Nas palavras da lei, período de carência é o número de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências (art. 24 da Lei n. 8.213/91). Segundo Daniel Machado da Rocha: “Neste comando legal jaz uma norma protetiva do sistema impondo um período mínimo durante o qual o obreiro, cuja qualidade de segurado foi adquirida, não poderá usufruir de determinados benefícios, a fim de se preservar o sistema de previdência social, essencialmente contributivo, daqueles que só acorrem a ele quando atingidos pelo risco social”.1
Durante o período de carência, o beneficiário ainda não tem direito à prestação previdenciária. Como se cogita de previdência, isto é, cobertura de danos futuros e incertos, e não de seguridade, que seria a atividade de amparo a qualquer manifestação de necessidade decorrente de risco social, a presença do dano no próprio momento da vinculação distorceria a finalidade do sistema e levaria a Previdência Social a tornar-se uma instituição de caráter assistencial.
O dia do início da contagem do período de carência é feito observandose as regras previstas no art. 28 do Decreto n. 3.048/99, que podem ser traduzidas da seguinte forma:
–para o segurado empregado, trabalhador avulso e contribuinte individual (este a partir de abril de 2003, quando prestar serviços à empresa, que possui a obrigação de retenção e recolhimento): o primeiro dia do mês de filiação ao RGPS, ou seja, desde o primeiro dia do mês em que iniciou a execução de atividade remunerada nesta condição, sendo presumida a contribuição;
–para o segurado empregado doméstico, contribuinte individual, (observado o disposto no § 4º do art. 26 do Decreto n. 3.048/99), especial (este enquanto contribuinte individual na forma do disposto no § 2º do art. 200 do mesmo Decreto), e facultativo, da data do efetivo recolhimento da primeira contribuição sem atraso, não sendo consideradas para esse fim as contribuições recolhidas com atraso referentes a competências anteriores, observado, quanto ao segurado facultativo, o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 11 do Decreto n. 3.048/99.
As contribuições recolhidas em atraso devem ser consideradas para efeito de carência, desde que posteriores à primeira paga sem atraso, conforme regra prevista no art. 27, II, da Lei n. 8.213/1991. A respeito dessa matéria a TNU decidiu que:
PREVIDENCIÁRIO. CARÊNCIA. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. RECOLHIMENTO COM ATRASO DAS CONTRIBUIÇÕES POSTERIORES AO PAGAMENTO DA PRIMEIRA CONTRIBUIÇÃO SEM ATRASO. ART. 27, § 2º [na verdade, inciso II], DA LEI Nº 8.213/91. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. IMPOSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DAS CONTRIBUIÇÕES RECOLHIDAS COM ATRASO RELATIVAS AO PERÍODO ENTRE A PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO E A SUA REAQUISIÇÃO PARA EFEITO DE CARÊNCIA. INCIDENTE CONHECIDO E PROVIDO (PU 2009.71.50.019216-5, DOU de 08.03.2013).
O art. 26 do Decreto n. 3.048/99, com a redação dada pelo Decreto n. 4.729/2003, estabelece regras para o cômputo da carência, verbis:
Art. 26. (...)
§ 1º Para o segurado especial, considera-se período de carência o tempo mínimo de efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, igual ao número de meses necessário à concessão do benefício requerido.
§ 2º Será considerado, para efeito de carência, o tempo de contribuição para o Plano de Seguridade Social do servidor público anterior à Lei n. 8.647, de 13 de abril de 1993, efetuado pelo servidor público ocupante de cargo em comissão sem vínculo efetivo com a União, autarquias, ainda que em regime especial, e fundações públicas federais.
§ 3º Não é computado para efeito de carência o tempo de atividade do trabalhador rural anterior à competência novembro de 1991.
§ 4º Para efeito de carência, considera-se presumido o recolhimento das contribuições do segurado empregado, do trabalhador avulso e, relativamente ao contribuinte individual, a partir da competência abril de 2003, as contribuições dele descontadas pela empresa na forma do art. 216.
§ 5º Observado o disposto no § 4º do art. 13, as contribuições vertidas para regime próprio de previdência social serão consideradas para todos os efeitos, inclusive para os de carência.
