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CONCESSÃO DA PRESTAÇÃO PREVIDENCIÁRIA

Para que o indivíduo faça jus à prestação previdenciária, embora já tenha sido ressaltado o caráter de irrenunciabilidade do direito, é necessário:

a) que o indivíduo se encontre na qualidade de beneficiário do regime, à época do evento – para que alguém possa fruir da prestação previdenciária, é necessário que esteja enquadrado como beneficiário abrangido pela mesma. Exemplificando: um indivíduo que nunca foi segurado, uma vez adoecendo, não faz jus a benefício por incapacidade, uma vez que não é segurado; quando um segurado vem a falecer, tendo seu filho mais de 21 anos de idade e não sendo inválido, este não fará jus à pensão, pois já não é considerado dependente pela norma legal; exceção a essa regra ocorre em relação às aposentadorias e pensões, pois há hipóteses em que, mesmo já tendo deixado de ser segurado da Previdência Social, o indivíduo preserva o direito, seja por já tê-lo adquirido, seja porque, tendo um número mínimo de contribuições, ainda que vertidas em tempo passado, e atingida a idade para aposentadoria por idade, prevalece atualmente o entendimento de que é devido o benefício;

b) a existência de um dos eventos cobertos pelo regime, conforme a legislação vigente na época da ocorrência do fato – o que deflagra o direito à prestação é o evento coberto pela Previdência Social, em conformidade com os requisitos legais pertinentes. Assim, só há direito à aposentadoria por invalidez uma vez que o segurado esteja totalmente incapaz para toda e qualquer atividade laborativa; enquanto tiver capacidade, ainda que reduzida, para a realização de trabalho, não lhe será concedido o benefício; o mesmo ocorre com a aposentadoria por tempo de contribuição, que não pode ser concedida antes de implementado todo o tempo exigido;

c) o cumprimento de exigências legais – em grande parte dos casos, as prestações previdenciárias previstas somente são concedidas se o beneficiário, além de atingido pelo evento amparado, cumprir algumas exigências, como carência de contribuições, idade mínima, ou a ausência de percepção de outro benefício inacumulável com o requerido;

d) a iniciativa do beneficiário – o ente previdenciário não concede benefícios sem que lhe tenha sido feito o pedido correspondente, por quem de direito. Não há pagamento de benefícios de ofício. Apenas mediante a iniciativa do beneficiário, por meio de um requerimento – ato de manifestação de vontade no sentido de exercitar o direito – e após preenchidos os requisitos anteriormente mencionados, pode ser entregue a prestação. Há exceção no art. 76 do Decreto n. 3.048/99, ao estabelecer que “A previdência social deve processar de ofício o benefício, quando tiver ciência da incapacidade do segurado sem que este tenha requerido auxílio-doença.” Entendemos que há outras situações em que o INSS deve processar de ofício o benefício, como na hipótese de auxílio-acidente, após a consolidação das sequelas decorrentes de incapacidade (precedido, portanto, de auxílio-doença).

De nada adianta peticionar requerendo a concessão de um benefício antes de implementar as condições para o direito, visando assegurar a aplicação de regras vigentes, quando, por exemplo, se avizinha alguma alteração legislativa; sem ter adquirido o direito, não há que se falar em preservação das condições anteriores.

É importante ressaltar que a inexistência de contribuições para com a Seguridade Social e a falta de registro da atividade laboral em carteira profissional ou Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS não podem constituir óbice à concessão de benefícios para os segurados empregados, empregados domésticos e trabalhadores avulsos. Como diz com precisão José de Oliveira, é que não se pode penalizar o trabalhador pela negligência do tomador de serviços, responsável legal pelos recolhimentos das contribuições destes segurados. Uma vez existente o vínculo jurídico que enquadra o indivíduo como uma das três categorias de segurados mencionadas, fará jus a ser considerado beneficiário do RGPS, sem prejuízo da cobrança das contribuições de quem inadimpliu a obrigação, ou seja, o tomador dos serviços (arts. 34 a 36 da Lei n. 8.213/91).1

Se o beneficiário atende aos requisitos, embora não postule a prestação, diz-se que o mesmo possui direito adquirido à prestação previdenciária. Uma vez adquirido o direito, este se torna intangível por norma posterior, devendo ser concedido o benefício ou prestado o serviço nos termos do regramento existente à época da aquisição do direito, independentemente de quando for requerido.

