade delitiva, o STF editou a Súmula n. 711, do seguinte teor: “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”.

29.2.9Ação penal

A ação penal, nos crimes contra a ordem tributária, de modo geral, e contra a Seguridade Social, em particular, ante o interesse do Estado em tutelar o erário público, é, notadamente, a ação pública incondicionada. Nesse sentido a Súmula n. 609 do Supremo Tribunal Federal: “É pública incondicionada a ação penal por crime de sonegação fiscal”. Vale ainda lembrar que, segundo o disposto no art. 27 do Código de Processo Penal, sendo caso de ação pública, qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, fornecendo informações sobre os fatos, autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção. Essa norma foi repetida pelo art. 16 da Lei n. 8.137/90.

Cabe ao Ministério Público Federal propor a ação, cuja competência para julgamento é da Justiça Federal, tendo-se em vista o disposto na Constituição Federal, art. 109, IV, segundo o qual compete ao juiz federal julgar crimes cometidos contra entidades autárquicas federais.

A peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, com uma descrição, ainda que mínima, da participação de cada um dos acusados (administradores ou gestores). Neste sentido: STF, Inq 2049, Plenário, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, DJE 26.3.2009.

No que tange à necessidade de decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário para propor a ação penal, o STF decidiu:

Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Art. 83 da Lei n. 9.430, de 27.12.1996. 3. Arguição de violação ao art. 129, I da Constituição. Notitia criminis condicionada “à decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário”. 4. A norma impugnada tem como destinatários os agentes fiscais, em nada afetando a atuação do Ministério Público. É obrigatória, para a autoridade fiscal, a remessa da notitia criminis ao Ministério Público. 5. Decisão que não afeta orientação fixada no HC 81.611. Crime de resultado. Antes de constituído definitivamente o crédito tributário não há justa causa para a ação penal. O Ministério Público pode, entretanto, oferecer denúncia independentemente da comunicação, dita “representação tributária”, se, por outros meios, tem conhecimento do lançamento definitivo. 6. Não configurada qualquer limitação à atuação do Ministério Público para propositura da ação penal pública pela prática de crimes contra a ordem tributária. 7. Improcedência da ação (ADIN n. 1.571-DF, Rel. Min. Gilmar Mendes. DJ de 30.4.2004).

Dessa forma, tanto a sonegação tributária da Lei nº 8.137/90, como a sonegação de contribuição previdenciária, constituem-se em crimes materiais, em que é exigida prévia constituição definitiva do tributo, como pacificado pelo STF no julgamento do HC 81.611/DF (Rel. Ministro Sepúlveda Pertence – DJ de 10.12.2003).

A Lei n. 12.350, de 20.12.2010, em conformidade com a jurisprudência consolidada pelo STF, deu nova redação ao art. 83 da Lei n. 9.430/96, para estabelecer que: “A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.”

29.2.10Extinção da punibilidade

Há situações em que a norma penal irá extinguir a possibilidade jurídica de punição pelo Estado. São as causas de extinção de punibilidade. Os efeitos da extinção da punibilidade se aplicam conforme o momento em que a mesma ocorre: se antes da sentença transitada em julgado, extingue-se a pretensão punitiva; se após, apenas a pretensão de execução da pena. Exceções são a anistia e a revogação da lei que tipificam a conduta como antijurídica, que a qualquer tempo retroagem à pretensão punitiva.9 Cumpre investigar, nos chamados crimes contra a Previdência Social, as causas de extinção de punibilidade que se apliquem a tais delitos.

A previsão de extinção da punibilidade esteve presente no art. 34 da Lei n. 8.137, de 28.12.90, para os casos em que o agente promovesse o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia. Essa norma foi revogada pelo art. 98 da Lei n. 8.383, de 31.12.91, porém, seus efeitos permaneceram válidos para os fatos ocorridos durante sua vigência, em virtude do princípio da ultratividade da lei mais benigna.

O pagamento anterior ao recebimento da denúncia voltou a ser causa de extinção da punibilidade com o advento da Lei n. 9.249, de 26.12.95. Esse dispositivo legal, que, pela leitura literal, seria aplicado apenas aos crimes definidos na Lei n. 8.137/90 e na Lei n. 4.729/65, teve seu alcance ampliado pela jurisprudência que admitiu seus efeitos também em relação aos delitos previstos no art. 95 da Lei n. 8.212/91, em virtude da analogia in bonam partem. Nesse sentido: HC n. 73.418-9, STF, rel. Min. Carlos Velloso, Informativo STF n. 28, 5.5.96.

