A formação de um sistema de proteção social no Brasil, a exemplo do que se verificou na Europa, se deu por um lento processo de reconhecimento da necessidade de que o Estado intervenha para suprir deficiências da liberdade absoluta1 – postulado fundamental do liberalismo clássico – partindo do assistencialismo para o Seguro Social, e deste para a formação da Seguridade Social.
É relevante acentuar, para uma análise de tal processo, alguns aspectos da sociedade brasileira descritos por Rocha, contextualizando o Estado patrimonialista herdado, por assim dizer, da cultura ibérica, no período que antecede a primeira Constituição brasileira:
O desenvolvimento do Brasil, como o da América Latina em geral, não foi caracterizado pela transição do feudalismo para o capitalismo moderno, com um mínimo de intervenção estatal. A relação entre o Estado brasileiro e a sociedade civil sempre foi uma relação peculiar, pois as condições nas quais aquele foi concebido – tais como partidos políticos regionais e oligárquicos, clientelismo rural, ausência de camadas médias organizadas politicamente, inviabilizando a institucionalização de formas de participação política e social da sociedade civil – determinaram o nascimento do Estado antes da sociedade civil. Por conseguinte, a questão social, tão antiga quanto a história nacional do Brasil como nação independente, resultará complexa. Enquanto a primeira revolução industrial estava na sua fase de maturação na Inglaterra (1820 a 1830), o Brasil acabara de promover a sua independência, deixando de ser colônia, mas permanecendo com uma economia arcaica baseada no latifúndio e no trabalho escravo. Por isto, antes de ingressar na era industrial, nosso País já apresentava contornos sociais marcados por desigualdades, em especial, uma distribuição de renda profundamente desigual.2
O Brasil só veio a conhecer verdadeiras regras de caráter geral em matéria de previdência social no século XX. Antes disso, apesar de haver previsão constitucional a respeito da matéria, apenas em diplomas isolados aparece alguma forma de proteção a infortúnios. A Constituição de 1824 – art. 179, XXXI – mencionava a garantia dos socorros públicos, em norma meramente programática; o Código Comercial, de 1850, em seu art. 79, garantia por três meses a percepção de salários do preposto acidentado, sendo que desde 1835 já existia o Montepio Geral da Economia dos Servidores do Estado (MONGERAL) – primeira entidade de previdência privada no Brasil.
À semelhança do que se observa no âmbito mundial, as primeiras formas de proteção social dos indivíduos no Brasil tinham caráter eminentemente beneficente e assistencial. Assim, ainda no período colonial, tem-se a criação das Santas Casas de Misericórdia, sendo a mais antiga aquela fundada no Porto de São Vicente, depois Vila de Santos (1543),3 seguindo-se as Irmandades de Ordens Terceiras (mutualidades) e, no ano de 1795, estabeleceu-se o Plano de Beneficência dos Órfãos e Viúvas dos Oficiais da Marinha.4 No período marcado pelo regime monárquico, pois, houve iniciativas de natureza protecionista.
Segundo pesquisas feitas por Antonio Carlos de Oliveira, “o primeiro texto em matéria de previdência social no Brasil foi expedido em 1821, pelo ainda Príncipe Regente, Dom Pedro de Alcântara. Trata-se de um Decreto de 1º de outubro daquele ano, concedendo aposentadoria aos mestres e professores, após 30 anos de serviço, e assegurado um abono de 1/4 (um quarto) dos ganhos aos que continuassem em atividade”.5 Em 1888, o Decreto n. 9.912-A, de 26 de março, dispôs sobre a concessão de aposentadoria aos empregados dos Correios, fixando em trinta anos de serviço e idade mínima de 60 anos os requisitos para tal. Em 1890, o Decreto n. 221, de 26 de fevereiro, instituiu a aposentadoria para os empregados da Estrada de Ferro Central do Brasil, posteriormente estendida aos demais ferroviários do Estado pelo Decreto n. 565, de 12 de julho do mesmo ano.
A Constituição de 1891, art. 75, previu a aposentadoria por invalidez aos servidores públicos.
Em 1892, a Lei n. 217, de 29 de novembro, instituiu a aposentadoria por invalidez e a pensão por morte dos operários do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro.
O peculiar em relação a tais aposentadorias é que não se poderia considerá-las como verdadeiramente pertencentes a um regime previdenciário contributivo, já que os beneficiários não contribuíam durante o período de atividade. Vale dizer, as aposentadorias eram concedidas de forma graciosa pelo Estado. Assim, até então, não falava em previdência social no Brasil.
A primeira lei sobre proteção do trabalhador contra acidentes do trabalho surgiu em 1919; antes, o trabalhador acidentado tinha apenas como norma a lhe proteger o art. 159 do antigo Código Civil, vigente a partir de 1917, e antes disso, as normas das Ordenações Filipinas.