Não se configura o direito adquirido se o beneficiário não atender a algum dos requisitos supraelencados. Assim, não se pode falar em direito adquirido à aposentadoria daquele que está ainda prestes a completar o tempo de contribuição ou a idade exigidos. A alteração legislativa que venha a ocorrer anteriormente à aquisição do direito é totalmente aplicável aos segurados e dependentes do regime, não havendo direito à manutenção das regras vigentes à época da filiação ao RGPS. Como assevera Feijó Coimbra: “A lei poderá, a qualquer tempo, mudar as condições de aquisição, criar ou suprimir prestações, respeitando, unicamente, o direito dos que, por terem satisfeito as condições legais de aquisição, já são titulares do direito à prestação, porque já haverá, aí, situação jurídica perfeitamente definida”.2

Já no caso de beneficiário que tenha perdido esta qualidade, mas que, enquanto era segurado ou dependente, implementou as condições para obtenção da prestação, o direito se mantém íntegro, como é da redação do art. 102 da Lei n. 8.212/91.

Discussão importante foi travada acerca do momento do cumprimento das exigências legais para o deferimento da aposentadoria por idade, ou seja, se é devido o benefício mesmo quando o preenchimento da condição de idade mínima ocorra em época na qual o interessado já tenha perdido a condição de segurado, visto que cumpriu anteriormente o requisito de carência exigida.

O art. 102 da Lei n. 8.213/91 estabelece que a perda da qualidade de segurado importa em caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade, só não prejudicando o direito à aposentadoria e pensão por morte para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação então em vigor.

No entanto, o Superior Tribunal de Justiça adotou entendimento arrojado nesta matéria, ao decidir não ser necessária a simultaneidade no preenchimento dos requisitos para a percepção de aposentadoria por idade avançada, sendo irrelevante, para concessão do benefício, o fato de que o requerente, ao atingir a idade mínima, já tenha perdido a condição de segurado. A Terceira Seção do STJ, em julgado de embargos de divergência, assim se pronunciou:

Embargos de Divergência. Previdenciário. Aposentadoria por Idade. Perda da qualidade de segurado. Irrelevância.

1. Para concessão da aposentadoria por idade, não é necessário que os requisitos exigidos pela lei sejam preenchidos simultaneamente, sendo irrelevante o fato de que o obreiro, ao atingir a idade mínima, já tenha perdido a condição de segurado.

2. Embargos rejeitados.

(STJ – ERESP n. 175265/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves – DJU de 18.9.2000).

O entendimento em comento foi incorporado ao ordenamento legal pela Medida Provisória n. 83, de 12.12.2002, convertida na Lei n. 10.666, de 8.5.2003, em seu art. 3º, verbis:

Art. 3º A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.

§ 1º Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito da carência na data do requerimento do benefício.

§ 2º A concessão do benefício de aposentadoria por idade, nos termos do § 1º, observará, para os fins de cálculo do valor do benefício, o disposto no art. 3º, caput e § 2º, da Lei n. 9.876, de 26 de novembro de 1994, o disposto no art. 35 da Lei n. 8.213, de 24 de julho de partir da competência julho de 1994, o disposto no art. 35 da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991.

O indeferimento, pela Autarquia Previdenciária, de requerimento de benefício, quando o postulante preencher todos os requisitos legais para tanto, é ato ilícito, podendo ser questionado em Juízo, por se tratar de lesão a direito. Além disso, caracteriza lesão a um dos deveres ético-profissionais do servidor público responsável (art. 116, III, da Lei n. 8.112/90), por desatenção às normas legais pertinentes; no campo do Direito Penal, em tese, poderia caracterizar crime de prevaricação o retardamento ou a realização de ato administrativo contra disposição expressa de lei (CP, art. 319); uma vez configurado o crime e punido o servidor, este é passível de demissão do cargo público. Assim sendo, não comungamos da tese de que não há como punir servidores públicos ineficientes.

De acordo com o art. 181-B do Decreto n. 3.048/99, “o segurado pode desistir do seu pedido de aposentadoria desde que manifeste esta intenção e requeira o arquivamento definitivo do pedido antes da ocorrência do primeiro de um dos seguintes atos: I – recebimento do primeiro pagamento do benefício; ou II – saque do respectivo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço ou do Programa de Integração Social.”