A extinção da punibilidade pelo parcelamento do débito antes do recebimento da denúncia tem sido aceita pela jurisprudência sob o argumento de que parcelar equivale a promover o pagamento. Esta é a posição que tem predominado perante o Superior Tribunal de Justiça: “A jurisprudência uniforme deste Tribunal tem proclamado o entendimento de que a concessão de pagamento parcelado de débito fiscal, deferido antes do oferecimento da denúncia, enseja a extinção da punibilidade, nos termos do art. 34 da Lei n. 9.249/95” (HC n. 98.0060823-0/PE, STJ, 6a Turma, rel. Min. Vicente Leal, DJU de 22.3.99, p. 254). Em decisão mais recente:

Embora haja precedentes isolados no sentido de que somente o pagamento integral antes do recebimento da denúncia ensejaria a extinção da punibilidade, a Egrégia 3ª Seção desta Corte Superior de Justiça pacificou seu entendimento em que, na vigência da Lei nº 9.249/95, o parcelamento da dívida tributária equivale a pagamento, acarretando a extinção da punibilidade (AgRg no REsp 1.026.214-RS. Sexta Turma Rel. Min. Hamilton Carvalhido. DJe em 4/48/2008).

Esta posição é defendida também por Roque Antonio Carrazza: “O parcelamento da contribuição previdenciária vencida, ainda que anteriormente descontada do empregado, desfigura o crime capitulado no art. 95, d, da Lei n. 8.212/91, por novação da dívida, causa extintiva do crédito tributário equivalente, sob o aspecto jurídico, ao pagamento”.10

A Lei n. 9.983/2000 inovou no que diz respeito à extinção da punibilidade. O delito de apropriação indébita previdenciária tem agora como causa extintiva de punibilidade o fato de o agente, espontaneamente, declarar, confessar e efetuar o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e prestar as informações devidas à Previdência Social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal (§ 2º do art. 168-A do CP). Destarte, para livrar-se da ação penal, deve o infrator – aquele que se apropriou indevidamente de contribuição retida, descontada ou repassada, ou de valor de benefício previdenciário de segurado –, antes da “ação fiscal”, ou seja, antes que a fiscalização tenha ciência do fato e expeça notificação fiscal de débito (hipóteses do caput e incisos I e II) ou auto de infração (hipótese do inciso III), fazer a entrega do numerário apropriado a quem de direito (órgão da arrecadação ou segurado, este último na hipótese do inciso III), de forma espontânea, não bastando o termo de confissão de dívida nesse sentido; deve-se admitir também o parcelamento do débito.

O Supremo Tribunal Federal adota o entendimento de que o parcelamento e quitação do tributo, a qualquer tempo, gera a extinção da punibilidade, por força da retroação de lei mais benéfica – no caso, o disposto no art. 9º da Lei n. 10.684/2003, consoante se observa nos julgamentos que se seguem:

AÇÃO PENAL. Crime Tributário. Tributo. Pagamento após o recebimento da denúncia. Extinção da punibilidade. Decretação. HC concedido de ofício para tal efeito. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei n. 10.684/03, c/c art. 5º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário.

(STF. Habeas Corpus n. 81.929-RJ, Relator Ministro Cezar Peluso, DJ de 27.2.2004).

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DESCONTADAS DOS EMPREGADOS. PARCELAMENTO E QUITAÇÃO APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE, POR FORÇA DA RETROAÇÃO DE LEI BENÉFICA.