Em termos de legislação nacional, a doutrina majoritária considera como marco inicial da Previdência Social a publicação do Decreto Legislativo n. 4.682, de 24.1.23, mais conhecido como Lei Eloy Chaves, que criou as Caixas de Aposentadoria e Pensões nas empresas de estradas de ferro existentes, mediante contribuições dos trabalhadores, das empresas do ramo e do Estado, assegurando aposentadoria aos trabalhadores e pensão a seus dependentes em caso de morte do segurado, além de assistência médica e diminuição do custo de medicamentos. Entretanto, o regime das “caixas” era ainda pouco abrangente, e, como era estabelecido por empresa, o número de contribuintes foi, às vezes, insuficiente.6
Saliente-se, contudo, que antes mesmo da Lei Eloy Chaves, já existia o Decreto n. 9.284, de 30.12.11, que instituiu a Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Operários da Casa da Moeda, abrangendo, portanto, os então funcionários públicos daquele órgão.
A Lei Eloy Chaves criou, de fato, a trabalhadores vinculados a empresas privadas, entidades que se aproximam das hoje conhecidas entidades fechadas de previdência complementar, ou fundos de pensão, já que se constituíam por empresas, embora, como relata Stephanes,
muitas vezes não se atingia o número necessário de segurados para o estabelecimento de bases securitárias – ou seja, um número mínimo de filiados com capacidade contributiva para garantir o pagamento dos benefícios a longo prazo. Mesmo assim, Eloy Chaves acolheu em sua proposta dois princípios universais dos sistemas previdenciários: o caráter contributivo e o limite de idade, embora vinculado a um tempo de serviço.7
De regra, o modelo contemplado na Lei Eloy Chaves se assemelha ao modelo alemão de 1883, em que se identificam três características fundamentais: (a) a obrigatoriedade de participação dos trabalhadores no sistema, sem a qual não seria atingido o fim para o qual foi criado, pois mantida a facultatividade, seria mera alternativa ao seguro privado; (b) a contribuição para o sistema, devida pelo trabalhador, bem como pelo empregador, ficando o Estado como responsável pela regulamentação e supervisão do sistema; e (c) por fim, um rol de prestações definidas em lei, tendentes a proteger o trabalhador em situações de incapacidade temporária, ou em caso de morte do mesmo, assegurando-lhe a subsistência.8
Em seguida ao surgimento da Lei Eloy Chaves, criaram-se outras Caixas em empresas de diversos ramos da atividade econômica. Todavia, a primeira crise do sistema previdenciário ocorreria em 1930. Em face de inúmeras fraudes e denúncias de corrupção, o governo de Getúlio Vargas suspendeu, por seis meses, a concessão de qualquer aposentadoria. A partir de então, passou a estrutura, pouco a pouco, a ser reunida por categoria profissional, surgindo os IAP – Institutos de Aposentadoria e Pensões (dos Marítimos, dos Comerciários, dos Bancários, dos Empregados em Transportes de Carga).9
A primeira instituição brasileira de previdência social de âmbito nacional, com base na atividade econômica, foi o IAPM – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, criada em 1933, pelo Decreto n. 22.872, de 29 de junho daquele ano. Seguiram-se o IAPC – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários – e o IAPB – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários, em 1934; o IAPI – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários, em 1936; o IPASE – Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado, e o IAPETC – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas, estes em 1938.
A Constituição de 1934 foi a primeira a estabelecer, em texto constitucional, a forma tripartite de custeio: contribuição dos trabalhadores, dos empregadores e do Poder Público (art. 121, § 1º, h). A Constituição de 1937 não trouxe evoluções nesse sentido, apenas tendo por particularidade a utilização da expressão “seguro social”.
Também foi regulamentada a aposentadoria dos funcionários públicos (1939). As normas indicam uma tendência existente desde o Império, segundo a qual a extensão de benefícios, no Brasil, parte sempre de uma categoria para a coletividade, e inicia-se no serviço público para depois se estender aos trabalhadores da iniciativa privada.10
Em matéria de assistência social, foi criada a Legião Brasileira de Assistência – LBA, em 1942 (Decreto-lei n. 4.890/42).
No ano de 1945, o Decreto-lei n. 7.526 tencionava o estabelecimento de um verdadeiro sistema de Previdência Social, com a tentativa de uniformização das normas a respeito dos benefícios e serviços devidos por cada instituto de classe, tendo nítida influência das diretrizes dos Relatórios de Beveridge.11 Contudo, tal diploma não chegou a ser eficaz, por ausência de regulamentação – que deveria ter normatizado a organização e funcionamento do que seria o Instituto dos Serviços Sociais do Brasil, instituição que nunca chegou a existir.12
A Constituição de 1946 previa normas sobre previdência no capítulo que versava sobre Direitos Sociais, obrigando, a partir de então, o empregador a manter seguro de acidentes de trabalho. Foi a primeira tentativa de sistematização constitucional de normas de âmbito social, elencadas no art. 157 do texto. A expressão “previdência social” foi empregada pela primeira vez numa Constituição brasileira.