Temos o entendimento que a aposentadoria é direito patrimonial disponível, passível de renúncia a qualquer tempo, gerando direito ao aproveitamento do tempo trabalhado para concessão de nova aposentadoria pelo mesmo regime ou por regime previdenciário diverso. O tema é objeto de explanação na Parte IV deste Manual, ao qual remetemos o leitor.

31.1  SUSPENSÃO DO BENEFÍCIO

Na legislação de seguro social, há certas situações que autorizam o INSS a deixar de pagar o benefício, suspendendo a prestação devida. Não se deve confundir, contudo, tal situação com a de cancelamento do benefício: na suspensão, o benefício teve apenas seu pagamento sustado; no cancelamento, dá-se a extinção da obrigação de pagamento pelo INSS ao beneficiário.

São casos de suspensão do pagamento do benefício: a) a conduta do beneficiário inválido que não se apresenta para realização do exame médico-pericial periódico pelo INSS; b) a não comprovação trimestral da manutenção do cumprimento da pena privativa de liberdade, ou a fuga do segurado detido ou recluso, em relação ao auxílio-reclusão pago aos dependentes do segurado; c) a ausência de defesa do beneficiário, quando notificado pelo INSS em casos de suspeita de irregularidade na concessão ou manutenção de benefício (art. 11 da Medida Provisória n. 83, de 12.12.2002, convertida na Lei n. 10.666, de 8.5.2003).

O Decreto n. 3.048/99, em seu art. 179, § 4º, com a redação conferida pelo Decreto n. 5.545/2005, prevê que o recenseamento previdenciário relativo ao pagamento dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social de que tratam o § 4º do art. 69 e o caput do art. 60 da Lei n. 8.212, de 1991, deverá ser realizado pelo menos uma vez a cada quatro anos.

O Decreto n. 5.699/2006 alterou o texto do § 1º do art. 179 do Regulamento para prever a notificação do beneficiário não mais apenas em situação de suspeita de fraude ou erro na concessão de benefícios, mas também por ocasião do recenseamento, “para apresentar defesa, provas ou documentos de que dispuser, no prazo de dez dias”.

Além disso, passou a prever, no § 6º do mesmo artigo 179, que “Na impossibilidade de notificação do beneficiário ou na falta de atendimento à convocação por edital, o pagamento será suspenso até o comparecimento do beneficiário e regularização dos dados cadastrais ou será adotado procedimento previsto no § 1º”.

Sintetizando, o segurado ou dependente em gozo de benefício deverá ser notificado periodicamente e, nesse caso, ele pode ser chamado a apresentar documentos – não seria o caso de apresentar defesa ou provas, pois não paira sobre o beneficiário qualquer suspeita de recebimento indevido. Porém, o texto é contraditório, ao estabelecer dois modos de proceder, no caso de não comparecimento do beneficiário: suspende-se o benefício de imediato até o comparecimento, ou notifica-se a pessoa para, em dez dias, apresentar defesa, provas e documentos?

Sem prejuízo da má técnica observada na redação do texto, a questão polêmica que envolve a matéria é justamente o cabimento (ou não) da suspensão do benefício previdenciário em caso de mero não comparecimento do beneficiário ao recenseamento.

Em se tratando o INSS de uma entidade pública, seus atos devem se pautar pelos princípios regentes da Administração, dentre os quais se destaca, em particular, o da legalidade. A concessão equivocada de benefícios a pessoas que não atendem aos requisitos legais estabelecidos para tanto, é medida que se torna eivada de nulidade absoluta, passível, portanto, de revisão pela própria Administração, a qualquer tempo e de ofício. É o entendimento já consolidado na jurisprudência do STF, em sua Súmula 473.

Entretanto, não pode o INSS prescindir de respeitar os direitos fundamentais do contraditório e da ampla defesa, obrigatórios em qualquer procedimento judicial ou administrativo (Constituição, art. 5º). Visto por esse ângulo, o § 6º do art. 179 do Regulamento possui indícios de inconstitucionalidade, pois visa autorizar o INSS a suspender benefício de forma arbitrária, sem que haja razoável indício de ilegalidade cometida.

É dizer, caso o INSS tenha meios de concluir pela ilegalidade, deve oferecer o direito de defesa e prova ao interessado e, ao final, decidir se a concessão foi ou não irregular; se não os possui, não pode presumir que houve fraude ou má-fé. Isto porque, ao contrário, os atos administrativos gozam de presunção de legalidade, de modo que, não havendo prova de concessão ao arrepio da lei, não há que se quebrarem os efeitos de tal presunção.