As regras referentes ao parcelamento são dirigidas à autoridade tributária. Se esta defere a faculdade de parcelar e quitar as contribuições descontadas dos empregados, e não repassadas ao INSS, e o paciente cumpre a respectiva obrigação, deve ser beneficiado pelo que dispõe o artigo 9º, § 2º, da citada Lei n. 10.684/03. Este preceito, que não faz distinção entre as contribuições previdenciárias descontadas dos empregados e as patronais, limita-se a autorizar a extinção da punibilidade referente aos crimes ali relacionados. Nada importa se o parcelamento foi deferido antes ou depois da vigência das leis que o proíbe: se de qualquer forma ocorreu, deve incidir o mencionado artigo 9º. O paciente obteve o parcelamento e cumpriu a obrigação. Podia fazê-lo, à época, antes do recebimento da denúncia, mas assim não procedeu. A lei nova permite que o faça depois, sendo, portanto, lex mitior, cuja retroação deve operar-se por força do artigo 5º, XL da Constituição do Brasil. Ordem deferida. Extensão a paciente que se encontra em situação idêntica (STF, HC 85452, 1a Turma, Rel. Min. Eros Grau. DJ 16.3.2005).

29.2.11Perdão judicial

A outra causa de extinção de punibilidade deste delito ocorre por meio do perdão judicial, conforme previsão do § 3º do art. 168-A do Código Penal, que admite a não aplicação da pena, ou a sanção meramente pecuniária, ao réu primário e de bons antecedentes, desde que: “tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios”, ou “o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela Previdência Social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais” (incisos I e II do § 3º do mencionado dispositivo).

Com isso, o Juiz está autorizado, no caso do inciso I, a deixar de punir o infrator, caso este, após a expedição de notificação de débito, mas antes do oferecimento da denúncia pelo órgão do Ministério Público Federal – não mais até antes do recebimento pelo juiz –, realizar o pagamento das contribuições à Seguridade Social, que foram objeto de apropriação, com os acréscimos moratórios. Quanto ao inciso II, a concessão do perdão judicial poderá ocorrer até a sentença, pois não há a limitação temporal na norma legal. Em ambos os casos, poderá o juiz aplicar somente a pena de multa.

A faculdade conferida ao julgador, no sentido de deixar de aplicar a pena, em verdade, é um dever, quando o agente preenche os requisitos exigidos em lei.

Além da primariedade e dos bons antecedentes, o infrator deverá preencher, pelo menos, um dos requisitos dos incisos referidos. O pagamento da contribuição e acessórios deve ocorrer antes de oferecida a denúncia, e não antes do recebimento da denúncia como previsto no art. 34 da Lei n. 9.249/95.

A respeito da aplicação do perdão judicial, o TRF da 4ª Região decidiu: “Sendo o acusado primário e de bons antecedentes, e o valor devido inferior ao estabelecido pela previdência social, administrativamente, para o ajuizamento de suas execuções fiscais (art. 20 da Lei n. 10.522/2002, R$ 10.000,0011), possível a aplicação do benefício do perdão judicial. Salientado que a natureza jurídica da decisão que concede o perdão judicial não é condenatória, mas sim extintiva da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório” (EINRSE n. 2005.70.04.003225-5. 4ª Seção. Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro. Publ. DE em 28.7.2008).

Sobre o tema, o STJ decidiu que “(...) o benefício previsto no inciso I do § 3º do art. 168-A do Código Penal, introduzido pela Lei n. 9.983, de 14.7.2000, é aplicável unicamente à apropriação indébita de contribuições previdenciárias, não se podendo estender a benesse a casos que o legislador expressamente não previu” (HC 200802093152, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJE 9.11.2009). E, em outro julgamento, o STJ reafirmou que a sentença que concede o perdão judicial tem natureza declaratória:

O legislador, em respeito ao princípio da intervenção mínima, criou no § 3º do art. 168-A do Código Penal, uma espécie de perdão judicial, ao permitir que o juiz deixe de aplicar a reprimenda, nos casos em que o valor do débito (contribuições e acessórios) não seja superior ao mínimo exigido pela própria previdência social para o ajuizamento de execução fiscal. Dessa forma, concedido perdão judicial à ré, incide, no caso, o enunciado sumular 18 desta Corte, que assim dispõe: A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório. (EDAGA n. 200600384220, 5a Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 23.10.2006).

O princípio da insignificância, tratado neste capítulo, não deixa de ter aplicação em face da norma que institui o perdão judicial. Presente a insignificância dos valores envolvidos no ilícito penal, o Ministério Público poderá requerer o arquivamento do inquérito policial, ou, se oferecida a denúncia, o juiz poderá rejeitá-la com base no art. 395, III, do Código de Processo Penal.