Dispôs o art. 3º da Lei n. 11.718/2008 acerca da carência para concessão de aposentadoria ao empregado rural e contribuinte individual (membro de cooperativa de trabalho, parceiro, meeiro ou arrendatário rural), modificando em parte o cômputo:
Art. 3º Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural, em valor equivalente ao salário mínimo, serão contados para efeito de carência:
I – até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991;
II – de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 3 (três), limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e
III – de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a 12 (doze) meses dentro do respectivo ano civil.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo e respectivo inciso I ao trabalhador rural enquadrado na categoria de segurado contribuinte individual que comprovar a prestação de serviço de natureza rural, em caráter eventual, a 1 (uma) ou mais empresas, sem relação de emprego.
A Lei n. 12.873, de 2013, alterou o texto do inciso I do art. 39 da Lei n. 8.213/1991 para estabelecer que, quanto ao segurado especial, considera-se computado o prazo carencial desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido.
A diferença de tratamento entre as espécies de segurados para efeitos de carência exigiu comentário de alguns dos estudiosos do tema. Feijó Coimbra, citando Russomano, chama a atenção para o contrassenso entre a obrigatoriedade de filiação dos contribuintes individuais e o reconhecimento do prazo carencial somente a partir da primeira contribuição vertida sem atraso, acarretando grave injustiça;2 é que, por esta regra, o contribuinte individual que, mesmo exercendo atividade que o enquadre como obrigatório por período superior ao da carência exigida, não esteja fazendo recolhimentos não fará jus a nenhuma prestação de que a norma exija prazo mínimo de contribuições.
O cálculo da carência é considerado a partir do primeiro dia do mês correspondente à competência a que se refere o recolhimento da contribuição. Isto é, mesmo o segurado que tenha começado a exercer atividade no dia 31 de um mês tem contabilizado, para efeitos de carência, todo o período daquele mês.3
É importante ressaltar que não é permitida a antecipação do pagamento de contribuição para efeito de recebimento de benefícios, em face do disposto no art. 89 da Lei n. 8.212/91.
Entretanto, já decidiu a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais que o recolhimento tardio das contribuições devidas à Previdência Social pelo empregador não pode militar em desfavor do empregado doméstico. O colegiado reconheceu o cumprimento da carência exigida pela Previdência para concessão de auxílio-doença a uma empregada doméstica, apesar do recolhimento tardio das contribuições feito pelo seu empregador. A autora havia requerido ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a concessão de auxílio-doença, com possibilidade de conversão desse benefício em aposentadoria por invalidez. A autarquia havia indeferido o pedido, argumentando que o seu empregador havia recolhido com atraso as contribuições previdenciárias (Informativo do STJ – 13.6.2005 – Disponível em www.stj.gov.br/noticias – Acesso em 28.12.2005).
A concessão das prestações pecuniárias do RGPS depende dos seguintes períodos de carência, de acordo com o art. 25 da Lei n. 8.213/91:
–12 contribuições mensais, nos casos de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez;
–180 contribuições mensais, nos casos de aposentadoria por idade, por tempo de serviço e especial;
–10 contribuições mensais, no caso do salário-maternidade para as seguradas contribuintes individuais, seguradas especiais e seguradas facultativas.4
O período de carência de qualquer aposentadoria, salvo a por invalidez, permanece em 180 contribuições mensais, para os segurados que ingressaram no Regime após 24.7.91. Para os segurados filiados até 24.7.91, bem como para o trabalhador e para o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural anteriormente à unificação dos regimes, a carência das aposentadorias por tempo de contribuição por idade e especial obedece, ainda, à tabela prevista no art. 142 da Lei n. 8.213/91, de acordo com o ano em que o segurado venha a implementar as condições para a obtenção do benefício.
Em relação ao trabalhador rural, a LBPS (art. 143) garantiu a aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência da Lei n. 8.213, de 24.7.1991, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício.
Esse prazo foi prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010, pela Lei n. 11.718, de 20/6/2008, dispondo que essa regra aplica-se ao trabalhador rural enquadrado na categoria de segurado contribuinte individual que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a 1 (uma) ou mais empresas, sem relação de emprego.