Felizmente a ilegalidade contida no Decreto 3.048/99 foi corrigida pela Lei n. 11.720, de 20/06/2008, que estabeleceu: “Art. 1º O recadastramento de segurados da Previdência Social, por qualquer motivo, não poderá ser precedido de prévio bloqueio de pagamento de benefícios”.

Essa norma legal prevê também um novo procedimento para os recadastramentos, qual seja: I – prévia notificação pública do recadastramento; II – estabelecimento de prazo para início e conclusão do recadastramento, nunca inferior a 90 (noventa) dias.

Merece destaque, ainda, a observância dos direitos dos idosos. O recadastramento de segurados com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos será objeto de prévio agendamento no órgão recadastrador, que o organizará em função da data do aniversário ou da data da concessão do benefício inicial. E, quando se tratar de segurado com idade igual ou superior a 80 (oitenta) anos ou que, independentemente da idade, por recomendação médica, estiver impossibilitado de se deslocar, o recadastramento deverá ser realizado na sua residência.

31.2  CANCELAMENTO DO BENEFÍCIO

Para o INSS cancelar um benefício previdenciário deve, necessariamente, fazê-lo com base em um processo administrativo que apurou alguma irregularidade na concessão do mesmo. O poder-dever da Administração de desconstituir seus próprios atos por vícios de nulidade condiciona-se à comprovação das referidas ilegalidades em processo administrativo próprio, com oportunização, ao administrado, das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, inciso LV, da CF/88 e Súmula n. 160 do extinto TFR). Nesse sentido: “Previdenciário. Mandado de Segurança. Cancelamento de Benefício. Está eivado de ilegalidade o procedimento de cancelamento de benefício sem um processo administrativo regular que permita a ampla defesa dos segurados. Apelação e remessa oficial improvidos” (Apelação em MS n. 94.04.38301-5, TRF da 4a Região, 5a Turma, rel. Juíza Maria de Fátima Freitas Labarrère, DJU de 11.3.1998).

Nos casos em que o INSS não comprova que o cancelamento foi, em face de alguma irregularidade, apurado em processo administrativo, entendemos que o benefício deve ser restabelecido. O beneficiário poderá obter sua pretensão em juízo, por meio de mandado de segurança, quando não demandar de instrução probatória, ou pela via ordinária, com a possibilidade da antecipação de tutela, quando demonstrar o preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão da medida, previstos pelo art. 273 do Código de Processo Civil.

São casos de cancelamento de benefício: a) o retorno ao trabalho em atividade nociva à saúde ou à integridade física do segurado que percebe aposentadoria especial (art. 57, § 8º, da Lei n. 8.213/91; b) o reaparecimento do segurado considerado falecido por decisão judicial que havia declarado morte presumida (art. 78, § 2º, da Lei n. 8.213/91); c) o retorno ao trabalho do segurado aposentado por invalidez (art. 46 da Lei n. 8.213/91); d) a verificação, pelo INSS, de concessão ou manutenção de benefício de forma irregular ou indevida (art. 11 da Lei n. 10.666/2003).

Segundo o art. 11 da Lei n. 10.666, de 8.5.2003, o INSS deve, antes de proceder ao cancelamento do benefício, notificar o beneficiário para que, no prazo de dez dias, se manifeste sobre as supostas irregularidades na concessão ou na manutenção do benefício, apresentando defesa e podendo colacionar as provas que entender pertinentes. Findo este prazo sem a manifestação do beneficiário, o benefício será suspenso, notificando-se deste procedimento o interessado. Com isso, ficaram tacitamente revogadas as disposições do art. 69 e seus §§ 1º a 3º da Lei n. 8.212/91.

A autoridade administrativa competente do INSS cancelará o benefício no caso de não haver defesa, quando esta for tida por improcedente, ou, ainda, quando as provas apresentadas forem insuficientes. Desta decisão será cientificado o beneficiário, que terá o direito de interpor recurso à Junta de Recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social, ou, ainda, discutir em juízo a licitude do cancelamento.

A Lei n. 10.839, de 5.2.2004 incluiu o art. 103-A no texto da Lei n. 8.213/91, disciplinou a matéria no que tange ao prazo para anulação de atos administrativos de que resultem benefícios indevidos a segurados e dependentes, fixando em dez anos, contados do dia em que foram praticados, salvo comprovada má-fé, sendo que, no caso de efeitos patrimoniais contínuos no tempo, considerar-se-á o prazo decadencial a partir do primeiro pagamento.