29.2.12Dificuldades financeiras

Exclui-se a culpabilidade quando o agente não pode agir de modo diferente, ou seja, não lhe era socialmente exigível atuar conforme a lei. A inexigibilidade de conduta diversa tem sido reconhecida pelos tribunais como forma de afastar a culpabilidade nos crimes de apropriação indébita previdenciária, quando caracterizado nos autos o estado de insolvência ou dificuldades financeiras capazes de autorizar o comportamento contrário ao exigido pela norma legal. Nesse sentido: “(...) Para configurar a excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa é necessário que as graves dificuldades financeiras alegadas estejam sobejamente comprovadas documentalmente a ponto de terem afetado não só a empresa, mas também o patrimônio pessoal do denunciado” (TRF da 4a Região, ACR 200370000406380, 8ª Turma, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DE 20.5.2010).

As dificuldades financeiras afastam a culpabilidade do agente quando não só os bens da empresa encontram-se onerados, mas, também, os dos sócios-gerentes, diretores ou administradores responsáveis pela gestão da empresa. Não basta a mera alegação de dificuldades financeiras; deve o acusado produzir provas contundentes de tal estado. Escreve José Paulo Baltazar Júnior: “A prova se fará, preferencialmente, mediante perícia ou parecer contábil, a cargo do réu acompanhado dos livros comerciais que demonstrem as dificuldades. Como muitas vezes se cuida de pequenas ou microempresas, dispensadas legalmente de manter escrituração comercial, admite-se a comprovação das dificuldades mediante juntada de documentos que comprovem a existência de títulos protestados; ações de execução; reclamatórias trabalhistas; venda de bens da empresa ou dos sócios; outros débitos tributários; pedidos de falência; etc. A prova na matéria é, por excelência, documental. Admite-se, porém, seja ela reforçada através de depoimentos de testemunhas legadas à empresa, como ex-empregados, contadores, fornecedores ou clientes”.12

No que tange à comprovação das dificuldades financeiras, verifica-se, na prática, que os acusados em processo criminal desta natureza buscam a realização de perícia técnica contábil, para que reste demonstrada a impossibilidade de caixa para efetuar os recolhimentos devidos e, por consequência, seja reconhecida a causa supralegal da inexigibilidade de conduta diversa. A verdade é que referida prova é usada, muitas vezes, para dilatar a instrução processual, uma vez que, na maioria dos casos, cingir-se-ia a ratificar as dificuldades facilmente demonstradas por meio de documentos contábeis.

A tese das dificuldades financeiras reside na culpabilidade do agente (reprovação social do comportamento humano). E, para que o magistrado reconheça a impossibilidade de as obrigações fiscais terem sido cumpridas pelos gestores da empresa, na forma legal, e, com isso, exclua-os de pena, basta, como regra, a análise da prova documental. Sobre o cabimento de perícia na espécie, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região editou as Súmulas ns. 67 e 68:

Súmula n. 67: A prova da materialidade nos crimes de omissão de recolhimento de contribuições previdenciárias pode ser feita pela autuação e notificação da fiscalização, sendo desnecessária a realização de perícia.

Súmula n. 68: A prova de dificuldades financeiras, e conseguinte inexigibilidade de outra conduta, nos crimes de omissão de recolhimento de contribuições previdenciárias, pode ser feita através de documentos, sendo desnecessária a realização de perícia.

29.2.13Princípio da insignificância

Não obstante a adequação fática da conduta ao tipo penal imputado ao agente, constatando-se como irrisório o valor atualizado do débito, pelo principio da insignificância jurídica, absolve-se o réu denunciado por crime de natureza fiscal. Neste sentido, a orientação do STF: 2ª Turma, HC 92.438/PR, Relator Min. Joaquim Barbosa, DJe 19.12.2008.

Entretanto, no que tange ao crime de apropriação indébita previdenciária, o STF vem adotando o entendimento de que não tem aplicação o referido princípio, pois resulta “em prejuízo à arrecadação já deficitária da Previdência Social, configurando nítida lesão a bem jurídico supraindividual”. Segue precedente que detalhe o referido posicionamento:

PENAL. HABEAS CORPUS. OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS (ART. 95, “D”, DA LEI N 8.212/91, ATUALMENTE PREVISTO NO ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REQUISITOS AUSENTES. REPROVABILIDADE DO COMPORTAMENTO. DELITO QUE TUTELA A SUBSISTÊNCIA FINANCEIRA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, BEM JURÍDICO DE CARÁTER SUPRAINDIVIDUAL. ORDEM DENEGADA.