Em 1949, o Poder Executivo editou o Regulamento Geral das Caixas de Aposentadorias e Pensões (Decreto n. 26.778, de 14.6.49), padronizando a concessão de benefícios, já que, até então, cada Caixa tinha suas regras próprias. Quatro anos depois estabelecia-se a fusão de todas as Caixas remanescentes, por meio do Decreto n. 34.586, de 12.11.53, surgindo a Caixa Nacional, transformada em Instituto pela Lei Orgânica da Previdência Social, de 1960.
Paralelamente aos regramentos de Previdência dos trabalhadores da iniciativa privada, o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União – Lei n. 1.711/52, regulava, em separado, o direito à aposentadoria dos ocupantes de cargos públicos federais, e o instituto da pensão por morte a seus dependentes,13 diploma que se manteve vigente até 1990.
Também em 1953 o profissional liberal de qualquer espécie foi autorizado, pelo Decreto n. 32.667, a se inscrever na condição de segurado na categoria de trabalhador autônomo.
Em 1960 foi criado o Ministério do Trabalho e Previdência Social e promulgada a Lei n. 3.807, Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, cujo projeto tramitou desde 1947. Este diploma não unificou os organismos existentes, mas criou normas uniformes para o amparo a segurados e dependentes dos vários Institutos existentes, tendo sido efetivamente colocado em prática. Como esclarece Antonio Carlos de Oliveira, por meio da LOPS estabeleceu-se um único plano de benefícios, “amplo e avançado, e findou-se a desigualdade de tratamento entre os segurados das entidades previdenciárias e seus dependentes”.14 Continuavam excluídos da Previdência, contudo, os rurais e os domésticos.
Em 1963, a Lei n. 4.296, de 3 de outubro, criou o salário-família, destinado aos segurados que tivessem filhos menores, visando à manutenção destes. No mesmo ano foi criado o décimo terceiro salário e, no campo previdenciário, pela Lei n. 4.281, de 8 de novembro daquele ano, o abono anual, até hoje existente.
Em 1965, pela Emenda Constitucional n. 11, foi estabelecido o princípio da precedência da fonte de custeio em relação à criação ou majoração de benefícios.
Apenas em 1º de janeiro de 1967 foram unificados os IAP, com o surgimento do Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, criado pelo Decreto-lei n. 72, de 21.11.66, providência de há muito reclamada pelos estudiosos da matéria, em vista dos problemas de déficit em vários dos institutos classistas.
A unificação da então chamada Previdência Social Urbana, no entanto, não tinha por função apenas a unidade das regras de proteção. Como relata Borges, “a previdência brasileira, sob o argumento de controle e da segurança nacional, começou a perder seu rumo, pois todos os recursos dos institutos unificados foram carreados para o Tesouro Nacional, confundindo-se com o orçamento governamental”.15
A Constituição de 1967 estabeleceu a criação do seguro-desemprego, que até então não existia, regulamentado com o nome de auxílio-desemprego. A Emenda Constitucional n. 1/69 não inovou na matéria previdenciária.
Ainda em 1967, o SAT – Seguro de Acidentes de Trabalho foi incorporado à Previdência Social pela Lei n. 5.316, de 14 de setembro, embora sua disciplina legal não estivesse incluída no mesmo diploma que os demais benefícios. Assim, o SAT deixava de ser realizado com instituições privadas para ser feito exclusivamente por meio de contribuições vertidas ao caixa único do regime geral previdenciário.
Os trabalhadores rurais passaram a ser segurados da Previdência Social a partir da edição da Lei Complementar n. 11/71 (criação do FUNRURAL). Os empregados domésticos, em função da Lei n. 5.859/72, art. 4º. Assim, a Previdência Social brasileira passou a abranger dois imensos contingentes de indivíduos que, embora exercessem atividade laboral, ficavam à margem do sistema.
A última lei específica sobre acidentes de trabalho foi a Lei n. 6.367, de 1976. Nesse ano, foi feita nova compilação das normas previdenciárias estatuídas em diplomas avulsos, pelo Decreto n. 77.077/76.
Em 1977 foi promulgada a Lei n. 6.435, que regulou a possibilidade de criação de instituições de previdência complementar, matéria regulamentada pelos Decretos ns. 81.240/78 e 81.402/78, quanto às entidades de caráter fechado e aberto, respectivamente.
No mesmo ano, a Lei n. 6.439/77 trouxe novas transformações ao modelo previdenciário, desta vez quanto a seu aspecto organizacional. Criou-se o SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social, que teria as atribuições distribuídas entre várias autarquias. Foram criados o IAPAS – Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (para arrecadação e fiscalização das contribuições) e o INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (para atendimentos dos segurados e dependentes, na área de saúde), mantendo-se o INPS (para pagamento e manutenção dos benefícios previdenciários), a LBA (para o atendimento a idosos e gestantes carentes), a FUNABEM (para atendimento a menores carentes), a CEME (para a fabricação de medicamentos a baixo custo) e a DATAPREV (para o controle dos dados do sistema), todos fazendo parte do SINPAS. Até então, mantinha-se à margem do sistema o IPASE, extinto juntamente com o FUNRURAL.