Essa regra não se aplica ao segurado especial que poderá continuar se aposentando com um salário mínimo, mediante a comprovação da carência por meio da atividade rural, por força do art. 39, I, da Lei n. 8.213/91. Neste sentido, a exposição de motivos da MPv nº 410, de 2007, convertida na Lei n. 11.718/2008:
13. Quanto à prorrogação do disposto no art. 143 da Lei nº 8.213, de 1991, cumpre-nos esclarecer que o mencionado artigo permitia aos segurados empregados, trabalhadores avulsos, autônomos (atualmente contribuinte individual) e especiais requererem aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência daquela Lei, mediante a comprovação do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício. Esse prazo expirou-se no dia 25 de julho de 2006.
14. É importante esclarecer que a expiração desse prazo em nada prejudicou o segurado especial, pois para ele, a partir dessa data, passou-se a aplicar a regra permanente estabelecida no inciso I do art. 39 da citada Lei, que somente exige a comprovação do exercício da atividade rural.
15. Entretanto, o mesmo tratamento não se deu em relação ao trabalhador rural empregado e ao trabalhador sem relação de emprego (contribuinte individual), porque a grande maioria deles não consegue atender a todos os requisitos legais aplicáveis aos segurados em geral, especialmente o tempo mínimo de contribuição. No que se refere ao empregado, a questão foi equacionada mediante a prorrogação daquele prazo por mais dois anos, por intermédio da Medida Provisória nº 312, de 19 de julho de 2006, convertida na Lei nº 11.368, de 9 de novembro de 2006. Entretanto, percebeu-se depois, que esta situação atingia também o trabalhador que presta serviços rurais em caráter eventual e que se enquadra na Previdência Social como segurado contribuinte individual, fato que somente se tornou claramente perceptível quando da efetiva implementação das alterações introduzidas, seja em razão da exaustão da regra de transição (art. 143), seja em decorrência da prorrogação restritiva da mencionada Lei nº 11.368, de 2006.
A exigência de 35 anos de contribuição para o segurado e de 30 anos de contribuição para a segurada não exclui a regra atualmente vigente sobre a carência, uma vez que o tempo de contribuição pode ser obtido computando-se atividades prestadas em períodos anteriores à atual filiação, como nos casos de averbação do tempo anterior à perda da qualidade de segurado, de contagem recíproca de tempo de contribuição cumprido noutros regimes, e outras aberturas legais que permitem incluir períodos em que não houve efetiva contribuição ao sistema, como nas hipóteses de fruição de benefícios de prestação continuada, substitutivos do salário de contribuição.
A Lei n. 9.876/99 estendeu o salário-maternidade às seguradas contribuinte individual e facultativa, e, para elas, estabeleceu o prazo de carência de dez meses para a concessão do benefício, que, em caso de parto antecipado, será reduzido em número de contribuições equivalente ao número de meses em que houve a antecipação.
Nem todas as prestações reclamam um período prévio de carência. Independe de carência a concessão das seguintes prestações, consoante estabelece o art. 26 da Lei n. 8.213/91:
–pensão por morte, auxílio-reclusão, salário-família e auxílio-acidente;
–auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde, do Trabalho e Emprego e da Previdência Social a cada três anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência, ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado;
–aposentadoria por idade ou por invalidez, auxílio-doença, auxílio-reclusão ou pensão por morte aos segurados especiais, desde que comprovem o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido;
–serviço social;
–reabilitação profissional;
–salário-maternidade para a segurada empregada, trabalhadora avulsa e empregada doméstica.
Entende-se como acidente de qualquer natureza o que ocorre provocando lesão corporal ou perturbação funcional, com perda ou redução da capacidade laborativa, permanente ou temporária, seja em decorrência do trabalho ou não.
De acordo com a Portaria Interministerial n. 2.998, de 23.8.2001, as doenças ou afecções abaixo indicadas excluem a exigência de carência para concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez aos segurados do RGPS: tuberculose ativa; hanseníase; alienação mental; neoplasia maligna; cegueira; paralisia irreversível e incapacitante; cardiopatia grave; doença de Parkinson; espondiloartrose anquilosante; nefropatia grave; estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante); síndrome da deficiência imunológica adquirida – Aids; contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada; e hepatopatia grave.