1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Precedentes: HC 104403/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJ de 1.2.2011; HC 104117/MT, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1a Turma, DJ de 26.10.2010; HC 96757/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJ de 4.12.2009; HC 97036/RS, rel. Min. Cezar Peluso, 2ª Turma, DJ de 22.5.2009; HC 93021/PE, rel. Min. Cezar Peluso, 2a Turma, DJ de 22.5.2009; RHC 96813/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ de 24.4.2009.

2. In casu, os pacientes foram denunciados pela prática do crime de apropriação indébita de contribuições previdenciárias no valor de R$ 3.110,71 (três mil, cento e dez reais e setenta e um centavos).

3. Deveras, o bem jurídico tutelado pelo delito de apropriação indébita previdenciária é a “subsistência financeira à Previdência Social”, conforme assentado por esta Corte no julgamento do HC 76.978/RS, rel. Min. Maurício Corrêa ou, como leciona Luiz Regis Prado, “o patrimônio da seguridade social e, reflexamente, as prestações públicas no âmbito social” (Comentários ao Código Penal, 4. ed., São Paulo: RT, 2007, p. 606).

4. Consectariamente, não há como afirmar-se que a reprovabilidade da conduta atribuída ao paciente é de grau reduzido, porquanto narra a denúncia que este teria descontado contribuições dos empregados e não repassado os valores aos cofres do INSS, em prejuízo à arrecadação já deficitária da Previdência Social, configurando nítida lesão a bem jurídico supraindividual. O reconhecimento da atipicidade material in casu implicaria ignorar esse preocupante quadro. Precedente: HC 98.021/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJ de 13/8/2010.

5. Parecer do MPF pela denegação da ordem.

6. Ordem denegada.

(HC 102550/PR. 1ª Turma. Relator Ministro Luiz Fux. DJe de 08.11.2011).

No mesmo sentido: STF. Primeira Turma. HC n. 110.124-SP. Relatora Min. Cármen Lúcia. DJe-055 em 16.3.2012.

29.2.14Prisão por dívida

É importante mencionar também a Lei n. 8.866, de 11.4.94, que previa ser depositário da Fazenda Pública a pessoa que a legislação tributária ou previdenciária impunha a obrigação de reter ou receber de terceiro e recolher aos cofres públicos impostos, taxas e contribuições, inclusive à Seguridade Social. Com base no § 2º do art. 1º dessa lei, que considerava depositário infiel aquele que não entregasse aos cofres públicos os valores arrecadados, foi sustentada a revogação do art. 95, d, da Lei n. 8.212/91. No entanto, esse entendimento não prosperou, pois a Lei n. 8.866/94 é de índole eminentemente civil, não tornando descriminalizada a conduta do art. 95, d, da Lei n. 8.212/91.

Sobre o tema, o TRF da 4ª Região editou a Súmula n. 65: “A pena decorrente do crime de omissão de recolhimento de contribuições previdenciárias não constitui prisão por dívida”.

No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento de que o agente que se enquadra no art. 168-A do Código Penal não se submete à prisão civil por dívida, mas responde pela prática do delito:

HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. CONDUTA PREVISTA COMO CRIME. INCONSTITUCIONALIDADE INEXISTENTE. VALORES NÃO RECOLHIDOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. ORDEM DENEGADA. 1. A norma penal incriminadora da omissão no recolhimento de contribuição previdenciária – art. 168-A do Código Penal – é perfeitamente válida. Aquele que o pratica não é submetido à prisão civil por dívida, mas sim responde pela prática do delito em questão. Precedentes. 2. Os pacientes deixaram de recolher contribuições previdenciárias em valores muito superiores àquele previsto no art. 4º da Portaria MPAS 4910/99, invocada pelo impetrante. O mero fato de a denúncia contemplar apenas um dos débitos não possibilita a aplicação do art. 168-A, § 3º, II, do Código Penal, tendo em vista o valor restante dos débitos a executar, inclusive objeto de outra ação penal. 3. Ordem denegada. (STF, HC 91704/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma. DJe em 20.06.2008).