A extinção do IPASE, contudo, não significou a uniformização da proteção previdenciária entre trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos; estes permaneceram regidos por normas específicas, na Lei n. 1.711/52 – o Estatuto dos Servidores Civis da União.
Antonio Carlos de Oliveira, comentando o assunto, demonstra a natureza da alteração ocorrida:
A Lei n. 6.439, que instituiu o SINPAS, alterou, portanto, apenas estruturalmente a previdência social brasileira, racionalizando e simplificando o funcionamento dos órgãos. Promoveu uma reorganização administrativa, sem modificar nada no que tange a direitos e obrigações, natureza e conteúdo, condições das prestações, valor das contribuições, etc., como ficara bem claro na Exposição de Motivos com que o então Ministro da Previdência, Nascimento e Silva, encaminhara o anteprojeto.16
Observa-se, ainda, em relação à criação do SINPAS, certa confusão entre os conceitos de previdência social, assistência social e saúde pública. Como bem salienta Celso Barroso Leite, houve uma ampliação do sentido de previdência social para abarcar também a assistência social, entendendo-se àquela época previdência social como sendo a soma das ações no campo do seguro social e das iniciativas assistenciais.17
A Emenda Constitucional n. 18, de junho de 1981, dispôs sobre o direito à aposentadoria com proventos integrais dos docentes, contando exclusivamente tempo de efetivo exercício em funções de magistério, após trinta anos de serviço – para os professores – e vinte e cinco anos de serviço, para as professoras.
Em 1984, a última Consolidação das Leis da Previdência Social – CLPS reuniu toda a matéria de custeio e prestações previdenciárias, mais as decorrentes de acidentes do trabalho.
O benefício do seguro-desemprego, previsto no art. 165, XVI, da Constituição então vigente, foi criado pelo Decreto-lei n. 2.284/86, para os casos de desemprego involuntário, garantindo um abono temporário.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu o sistema de Seguridade Social, como objetivo a ser alcançado pelo Estado brasileiro, atuando simultaneamente nas áreas da saúde, assistência social e previdência social, de modo que as contribuições sociais passaram a custear as ações do Estado nestas três áreas, e não mais somente no campo da Previdência Social. Porém, antes mesmo da promulgação da Constituição, já havia disposição legal que determinava a transferência de recursos da Previdência Social para o então Sistema Único Descentralizado de Saúde – SUDS, hoje Sistema Único de Saúde – SUS.
O Regime Geral de Previdência Social – RGPS, nos termos da Constituição atual (art. 201), não abriga a totalidade da população economicamente ativa, mas somente aqueles que, mediante contribuição e nos termos da lei, fizerem jus aos benefícios, não sendo abrangidos por outros regimes específicos de seguro social.
Ficam excluídos do chamado Regime Geral de Previdência: os servidores públicos civis, regidos por sistema próprio de previdência; os militares; os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público; e os membros do Tribunal de Contas da União, todos por possuírem regime previdenciário próprio; e os que não contribuem para nenhum regime, por não estarem exercendo qualquer atividade. Por isso, em sua redação original, o art. 201 da Carta Magna aludia a “planos de previdência”, apontando na direção da existência de mais um regime previdenciário. Também neste sentido, a atual redação dos artigos 40, 73, § 3º, 93, VI, 129, § 4º, e 149, § 1º.
Garante-se que o benefício substitutivo do salário ou rendimento do trabalho não será inferior ao valor do salário mínimo (art. 201, § 2º). Os benefícios deverão, ainda, ser periodicamente reajustados, a fim de que seja preservado seu valor real, em caráter permanente, conforme critérios definidos na lei.
Pelas ações na área de saúde, destinadas a oferecer uma política social com a finalidade de reduzir riscos de doenças e outros agravos, é responsável o SUS (art. 198 da Constituição), de caráter descentralizado. O direito à saúde, que deve ser entendido como direito à assistência e tratamento gratuitos no campo da Medicina, é assegurado a toda a população, independentemente de contribuição social, para que se preste o devido atendimento, tendo atribuições no âmbito da repressão e prevenção de doenças, produção de medicamentos e outros insumos básicos, bem como ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde, participar da política e execução das ações de saneamento básico, incrementar o desenvolvimento científico e tecnológico, exercer a vigilância sanitária e as políticas de saúde pública, além de auxiliar na proteção do meio ambiente (art. 200 da CF). Em termos de regramentos legais, ressalte-se a edição da Lei n. 8.689/93, que extinguiu o INAMPS – autarquia federal, absorvida sua competência funcional pelo SUS (sem personalidade jurídica própria), este gerido pelo Conselho Nacional de Saúde, na órbita federal, e pelos colegiados criados junto às Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, nas instâncias correspondentes.