A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais manteve decisão da Turma Recursal do Rio de Janeiro, que reconheceu ao autor o direito de manter o seu benefício, mesmo tendo sido concedido por erro de cálculo do Instituto Nacional do Seguro Social. No caso concreto, o autor teve sua aposentadoria concedida pelo INSS em abril de 1983 e, em 1996, o INSS cassou o benefício, por ter detectado erro no cálculo do tempo de serviço (Processo n. 2002.51.10.0007217, Sessão de 24.5.2006).

Acerca do tema podemos concluir que a administração, em atenção ao princípio da legalidade, tem o poder-dever de anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais (Súmulas 346 e 473 do STF). Entretanto, este poder-dever deve ser limitado no tempo sempre que se encontrar situação que, frente a peculiares circunstâncias, exija a proteção jurídica de beneficiários de boa-fé, em decorrência dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança. Neste sentido: AC n. 2002.70.00.039021-4/PR. TRF da 4a Região, 5a Turma, Relator Des. Fed. Celso Kipper. DE 30.9.2008.

31.3  PROCESSO ADMINISTRATIVO PREVIDENCIÁRIO

No âmbito de concessão das prestações previdenciárias, considera-se processo administrativo previdenciário o conjunto de atos administrativos praticados através dos Canais de Atendimento da Previdência Social, iniciado em razão de requerimento formulado pelo interessado, de ofício pela Administração ou por terceiro legitimado, e concluído com a decisão definitiva no âmbito administrativo.

O processo administrativo decorre do direito de petição, constitucionalmente assegurado a todos. De outra vertente, é necessário, em regra, para: a) a manifestação inequívoca de interesse do segurado ou dependente, em relação à prestação postulada; b) a interrupção da contagem de marcos decadenciais ou prescricionais, quando existentes; c) a deflagração de eventual litígio entre o indivíduo e a Previdência.

É importante frisar a orientação do Conselho de Recursos da Previdência Social, em seu Enunciado n. 5: “A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido”. Não há, a princípio, interesses contrapostos; o servidor do órgão público deve, por este motivo, buscar prestar seu serviço de modo a conduzir o processo administrativo sem causar óbices desnecessários.

São fases do processo administrativo previdenciário: a fase inicial, ou instauração; a instrutória; a decisória; a recursal e a de cumprimento da decisão administrativa.

O INSS determina em seu âmbito interno, por instrução normativa, a observância dos seguintes princípios nos processos administrativos:

I – presunção de boa-fé dos atos praticados pelos interessados;

II – atuação conforme a lei e o Direito;

III – atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes e competências, salvo autorização em lei;

IV – objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;

V – atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;

VI – condução do processo administrativo com a finalidade de resguardar os direitos subjetivos dos segurados, dependentes e demais interessados da Previdência Social, esclarecendo-se os requisitos necessários ao benefício ou serviço mais vantajoso;

VII – o dever de prestar ao interessado, em todas as fases do processo, os esclarecimentos necessários para o exercício dos seus direitos, tais como documentação indispensável ao requerimento administrativo, prazos para a prática de atos, abrangência e limite dos recursos, não sendo necessária, para tanto, a intermediação de terceiros;

VIII – publicidade dos atos praticados no curso do processo administrativo restrita aos interessados e seus representantes legais, resguardando-se o sigilo médico e dos dados pessoais, exceto se destinado a instruir processo judicial ou administrativo;

IX – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;

X – fundamentação das decisões administrativas, indicando os documentos e os elementos que levaram à concessão ou ao indeferimento do benefício ou serviço;

XI – identificação do servidor responsável pela prática de cada ato e a respectiva data;

XII – adoção de formas e vocabulário simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos usuários da Previdência Social, evitando-se o uso de siglas ou palavras de uso interno da Administração que dificultem o entendimento pelo interessado;

XIII – compartilhamento de informações com órgãos públicos, na forma da lei;

XIV – garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;

XV – proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as prevista em lei;

XVI – impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados; e

XVII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.

O requerimento do benefício ou serviço que gera o processo administrativo pode ser realizado:

I – pelo próprio segurado, dependente ou beneficiário;

II – por procurador legalmente constituído;

III – por representante legal, tutor, curador ou administrador provisório do interessado, quando for o caso; e

IV – pela empresa, o sindicato ou a entidade de aposentados devidamente legalizada, na forma do art. 117 da Lei nº 8.213, de 1991.