29.3  INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMAÇÕES

A inserção de dados falsos em sistema de informações é um delito cometido por intermédio de meios eletrônicos, cujo sujeito passivo é a Administração Pública, conforme se observa da redação do art. 313-A:

Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Esse delito foi inserido no Código Penal no Título XI, que trata dos Crimes contra a Administração Pública, Capítulo I – Dos Crimes Praticados por Funcionário Público contra a Administração Pública. É considerado um peculato eletrônico, cujo sujeito ativo deverá ser servidor público, sendo admitida, entretanto, a participação de particular.

A conduta foi criada com a finalidade de punir o servidor que insere, altera ou exclui dados dos sistemas informatizados ou banco de dados da Previdência Social para obter vantagem ilícita para si ou para outrem.

29.4  MODIFICAÇÃO OU ALTERAÇÃO NÃO AUTORIZADA DE SISTEMA DE INFORMAÇÕES

Entre os crimes relacionados à informática está, também, o de modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações, assim previsto:

Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado.

Aplicam-se aqui as mesmas considerações feitas ao delito de inserção de dados falsos em sistema de informações. Ressalta-se, entretanto, que as penas são menos severas, pois as consequências do tipo possuem menor gravidade.

As penas serão aumentadas em caso de dano para a Administração Pública ou para os administrados, que são os sujeitos passivos do crime.

29.5  SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

A sonegação de contribuição previdenciária é tipificada pelas seguintes condutas:

Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços;

II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços;

III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Trata-se de crime praticado por particular contra a Previdência Social cujo elemento do tipo é a vontade livre e consciente de sonegar contribuição previdenciária, mediante a omissão de procedimentos contábeis obrigatórios.

Sobre a consumação e a competência para julgamento desse delito decidiu a 3ª Seção do STJ que: “O delito previsto no art. 337-A do Código Penal consuma-se com a supressão ou redução da contribuição previdenciária e acessórios, sendo o objeto jurídico tutelado a Seguridade Social. A competência para processar e julgar o crime de sonegação de contribuição previdenciária é fixada pelo local da consumação do delito, conforme previsto no art. 70 do Código de Processo Penal” (CC 200901070341, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJE 29.3.2010).

Por se tratar de crime material, exige-se a constituição definitiva do crédito tributário previamente à propositura da ação penal, aplicando-se, portanto, a Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. Nesse sentido: “(...) 1. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o entendimento alinhavado na Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal aplica-se ao crime descrito no art. 337-A do Código Penal, cuja caracterização, em razão de sua natureza material, depende da constituição definitiva do valor sonegado. Precedentes” (STJ, RHC 24.876/SC, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, 5.ª Turma. DJe 19.03.2012).

Tais condutas eram previstas como criminosas pelo art. 95, letras a, b e c, da Lei n. 8.212/91, porém, sem pena para os infratores. O novo tipo penal veio para corrigir essa distorção, instituindo penalidade rigorosa, que varia de dois a cinco anos de reclusão, além de multa.

Para o delito de sonegação de contribuição previdenciária, as causas de extinção de punibilidade são as mesmas que as da conduta tipificada no art. 168-A, à exceção do perdão judicial pelo pagamento após a ação fiscal e antes do oferecimento da denúncia, hipótese que foi vetada pelo Poder Executivo ao sancionar a lei. Ou seja, é extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declarar e confessar as contribuições, importâncias ou valores e prestar as informações devidas à Previdência Social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal, não se exigindo qualquer pagamento.

Há, também, regras especiais de aplicação da pena, sendo facultado ao juiz deixar de aplicar a pena, ou aplicar somente a de multa, se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que o valor das contribuições devidas, inclusive os acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela Previdência Social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais (art. 337-A, § 2º). O limite mínimo para ajuizamento das execuções fiscais, como já salientado, está fixado em R$ 20.000,00 pelo art. 2º da Portaria MF n. 75, de 22.03.2012, com redação dada pela Portaria MF n. 130, de 19.04.2012.

A pena poderá ser reduzida se o empregador não for pessoa jurídica e sua folha de pagamento mensal não ultrapassar R$ 1.510,00 na data de publicação da Lei n. 9.983/2000. A redução será de um terço até a metade, podendo o Juiz aplicar apenas a multa. Esse valor será reajustado nas mesmas datas e nos mesmos índices de reajuste dos benefícios da Previdência Social (art. 337-A, §§ 3º e 4º).