O Fundo Nacional de Saúde, que reúne os recursos de custeio das ações e serviços no campo da Saúde, recebeu fonte de custeio adicional, com o surgimento da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) – regulamentada pela Lei 9.311, de 24.10.1996, cuja arrecadação revertia, em parte, para o referido Fundo. Esta fonte de custeio, todavia, deixou de existir em 1.12.2008, ante a rejeição, pelo Senado Federal, da proposta de emenda constitucional que ampliava sua cobrança para além da referida data. Cumpre ressaltar, ainda, que a Constituição prevê a prestação de serviços de saúde pela iniciativa privada, sem restrições (art. 199), podendo participar do SUS, de forma complementar, mediante contrato de direito público ou convênio (§ 1º), vedada a destinação de recursos públicos para auxílio ou subvenção de instituições privadas com fins lucrativos (§ 2º).
No âmbito da Assistência Social, são assegurados, independentemente de contribuição à Seguridade Social, a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e aos adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação profissional das pessoas portadoras de deficiência; e a renda mensal vitalícia – de um salário mínimo – à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de subsistência, por si ou por sua família (art. 203). É prestada por entidades e organizações sem fins lucrativos, no atendimento e assessoramento aos beneficiários da Seguridade Social, bem como pelos que atuam na defesa e garantia de seus direitos, segundo as normas fixadas pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS. No âmbito federal, foram extintas a LBA e a CBIA (antiga FUNABEM), em 1995 (Medida Provisória n. 813, de 1.1.95, convertida na Lei n. 9.649/98), ficando responsável pela política de Assistência Social o CNAS. A execução das ações na área da Assistência Social fica a encargo dos poderes públicos estaduais e municipais, entidades beneficentes e de assistência social (CF, art. 204, I).
A habilitação e a reabilitação profissionais decorrentes da atividade laborativa são encargos da Previdência, ficando a cargo das entidades de assistência social a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência congênita, ou não decorrente do trabalho (ex.: APAE, ABBR).
Neste ponto, é de se frisar que a Assembleia Nacional Constituinte, ao dispor sobre a matéria em 1988, assegurou direitos até então não previstos, como por exemplo, a equiparação dos Direitos Sociais dos trabalhadores rurais com os dos trabalhadores urbanos, nivelando-os pelos últimos; a ampliação do período de licença-maternidade para 120 dias, com consequente acréscimo de despesas no pagamento dos salários-maternidade, e a adoção do regime jurídico único para os servidores públicos da Administração Direta, autarquias e fundações públicas das esferas federal, estadual e municipal, unificando também, por conseguinte, todos os servidores em termos de direito à aposentadoria, com proventos integrais, diferenciada do restante dos trabalhadores (vinculados ao Regime Geral), que tinham sua aposentadoria calculada pela média dos últimos 36 meses de remuneração.
Em 1990 foi criado o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, autarquia que passou a substituir o INPS e o IAPAS nas funções de arrecadação, bem como nas de pagamento de benefícios e prestação de serviços, aos segurados e dependentes do RGPS. As atribuições no campo da arrecadação, fiscalização, cobrança de contribuições e aplicação de penalidades, bem como a regulamentação da matéria ligada ao custeio da Seguridade Social foram transferidas, em 2007, para a Secretaria da Receita Federal do Brasil – Lei n. 11.457/2007.
Em 1991 foram publicadas as Leis ns. 8.212 e 8.213, que tratam respectivamente do custeio da Seguridade Social e dos benefícios e serviços da Previdência, incluindo os benefícios por acidentes de trabalho, leis que até hoje vigoram, mesmo com as alterações ocorridas em diversos artigos.
Houve, no período posterior à Constituição de 1988, significativo aumento do montante anual de valores despendidos com a Seguridade Social, seja pelo número de benefícios previdenciários18 e assistenciais19 concedidos, seja pela diminuição da relação entre número de contribuintes e número de beneficiários, em função do “envelhecimento médio” da população e diante das previsões atuariais de que, num futuro próximo, a tendência seria de insolvência do sistema pelo esgotamento da capacidade contributiva da sociedade.20
Todavia, o fator mais frisado dentre todos para fundamentar o processo de modificação das políticas sociais é aquele relacionado ao endividamento dos países periféricos, como o Brasil, e sua relação com reformas “estruturais”21 ou “incrementais”,22 apregoadas por organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional – FMI e o Banco Mundial:
O elevado grau de endividamento externo (...) frequentemente induziu os governos a enfatizar o compromisso com reformas pró-mercado. O anúncio da privatização da previdência fazia parte de uma estratégia da sinalização, uma vez que em meados da década de 1990 as agências de classificação de risco incluíam a reforma previdenciária como ponto positivo em sua avaliação do país. Além disso, o endividamento em níveis críticos aumentava a probabilidade de as instituições financeiras internacionais envolverem-se na arena de reformas.