No caso de auxílio-doença, o INSS deve processar de ofício o benefício, quando tiver ciência da incapacidade do segurado, mesmo que este não o tenha requerido, conforme previsão na própria Lei n. 8.213/91.

É também facultado à empresa protocolizar requerimento de auxílio-doença ou documento dele originário de seu empregado ou contribuinte individual a ela vinculado ou a seu serviço. Procedendo dessa forma, a empresa terá acesso às decisões administrativas a ele relativas.

O requerimento ou agendamento de benefícios e serviços poderão ser solicitados pelos seguintes canais de atendimento:

1 – Internet, pelo endereço eletrônico www.previdencia.gov.br;

II – telefone, pela Central 135; e

III – Unidades de Atendimento:

a) APS;

b) APS Móvel – PREVmóvel; e

c) PREVcidade.

Qualquer que seja o canal remoto de protocolo, será considerada como DER a data do agendamento do benefício ou serviço, ou seja, o dia em que o segurado manifestou seu interesse, pessoalmente ou por outro meio (internet, telefone), e não a data do atendimento na Agência da Previdência Social. É vedada a recusa de protocolo ao requerimento – art. 176 do Dec. 3.048/99, constituindo grave violação ao direito de petição, constitucionalmente assegurado.

O INSS disponibilizou o requerimento pela Internet do auxílio-doença, do salário-maternidade em diversas hipóteses e da pensão por morte de segurado que falecer em gozo de aposentadoria, auxílio-doença, previdenciária ou acidentária, ou auxílio-reclusão. Outros requerimentos de prestações deverão ser liberados por essa via.

Outra regra que favorece o segurado, diminuindo as filas, é a que permite que o requerimento do benefício ou serviço seja apresentado em qualquer Unidade de Atendimento da Previdência Social, independentemente do local de seu domicílio, exceto APS de Atendimento a Demandas Judiciais – APSADJ e Equipes de Atendimento a Demandas Judiciais – EADJ (art. 575 da IN INSS/PRES n. 45/2010).

Lembramos que em conformidade com o art. 176 do RPS, a apresentação de documentação incompleta não constitui motivo para recusa do requerimento de benefício, ainda que, de plano, se possa constatar que o segurado não faz jus ao benefício ou serviço que pretende requerer, sendo obrigatória a protocolização de todos os pedidos administrativos, cabendo, se for o caso, a emissão de carta de exigência ao requerente.

As comunicações dos interessados para o cumprimento de exigências ou ciência de decisão é feita pelas Unidades de Atendimento da Previdência Social onde tramita o processo administrativo.

Quanto à formalização do processo administrativo previdenciário, o INSS disciplinou no art. 575 da IN INSS/PRES n. 45/2010, que realizado o requerimento dos benefícios ou serviços, conterá os seguintes documentos:

I – requerimento formalizado e assinado;

II – procuração ou documento que comprove a representação legal, se for o caso;

III – comprovante de agendamento, quando cabível;

IV – cópia do documento de identificação do requerente e do representante legal, quando houver divergência de dados cadastrais;

V – declaração de não emancipação do dependente, se for o caso;

VI – extrato das informações extraídas de outros órgãos, obtidas por meio de convênios, que contribuam para a decisão administrativa;

VII – contagem do tempo de contribuição utilizado para decisão, informação sobre salários de contribuição e resumo de benefício, vedada a inclusão no processo de simulações, sem que esta hipótese esteja devidamente ressalvada; e

VIII – informações dos membros do grupo familiar, quando se tratar de processo relacionado a benefício assistencial de prestação continuada e nos requerimentos formulados por segurado especial.

A Previdência exige para a formalização do processo a apresentação dos documentos originais ou cópias autenticadas em cartório ou por servidor do INSS, solicitando algumas vezes a apresentação do documento original para verificação de contemporaneidade ou outras situações em que entender necessária.

Sempre que documentos originais tiverem de ficar de posse do INSS, deverá ser lavrado termo de retenção, em duas vias, para resguardar o segurado de eventuais extravios, que podem ocasionar prejuízos irreparáveis ao individuo.