Para os benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, portanto, tem-se como regra geral que é exigida carência de 12 contribuições mensais, sendo importante frisar que, no caso de segurados nas categorias de empregado, doméstico, trabalhador avulso e ainda, nos casos de contribuintes individuais que prestam serviços a pessoas jurídicas, a falta de contribuição no período não pode ser considerado obstáculo ao deferimento do pedido, já que a responsabilidade pelo recolhimento da contribuição é encargo do tomador dos serviços, não podendo o trabalhador ser prejudicado pela inadimplência de outrem.
Tratando-se de auxílio-doença acidentário ou aposentadoria por invalidez acidentária (com nexo de causalidade ou concausalidade entre a enfermidade e o trabalho, ou nexo técnico epidemiológico) e mesmo em casos de benefícios não ligados a acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais, mas gerados por acidente de qualquer outra natureza ou causa, bem como por doenças especificadas como graves, contagiosas ou incuráveis, segundo lista expedida pelo MS, MTE e MPS, a carência é inexigível.
Do conjunto normativo sobre o tema conclui-se que, em grande parte dos casos de benefícios por incapacidade, não se exige prazo mínimo de filiação previdenciária para a obtenção de tais benefícios. O problema está justamente naqueles casos em que o segurado é acometido de doença incapacitante no interregno dos primeiros doze meses de atividade vinculada ao RGPS.
Tenha-se por base uma pessoa que, com seis meses de contribuição ao sistema, se veja acometida de doença de chagas, ou malária, ou febre amarela, ou dengue... nestes casos, o INSS indeferirá o benefício, por mais grave que seja o estado de saúde da pessoa, ante a falta de contribuições exigidas.
Esta é a razão pela qual se questiona a possível inconstitucionalidade da exigência estabelecida para tais benefícios. Teria o constituinte originário, ao estabelecer no art. 201 a proteção do segurado quanto aos riscos sociais doença e invalidez, autorizado o legislador a limitar o acesso às prestações pelo estabelecimento de um prazo carencial? Ou, ainda, tal prazo não estaria sendo aplicado em evidente afronta ao princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, previsto no art. 194, parágrafo único, inciso I, do Texto Constitucional?
A limitação do acesso a tais direitos deve ser decorrente de fundamentos razoáveis (princípio da razoabilidade). A nosso ver, não parece ser razoável deixar um segurado acometido de doença grave, porém não identificada desta forma pelas autoridades públicas, alijado de obter a prestação que seria devida.
Com efeito, a fixação de prazo carencial tem por base a ideia de que o sistema deve estar apto a dar atendimento aos interesses dos segurados, tanto individual quanto coletivamente. Assim, não tem sentido deixar de exigir carência em caso de aposentadorias voluntárias, cuja programação pelo segurado depende de sua vontade exclusiva. Situação muito diferente, diametralmente oposta, é a do segurado doente ou inválido: ele não optou por ficar incapaz e a ausência da proteção social pode lhe causar a total desproteção estatal, visto que, na condição de trabalhador, não lhe será possível obter renda por seu próprio esforço.
De outro lado, tem-se que a lista de doenças consideradas liberadas de carência é por demais restrita e se encontra desatualizada há décadas, razão pela qual o STJ, em julgado lapidar em que analisou a questão diante de aposentadoria postulada por servidora pública acometida de doença grave, mas rara, assim decidiu:
DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DOENÇA INCURÁVEL. ART. 186 DA LEI N. 8.112/1990. ROL EXEMPLIFICATIVO. PROVENTOS INTEGRAIS. POSSIBILIDADE.
1. Não há como considerar taxativo o rol descrito no art. 186, I, § 1º, da Lei n. 8.112/90, haja vista a impossibilidade de a norma alcançar todas as doenças consideradas pela medicina como graves, contagiosas e incuráveis, sob pena de negar o conteúdo valorativo da norma inserta no inciso I do art. 40 da Constituição Federal.
2. Excluir a possibilidade de extensão do benefício com proventos integrais a servidor que sofre de um mal de idêntica gravidade àqueles mencionados no 186, I, § 1º, da Lei n. 8.112/90, e também insuscetível de cura, mas não contemplado pelo dispositivo de regência, implica em tratamento ofensivo aos princípios insculpidos na Carta Constitucional, dentre os quais está o da isonomia.