Na década de 1980, o FMI e o Banco Mundial começaram a condicionar seus empréstimos para ajustes estruturais à reforma da previdência (como na Costa Rica e no Uruguai), tornando-se atores externos poderosos em vários países endividados da América Latina. Após a publicação do relatório de 1994,23 a campanha do Banco Mundial em favor da privatização da previdência intensificou-se.24
Entre os anos de 1993 e 1997, vários pontos da legislação de Seguridade Social foram alterados, sendo relevantes os seguintes: a criação da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Lei n. 8.742, de 7.12.93), com a transferência dos benefícios de renda mensal vitalícia, auxílio-natalidade e auxílio-funeral para este vértice da Seguridade Social; o fim do abono de permanência em serviço e do pecúlio; a adoção de critérios mais rígidos para aposentadorias especiais, e o fim de várias delas, como a do juiz classista da Justiça do Trabalho e a do jornalista (Lei n. 9.528/97).
No ano de 1995, o então Chefe do Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional visando alterar várias normas a respeito do Regime Geral de Previdência Social e da Previdência Social dos servidores públicos.
A Emenda n. 20, que modificou substancialmente a Previdência Social no Brasil, foi promulgada no dia 15.12.98, no encerramento do ano legislativo, após três anos e nove meses de tramitação no Congresso Nacional. A votação da Emenda foi acelerada nos últimos meses da legislatura, por conta da crise econômica alardeada em meados de outubro, o que exigiu do Legislativo providências imediatas no sentido da aprovação de medidas capazes de conter o déficit público. Com isso, lamentavelmente, o debate acerca das questões envolvidas na reforma deixou de ser feito sob os pontos de vista estritamente jurídico e social, e passou a ser capitaneado pelo enfoque econômico, atuarial e dos resultados financeiros esperados com a aprovação do texto.
A proposta original da Emenda, de iniciativa do Presidente da República, sofreu diversas alterações. Três pontos básicos da reforma foram derrubados pelos deputados: a cobrança de contribuição previdenciária dos servidores públicos inativos, a idade mínima para a aposentadoria dos trabalhadores da iniciativa privada e o fim da aposentadoria integral dos servidores públicos, com a criação de um “redutor” para aposentadorias de maior valor.
A Reforma realizada em 1998 pretendeu modificar a concepção do sistema, pois, conforme o texto, as aposentadorias passaram a ser concedidas tendo por base o tempo de contribuição, e não mais o tempo de serviço, tanto no âmbito do Regime Geral de Previdência Social, tanto – e principalmente – no âmbito dos Regimes de Servidores Públicos, aos que ingressaram em tais regimes após a publicação da Emenda, ou aos que optaram pelas regras da mesma, já sendo segurados anteriormente.
Todavia, a fixação desta nomenclatura dificilmente criará diferenças visíveis, em curto prazo, na concessão de benefícios. Explica-se: aqueles que obtiveram contagem de tempo de serviço para fins de aposentadoria sem contribuição correspondente têm direito adquirido à contagem; o tempo de serviço considerado pela legislação vigente, para fins de aposentadoria, cumprido até que lei venha a disciplinar a matéria, será contado como tempo de contribuição (art. 4º da Emenda n. 20). E, conforme seja o teor da lei regulamentadora, períodos de afastamento por motivo de doença ou acidente de qualquer natureza continuarão certamente a ser considerados como tempo a ser computado para fins previdenciários.
A alteração proposta só terá eficácia se vier a ser adotado, futuramente, pela Previdência Social, o regime de capitalização, com contas individualizadas, ou se o próprio segurado for responsabilizado pelas contribuições – atualmente, a maioria dos segurados, que pertencem às categorias de empregados e trabalhadores avulsos, não possui tal responsabilidade tributária, que fica a encargo do empregador ou do órgão que intermedeia o trabalho, no caso dos avulsos. Porém, convém salientar que, com os altos índices de sonegação e de informalidade nas relações de trabalho, o único penalizado com a adoção deste mecanismo seria o segurado.
Manteve-se a possibilidade de adoção, por lei complementar, de aposentadorias especiais, concedidas com menor tempo de contribuição que as demais, desde que tenham por fundamento a exposição a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física.
Outro aspecto importante, é que, a partir de 16.12.1998, a idade mínima para o ingresso na condição de trabalhador – e, por conseguinte, de segurado da previdência – passou a ser de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos. Aos menores de 16 anos já filiados ao RGPS até essa data, segundo linha de interpretação constante do Decreto n. 3.048/99, são assegurados todos os direitos previdenciários.
O mesmo entendimento se verifica quanto a pessoas que começaram a trabalhar aos 12 anos de idade, quando a ordem jurídica assim autorizava (antes da Constituição de 1988 e mesmo após a promulgação desta, quando na condição de aprendiz, até a publicação da Emenda Constitucional n. 20), pois não poderia a lei atual desconsiderar tempo de trabalho prestado conforme as normas vigentes.