O Tribunal Pleno do STF, no julgamento da AP 516/DF, de relatoria do Ministro Ayres Britto (DJe em 20.09.2011), entendeu pela impossibilidade de se aplicar a continuidade delitiva, na forma do art. 71 do CP, aos crimes do art. 168-A e do art. 337-A, ambos do CP, por entender que os crimes são de espécie distintas, aplicando concurso material.

Não obstante, a 6ª Turma do STJ reconheceu a possibilidade de aplicar o instituto da continuidade delitiva para os casos em que tenham sido cometidos os delitos tipificados pelos art. 168-A – apropriação indébita previdenciária – e art. 337-A – sonegação de contribuição previdenciária, desde que presentes os requisitos da mencionada ficção jurídica: “(...) 3. Em função da melhor hermenêutica, os crimes descritos nos arts. 168-A e 337-A, apesar de constarem em títulos diferentes no Código Penal e serem, por isso, topograficamente díspares, refletem delitos que guardam estreita relação entre si, portanto cabível o instituto da continuidade delitiva (art. 71 do CP). 4. O agente cometeu delitos análogos, descritos nos arts. 168-A e 337-A do Código Penal, na administração de empresas diversas, mas de idêntico grupo empresarial, durante semelhante período, no mesmo espaço geográfico (cidade de Porto Alegre/RS) e mediante similar maneira de execução, portanto tem lugar a ficção jurídica do crime continuado (art. 71 do CP). (...)” (REsp 1212911/RS. 6ª Turma. Rel. Min. Sebastião Reis Júnior.. DJe 09.04.2012).

29.6  DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÕES SIGILOSAS OU RESERVADAS

O Código Penal considera criminosa a divulgação de segredo, estabelecendo no art. 153 que constitui crime “Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem”. A redação desse dispositivo foi alterada pela Lei n. 9.983/2000, para proteger os sistemas e bancos de dados da Administração Pública.

Art. 153.

......................................................................................................................

§ 1º-A. Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública:

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º (parágrafo único original).

§ 2º Quando resultar prejuízo para a Administração Pública, a ação penal será incondicionada.

A pena originalmente prevista no Código Penal para o crime de divulgação de segredo era a detenção de um a seis meses, ou multa, sendo que somente se procederia mediante representação do ofendido. Pela nova redação, a pena é elevada, podendo chegar até a quatro anos de detenção, além de multa. A ação penal passou a ser incondicionada em caso de dano à Administração Pública.

29.7  FALSIDADE DOCUMENTAL

O art. 296 do Código Penal, que trata da falsidade documental, ganhou mais um inciso no § 1º, aplicando a pena de reclusão, de dois a seis anos, mais multa, a quem altera, falsifica ou faz uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública.

29.8  FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO

No art. 297 do Código Penal foi inserido o § 3º, para estabelecer que incorre na pena de reclusão de dois a seis anos, e multa, quem insere ou faz inserir:

I – na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova perante a Previdência Social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório;

II – na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a Previdência Social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita;

III – em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da empresa perante a Previdência Social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado.

Tais condutas eram previstas como criminosas pelo art. 95, letras g, h e i da Lei n. 8.212/91, porém sem pena para os infratores. O novo tipo penal veio para corrigir essa distorção, instituindo penalidade rigorosa, que varia de dois a seis anos de reclusão, além de multa.

De acordo com o § 4º da atual redação do art. 297 do Código Penal, incorre nas mesmas penas quem omite, nos documentos mencionados no § 3º, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.

29.9  VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL

O Código Penal estabeleceu pena de detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, ao sujeito ativo do delito de violação de sigilo funcional, se o fato não constituiu crime mais grave. A Lei n. 9.983/2000 estabeleceu que incorre nas penas desse artigo quem:

I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública;

II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito (art. 325, § 1º).

Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem, a pena passa a ser de reclusão, de dois a seis anos, e multa (art. 325, § 2º).

29.10  EQUIPARAÇÃO A FUNCIONÁRIO PÚBLICO

O conceito de funcionário público contido no art. 327 do Código Penal foi ampliado. De acordo com a atual redação do § 1º desse dispositivo, equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução típica da Administração Pública.

Com essa modificação, foi inserido no conceito de funcionário público quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública (estagiários, serventes, copeiras, vigilantes, etc.).