3. À ciência médica, e somente a ela, incumbe qualificar determinado mal como incurável, contagioso ou grave, não à jurídica. Ao julgador caberá solucionar a causa atento aos fins a que se dirige a norma aplicável e amparado por prova técnica, diante de cada caso concreto.
4. A melhor exegese da norma em debate, do ponto de vista da interpretação sistemática, é a que extrai a intenção do legislador em amparar de forma mais efetiva o servidor que é aposentado em virtude de grave enfermidade, garantindo-lhe o direito à vida, à saúde e à dignidade humana.
5. Recurso especial improvido.
(STJ, 5ª Turma, REsp 942.530, Rel. Min. Jorge Mussi, julg. 02.03.2010)
Desta forma, sustenta-se incabível negar benefícios por incapacidade a segurados que não tenham cumprido o prazo carencial, (1) seja pela inconstitucionalidade da regra do art. 25, inciso I, da Lei 8.213/91, e (2) seja pela imprestabilidade da lista de doenças de que trata o art. 26, inciso II, da mesma Lei.
A Lei n. 8.213/91, ao aumentar o prazo de carência de 60 para 180 meses para as aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial, criou uma tabela progressiva para a exigência desse novo lapso temporal. Para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, data da entrada em vigor dessa Lei, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial, obedece à tabela do art. 142 da Lei n. 8.213/91, reproduzida nos anexos desta obra, levando-se em conta o ano em que o segurado implementar todas as condições necessárias à obtenção do benefício. Por exemplo, para o segurado que tenha implementado as condições no ano de 1999, a contribuição exigida era de 108 meses; no ano 2000, 114 meses. E assim sucessivamente.
Havendo perda da qualidade de segurado, as contribuições anteriores a essa data só serão computadas para efeito de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no mínimo, um terço do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido, aplicando-se a mesma regra ao filiado a outro regime de previdência social que venha a se filiar ao RGPS após os prazos do chamado “período de graça”. Tal disposição, presente desde a edição original da Lei n. 8.213/91, não foi revogada porque a Medida Provisória n. 242/2005 não chegou a ser apreciada a tempo pelo Congresso Nacional.
Para o segurado em categorias diferenciadas de empregado e contribuinte individual, desde que não tenha perdido essa qualidade e desde que comprovado recolhimento de contribuições em todo o período, é contado para efeito de carência todo o período de atividade desde a filiação como empregado, mesmo que, quando na categoria de contribuinte individual, tenha efetuado recolhimentos em atraso.
Questionamento importante é se o período em gozo de beneficio por incapacidade pode ser computado para efeito de carência.
O INSS adota o entendimento de que o período em gozo de benefício por incapacidade não é computado para efeito de carência, mesmo quando intercalado. Para a Previdência o tempo de recebimento de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, quando intercalado com períodos de atividade é considerado somente para fins de cômputo do tempo de contribuição (art. 55, II da Lei n. 8.213/91 e art. 60, III do Decreto n. 3.048/99).
Temos entendimento em sentido oposto, pois estando a renda mensal dos benefícios por incapacidade legalmente equiparada ao salário de contribuição (art. 29, § 5º. c/c art. 55, inciso II, da Lei n. 8.213/91), um dos reflexos disto é o computo do período de fruição do beneficio como período de carência.
A orientação fixada pela TNU é de que não existe óbice legal para o cômputo dos períodos em gozo de benefício por incapacidade para fins de carência, desde que intercalados com períodos de contribuição. Nesse sentido foi editada a Súmula n. 73: “O tempo de gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez não decorrentes de acidente de trabalho só pode ser computado como tempo de contribuição ou para fins de carência quando intercalado entre períodos nos quais houve recolhimento de contribuições para a previdência social”. No mesmo sentido a orientação do STJ: REsp 1.334.467-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 05.06.2013.
Quando os benefícios forem decorrentes de acidente de trabalho, cabe o cômputo para efeito de tempo de contribuição e de carência, mesmo quando não intercalado com períodos de atividade, conforme normatização contida no art. 60, IX, do Decreto n. 3.048/1999:
Art. 60. Até que lei específica discipline a matéria, são contados como tempo de contribuição, entre outros: (...)