O tempo de contribuição dos segurados vinculados a uma relação de trabalho em que a responsabilidade pelo recolhimento de suas contribuições seja transferido integralmente ao tomador dos serviços (caso do segurado empregado, empregado doméstico e do trabalhador avulso) será igual ao tempo de serviço prestado e comprovado por meio de documentos, imputando-se eventual inadimplemento ao responsável, e não ao segurado. Já para os demais segurados, permanece a obrigação de realizar os recolhimentos de contribuições para fazer jus aos benefícios.
Foram criadas regras diferenciadas para os trabalhadores que já contribuíam para a Previdência e para os que entraram no mercado de trabalho após 16.12.1998.
Para a concessão da aposentadoria integral daqueles que já pertenciam ao RGPS, em 16.12.1998, mas não tinham o tempo suficiente para a concessão do benefício, foi prevista exigência de cumprimento dos limites mínimos de idade, 53 anos para os homens e 48 anos para as mulheres, mais 20% do período que faltava (pedágio) para os respectivos tempos de contribuição mínimos exigidos (trinta anos de contribuição, no caso de mulheres, e trinta e cinco anos, no caso dos homens). Sendo facultado aos segurados optar pelo critério mais vantajoso (art. 9º, caput, da EC n. 20/98) o requisito desta norma de transição perdeu sua razão de ser. A exigência do pedágio e da idade mínima não teve aplicabilidade, pois as regras permanentes do art. 201, § 7º, I da Constituição exigem apenas a prova do tempo de contribuição de 35 anos para o homem e de 30 anos para a mulher.
Para a concessão da aposentadoria proporcional, os segurados terão de cumprir os limites de idade – 53 anos para os homens e 48 anos para as mulheres – e acrescer 40% ao período que falta para os respectivos tempos de contribuição mínimos exigidos (vinte e cinco anos no caso de mulheres, e trinta anos, no caso dos homens). Neste caso, o segurado também possui a opção pelas novas regras, que em muitos casos, tende a ser mais vantajosa.
Os professores que comprovem exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio preservaram o direito à aposentadoria especial, com vinte e cinco anos de atividades, no caso das mulheres, ou trinta anos, no caso dos homens, sem observância do limite mínimo de idade.
O professor – inclusive o universitário – poderá contar o tempo trabalhado em atividade docente com acréscimo de 17%, se homem, e de 20%, se mulher, antes do cálculo do pedágio, desde que se aposente exclusivamente com tempo de magistério e pelas regras de transição.
A aposentadoria proporcional foi extinta para quem começou a trabalhar na data da publicação da emenda. Na fase de transição, este benefício corresponderá a 70% do salário de benefício calculado para a aposentadoria integral, acrescendo-se 5% por ano adicional, até o limite de 100%, regra que também passou a ser aplicada no serviço público. Anteriormente, a aposentadoria proporcional no serviço público era calculada tomando-se uma percentagem entre o tempo de serviço completado e o tempo necessário à aposentadoria integral.
A situação dos trabalhadores rurais não mudou. Continuam podendo se aposentar por idade, com cinco anos a menos do que os demais trabalhadores – 60 anos de idade para os homens e 55 anos para as mulheres.
Outra alteração importante – e que não pode passar despercebida no contexto – é a regra do § 10 do art. 201, que estabelece a livre concorrência, para a cobertura do risco de acidentes de trabalho, entre o Regime Geral de Previdência (INSS) e a iniciativa privada (seguradoras), o que se dará mediante regulamentação por lei ordinária.
Os direitos adquiridos de quem já reunia os requisitos exigidos pela legislação anterior – seja no serviço público, seja no regime do INSS – foram resguardados. Neste caso, o trabalhador e o servidor público poderão se aposentar, a qualquer tempo, sob as regras anteriores, de forma integral ou proporcional.
A Emenda trouxe, basicamente, reduções de despesas no que tange aos benefícios do regime geral, gerido pelo INSS, não tendo sido tomada qualquer medida para o aumento da arrecadação. Assim, no mesmo diapasão, o salário-família e o auxílio-reclusão passaram a ser devidos somente a dependentes de segurados de “baixa renda” – entendidos assim, no texto da Emenda, os que percebiam, mensalmente, até R$ 360,00 na data da promulgação – e o salário-maternidade, único benefício que não era limitado pelo “teto” do salário de contribuição, passou a ter valor máximo de R$ 1.200,00 – da mesma forma que os demais benefícios do regime geral. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, deferindo liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade, suspendeu a eficácia da Emenda no que tange à limitação do valor do salário-maternidade, mantendo o ônus da Previdência Social quanto ao pagamento integral do salário durante a licença à gestante de 120 dias, tal como antes; a decisão fundamentou-se na violação do princípio isonômico.