A reafirmação da DER é admitida se por ocasião do despacho, for verificado que o segurado não satisfazia as condições mínimas exigidas para a concessão do benefício pleiteado, mas que os completou em momento posterior ao pedido inicial, sendo dispensada nova habilitação. Essa regra aplica-se a todas as situações que resultem em um benefício mais vantajoso ao segurado, desde que haja sua manifestação escrita.

A reafirmação da DER também é admitida na via judicial com base no princípio processual previdenciário da primazia do acertamento da relação jurídica de proteção social, consoante precedente que segue:

(...) 1. A implementação das condições para a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, no que concerne ao cômputo do tempo de serviço após a entrada do requerimento administrativo, pode ser considerada como fato superveniente para a procedência do pedido, nos termos do artigo 462, do CPC. 2. O princípio processual previdenciário da primazia do acertamento da relação jurídica de proteção social sobre a estrita legalidade do ato administrativo orienta que a atividade jurisdicional destina-se primordialmente à definição da relação jurídica entre o particular e a Administração Previdenciária e, por tal razão, deve outorgar a proteção previdenciária nos termos em que a pessoa a ela faz jus, independentemente de como tenha se desenvolvido o processo administrativo correspondente. Em outras palavras, a análise judicial deve voltar-se, com prioridade, para a existência ou não do direito material reivindicado (IUJEF nº 0000474-53.2009.404.7195, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator p/ Acórdão José Antonio Savaris, D.E. 09.09.2011). (TRU da 4ª Região. IUJEF n. 0018763-52.2007.404.7050. D.E. 28.02.2012).

Também pode ocorrer a instauração do processo administrativo de ofício, por exemplo, nos processos de suspensão ou cancelamento, no qual é obrigatória a notificação prévia do interessado, para que este, antes de mais nada, possa produzir suas alegações de defesa (Lei 10.666/2003).

Sobre este assunto, convém recordar o Enunciado nº 19 do CRPS: “Transcorrido mais de dez anos da data da concessão do benefício, não poderá haver sua suspensão ou cancelamento na hipótese de o interessado não mais possuir a documentação que instruiu o pedido, exceto em caso de fraude ou má-fé”.

Para a fase de instrução dos processos são admissíveis todos os meios de prova que se destinem a esclarecer a existência do direito ao recebimento do benefício ou serviço, salvo se a lei exigir forma determinada.

Na hipótese do segurado requerer novo benefício, poderá ser utilizar a documentação de processo anterior que tenha sido indeferido, cancelado ou cessado.

Desta forma, documentos que o INSS já possui (arquivados em outro processo) não precisam ser juntados novamente pelo segurado, bastando mencionar o fato.

Devem ser objeto de intimação todos os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse (art. 28 da Lei 9.784/99).

Segundo a lei que rege o processo administrativo no âmbito federal – aplicável, portanto, junto ao INSS – o desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado (art. 27 da Lei 9.784/99).

O INSS não pode cercear o direito do interessado em produzir provas para defesa de seus direitos, ainda que o servidor esteja “convencido” do indeferimento – situação típica de justificações administrativas, quando o indivíduo não possui – segundo o entendimento do servidor – início suficiente de prova material.

De outra jaez, quando o interessado declarar que fatos a serem provados constam de documentos que se encontram em outro processo ou perante outros órgãos da Administração, cabe ao INSS requisitá-los (e não exigi-los do interessado – art. 37 da Lei 9.784/99). A mesma regra se aplica, mutatis mutandis, ao processo judicial, por força do art. 499 do CPC.

Na análise dos documentos, não se pode recusar fé a documentos públicos (CF, art. 19), de modo que certidões e outros documentos do gênero têm de ser aceitos pelo INSS como fidedignos, salvo prova robusta em contrário.

Após a conclusão da instrução do processo administrativo, a unidade de atendimento do INSS tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada. Considera-se concluída a instrução quando estiverem cumpridas todas as exigências, se for o caso, e não houver mais diligências ou provas a serem produzidas.

Na fase da decisão administrativa, o INSS deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus.

A decisão do processo administrativo deverá conter um relato sucinto do objeto do requerimento, fundamentação com análise das provas constantes nos autos, bem como conclusão deferindo ou indeferindo o pedido formulado. Prevê expressamente a IN 45/2010, que “A motivação deve ser clara e coerente, indicando quais os requisitos legais que foram ou não atendidos, podendo fundamentar-se em decisões anteriores, bem como notas técnicas e pareceres do órgão consultivo competente, os quais serão parte integrante do ato decisório.” E que “todos os requisitos legais necessários à análise do requerimento devem ser apreciados no momento da decisão, registrando-se no processo administrativo a avaliação individualizada de cada requisito legal.”