29.11  ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO

O crime de estelionato previdenciário está previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal, cuja conduta tipificada é “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”.

A pena de reclusão de um a cinco anos e multa, prevista no caput do art. 171 do CP, é aumentada em um terço por ser praticado contra a Autarquia Previdenciária.

Esse delito ocorre com frequência nos casos de agentes que utilizam documentação falsa para sacar valores depositados em nome de outra pessoa a título de benefício previdenciário.

Na avaliação de José Paulo Baltazar Júnior, muitas vezes é autor um intermediário ou despachante de benefícios, não raro ex-servidor da Previdência, conhecedor do funcionamento da Autarquia:

Assim, no específico caso do estelionato contra a previdência, o segurado, se tiver ciência da fraude, colaborando e aderindo à conduta do intermediário, poderá ser partícipe ou coautor, dependendo de cada hipótese, como acima referido. Caso o segurado sequer tenha ciência da fraude, não poderá ser condenado. Exemplifica-se com a hipótese do segurado denunciado por estelionato que relata, no interrogatório, a entrega de suas carteiras profissionais ao intermediário, que informou ter ele direito ao benefício, vindo a receber, alguns meses depois, a carta de concessão de aposentadoria do INSS, negando saber não contava com tempo suficiente para se aposentar. Tal tese mais será admissível quando o acusado for pessoa simples e houver contagem de tempo de benefício rural e urbano, ou conversão de tempo especial, ou vários contratos de trabalho, caso em que há dificuldades em determinar a existência do direito. Ao contrário, se o segurado praticamente jamais trabalhou registrado, é difícil admitir que não tenha ciência da fraude. Se os honorários do despachante de benefícios, forem muito elevados há indício de que o segurado tem ciência da fraude. Como se vê, é questão a ser apurada concretamente.13

Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, esse crime possui natureza permanente, tendo em vista que sua consumação se renova a cada recebimento mensal. Com isso, o prazo prescricional deve ser contado a partir do fim do recebimento do benefício irregular (HC 116.816, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 04.03.2013).

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1     DELMANTO, Celso. Código Penal comentado. Rio de Janeiro: Renovar, 1986, p. 159.

2     Exposição de Motivos – EMI n. 52, de 3.5.1999. Disponível em: <www.planalto.gov.br.> Acesso em 18.3.2003.

3     EISELE, Andréas. Crimes contra a ordem tributária. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2002, p. 203.

4     GOMES, Luiz Flávio. Crimes previdenciários. Série: As Ciências Criminais do Século XXI, vol. 1, Ed. Revista dos Tribunais, 2001, p. 18-22.

5     DOBROWOLSKI, Silvio. “Novas considerações sobre o crime de omissão de recolhimento de tributos e contribuições”. In Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina, v. 7, ano 5, outubro de 1999, p. 275-289.

6     AMARAL E SILVA, Antônio Fernando Schenkel do. “Questões pertinentes ao crime de não recolhimento de contribuições previdenciárias – art. 95, d, da Lei n. 8.212/91”. In Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina. v. 7: ano 5, outubro de 1999, p. 291-315.

7     THIESEN, Ana Maria Wickert et alii; Vladimir Passos de Freitas (Coord.). Direito previdenciário: aspectos materiais, processuais e penais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 333.

8     BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Crimes federais: contra a administração pública, a previdência social, a ordem tributária, o sistema financeiro nacional, as telecomunicações e as licitações, estelionato, moeda falsa, abuso de autoridade, tráfico transnacional de drogas, lavagem de dinheiro. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, 472p.

9     DELMANTO, Celso. Op. cit., p. 160.

10    CARRAZZA, Roque Antonio. “A extinção da punibilidade no parcelamento de contribuições previdenciárias descontadas, por entidades beneficentes de assistência social, dos seus empregados, e não recolhidas, à previdência, no prazo legal. Questões conexas”. In Revista Justitia, São Paulo, 58(174), abr./jun. 1996.

11    O art. 2º da Portaria MF n. 75, de 22.03.2012, com redação dada pela Portaria MF n. 130, de 19.04.2012, aumentou esse patamar para R$ 20.000,00.

12    THIESEN, Ana Maria Wickert et alii; Vladimir Passos de Freitas (Coord.). Op. cit., p. 365.

13    BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Crimes Federais. 8 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 75.