IX – o período em que o segurado esteve recebendo benefício por incapacidade por acidente do trabalho, intercalado ou não.
Sobre o tema, o STJ deu interpretação ainda mais ampla ao admitir o período de gozo de auxílio-acidente para fins de carência. Segue a ementa dessa decisão:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. CÔMPUTO DO PERÍODO DE RECEBIMENTO APENAS DE AUXÍLIO-ACIDENTE PARA A CARÊNCIA NECESSÁRIA À CONCESSÃO DA APOSENTADORIA POR IDADE. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
1. O auxílio-acidente – e não apenas o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez – pode ser considerado como espécie de “benefício por incapacidade”, apto a compor a carência necessária à concessão da aposentadoria por idade.
2. In casu, é de ser observada a vetusta regra de hermenêutica, segundo a qual “onde a lei não restringe, não cabe ao intérprete restringir” e, portanto, não havendo, nas normas que regem a matéria, a restrição imposta pelo Tribunal a quo, não subsiste o óbice imposto ao direito à pensão por morte.
3. Recurso especial conhecido e provido
(REsp 1.243.760/PR, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 09.04.2013).
Vale lembrar que o Plenário do STF decidiu que o art. 29, § 5º, da Lei n. 8.213/1991 apenas é aplicável nos casos em que o benefício por incapacidade tenha sido, dentro do período básico de cálculo de futuro be-nefício, auferido de forma intercalada com períodos de atividade normal, de maneira que o segurado não esteja no gozo de benefício por incapacidade no interregno imediatamente anterior à concessão do novo benefício (RE 593.834, Plenário, Rel. Min. Ayres Britto, DJE de 14.02.2012). No entanto, esse julgamento do STF não impede o cômputo para fins de carência dos períodos de gozo de benefício por incapacidade, quando intercalados. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. TRANSFORMAÇÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ EM APOSENTADORIA POR IDADE. CARÊNCIA. CÔMPUTO DE TEMPO DE GOZO DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE NÃO INTERCALADO.
1. O art. 29, § 5º, da Lei nº 8.213/91 apenas é aplicável nos casos em que o benefício por incapacidade tenha sido, dentro do período básico de cálculo de futuro benefício, auferido de forma intercalada com períodos de atividade normal, de maneira que o segurado não esteja no gozo de benefício por incapacidade no interregno imediatamente anterior à concessão do novo benefício. Em consonância com essa exegese, o art. 55, II, da Lei nº 8.213/91 considera o tempo de gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez como tempo de serviço apenas quando intercalado.
2. Somente quando o benefício por incapacidade decorre de acidente do trabalho é que sua contagem como tempo de contribuição pode ser admitida sem intercalação com períodos de atividade.
3. Reiterada a uniformização do entendimento de que o tempo de gozo de benefício por incapacidade não acidentário só pode ser computado para fins de tempo de contribuição e de carência quando intercalado entre períodos de atividade laboral.
(TNU, PU 2009.72.57.000614-2, Rel. Juiz Federal Rogério Moreira Alves, DOU de 01.03.2013).
_______
1 THIESEN, Ana Maria Wickert et alii. Vladimir Passos de Freitas (Coord.). Direito previdenciário: aspectos materiais, processuais e penais. 2. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 64.
2 COIMBRA, J. R. Feijó. Op. cit., p. 147.
3 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários à Lei Básica da Previdência Social. 4. ed., São Paulo: LTr, 1997, t. II, p. 160.
4 Prazo de carência criado pela Lei n. 9.876, de 26.11.99, que deu nova redação ao art. 25 da Lei n. 8.213/91. O art. 93, § 2º, do Decreto n. 3.048/99 também prevê que: “Será devido o salário-maternidade à segurada especial, desde que comprove o exercício de atividade rural nos últimos dez meses imediatamente anteriores à data do parto ou do requerimento do benefício, quando requerido antes do parto, mesmo que de forma descontínua, aplicando-se, quando for o caso, o disposto no parágrafo único do art. 29. (Redação dada pelo Decreto nº 5.545, de 2005)”.