Exige-se, portanto, o respeito ao princípio da motivação dos atos administrativos (pois se trata de ato não discricionário). Não basta a autoridade “dizer” genericamente que determinado assunto não foi provado, se há provas; é necessário esclarecer o porquê de tal prova não ter sido considerada.

A apreciação dos requerimentos deve ser realizada pela autoridade administrativa competente – no caso de concessão de benefícios, cabe à autoridade regional (local) esta atribuição.

O requerente será comunicado da decisão administrativa, da qual caberá recurso ordinário às Juntas de Recursos do CRPS no prazo de trinta dias.

Nos casos de segurado empregado, após a concessão de qualquer espécie de aposentadoria, o INSS tem cientificado o respectivo empregador sobre a Data de Início do Benefício. Ressaltamos, aqui, que a aposentadoria não rompe o vínculo de emprego, conforme já decidido pelo STF nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade ns. 1.721-3 e 1.770-4 (Informativo STF – 11.10.2006 – disponível em www.stf.gov.br/noticias. Acesso em 8.1.2007).

Das decisões proferidas no julgamento do recurso ordinário, ressalvadas as matérias de alçada das Juntas de Recursos, poderão os segurados, as empresas e os órgãos do INSS, quando não conformados, interpor recurso especial às Câmaras de Julgamento, na forma do Regimento Interno do CRPS, no prazo de 30 dias (comuns s partes).

As Unidades da Previdência terão o prazo de 30 dias, contados a partir da data de recebimento do processo na origem, para cumprimento das decisões do CRPS, sob pena de responsabilização funcional do servidor que der causa ao retardamento.

As decisões do CRPS e seus órgãos fracionários têm caráter vinculante para a Administração, mas não para o interessado. O prazo máximo de duração do processo administrativo é de 360 dias a contar da data do protocolo (art. 24 da Lei 11.457/2007).

Caberá ainda ao INSS suscitar junto ao Conselho Pleno do CRPS a uniformização em tese da jurisprudência administrativa previdenciária, mediante a prévia apresentação de estudo fundamentado sobre a matéria a ser uniformizada, no qual deverá ser demonstrada a existência de relevante divergência jurisprudencial ou de jurisprudência convergente reiterada, nos termos do Regimento Interno do CRPS.

Assiste o direito às partes de interpor também o pedido de uniformização ao Conselho Pleno, quando a decisão da Câmara de Julgamento do CRPS em matéria de direito for divergente da proferida por outra unidade julgadora em sede de recurso especial.

Sobre o funcionamento e composição do Conselho de Recursos da Previdência Social, remetemos o leitor para a Parte II deste Manual.

A conclusão do processo administrativo ocorre com a decisão administrativa não mais passível de recurso, ressalvado o direito do requerente de pedir a revisão da decisão no prazo decadencial previsto no art. 103 da Lei n. 8.213/91.

A condução do processo administrativo pelas Agências da Previdência Social tem sido objeto de muitas críticas, especialmente pela cultura da denegação de direitos amplamente reconhecidos, gerando excesso de demanda judicial. Nesse sentido, o Fórum Interinstitucional Previdenciário de Santa Catarina aprovou a Deliberação que segue:

DELIBERAÇÃO 21: O Fórum delibera que seja oficiado à Superintendência do INSS no sentido de comunicar a constatação de que a principal medida de redução de demandas judiciais é a melhoria do processo administrativo em três pontos: a) esclarecimento aos segurados acerca de seus direitos previdenciários e das provas necessárias a sua obtenção; b) recebimento de todos os documentos apresentados pelo segurados, mesmo quando os servidores julguem desnecessários, dando processamento aos requerimentos de reconhecimento de tempo de contribuição e/ou concessão de benefícios; c) a fundamentação das decisões de indeferimento com a análise de todos os requisitos relacionados à prestação postulada, de modo a garantir que a constatação de um requisito indeferitório não obste a continuidade do exame dos demais.

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1     OLIVEIRA, José de. Acidentes de Trabalho: teoria, prática, jurisprudência. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1992, p. 201.

2     COIMBRA, J. R. Feijó, Direito previdenciário brasileiro. 7. ed., Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1997, p. 119.