Com a publicação da Lei n. 9.876, de 28.11.1999, adotou-se, em substituição à exigência de idade mínima para aposentadoria voluntária no RGPS, uma forma de cálculo que leva em consideração a idade do segurado, o tempo de contribuição do mesmo e a expectativa de sobrevida da população brasileira. A adoção do chamado “fator previdenciário” visou reduzir despesas com a concessão de aposentadorias por tempo de contribuição a pessoas que se aposentem com idades bem abaixo daquela considerada ideal pelos atuários da Previdência Social. Trata-se de uma fórmula que, aplicada a segurados com idade e tempo de contribuição menores, tende a reduzir o valor do salário de benefício e, consequentemente, reduzir a renda mensal da aposentadoria. Em compensação, aplicada a segurados com idade e tempo de contribuição maiores, tende a elevar o salário de benefício e a renda mensal. Segundo Martinez, “o pressuposto lógico-jurídico da Lei n. 9.876/99 é alcançar o equilíbrio do Plano de Benefícios do RGPS. Seu escopo inicial é, a médio prazo, eliminar o déficit da Previdência Social; fundamentalmente, estabelecer correlação sinalagmática entre a contribuição (expressa por um salário de benefício mais largo) e o benefício, levando em consideração a esperança média de vida aferida estatisticamente quando da aposentação”.25
Além da criação do fator previdenciário, a Lei n. 9.876/99 estabeleceu nova forma de cálculo dos benefícios de prestação continuada apurados com base na noção de salário de benefício (aposentadorias, pensões, auxílios-doença, auxílios-reclusão e auxílios-acidente): foi ampliada a gama de salários de contribuição, que até então era fixada nos trinta e seis últimos valores que serviram de base para a contribuição do segurado, para o período de julho de 1994 até o mês anterior ao do benefício. Àqueles que ingressaram no RGPS após julho de 1994, o período básico de cálculo se inicia no mês em que o segurado iniciou a atividade laborativa (no caso dos empregados e trabalhadores avulsos), ou quando iniciou a contribuir (demais casos). De todos os salários de contribuição, corrigidos monetariamente até o mês da concessão do benefício, são utilizados no cálculo da média que servirá de base para o cálculo da renda mensal apenas 80% dos mesmos, desprezando-se a quinta parte correspondente aos salários de contribuição de menor valor dentre todos os existentes no período básico de cálculo.
Convém frisar que ambas as alterações produzidas não atingem direitos adquiridos, ou seja, o benefício a que fazia jus o segurado antes da publicação da Lei n. 9.876/99, mesmo que requerido posteriormente, será calculado com base nos últimos trinta e seis salários de contribuição, sem aplicação do fator previdenciário, resguardando-se a utilização das novas regras, se mais benéficas ao segurado. Os temas referentes ao fator previdenciário e ao novo período básico de cálculo serão examinados com mais detalhamentos na Parte IV, Capítulo 33, desta obra, dentro do estudo que envolve o cálculo do valor dos benefícios.
No ano de 2003, o Governo Federal encaminhou ao Congresso Nacional duas Propostas de Emendas Constitucionais, as quais a mídia denominou de PEC da Reforma da Previdência e Reforma Tributária, respectivamente. Após tramitação em tempo recorde, os textos foram promulgados pela Mesa do Congresso em 19.12.2003, e publicados no Diário Oficial no dia 31.12.2003, sob os números 41 e 42.
Em termos gerais, pouco se alterou o Regime Geral de Previdência Social, objeto de estudo do Direito Previdenciário. As Emendas afetam fundamentalmente os regimes próprios de agentes públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e apenas em aspectos pontuais, o regime que é administrado pelo INSS.
Em caráter programático, o § 12 do art. 201, cuja redação foi alterada pela Emenda, prevê agora que “Lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para trabalhadores de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário mínimo, exceto aposentadoria por tempo de contribuição”, acolhendo sugestão do renomado previdenciarista Wladimir Novaes Martinez.
A Emenda n. 47, de 5.7.2005, modificou regras de transição estabelecidas pela Emenda n. 41 a agentes públicos ocupantes de cargos efetivos e vitalícios, pertencentes aos chamados Regimes próprios, com efeitos retro-operantes a 1.1.2004, revogando, ainda, o parágrafo único do art. 6º da Emenda n. 41, de 31.12.2003.
Trata-se, em verdade, de parte da Proposta de Emenda Constitucional que tramitou em 2003 e que, por falta de consenso entre os parlamentares, constituiu nova PEC, apelidada de PEC paralela da Previdência, em que houve retorno à primeira casa legislativa para votação das matérias alteradas no Senado.
A referida Emenda trata especialmente dos regimes de agentes públicos, adentrando, principalmente, em aspectos muito específicos dos chamados Regimes Próprios de que trata o art. 40 da Constituição.
Um aspecto interessante a ser observado é a previsão de seus efeitos retroativos. É dizer, muitos benefícios de aposentadoria já concedidos, no interregno entre 1.1.2004 e 4.7.2005 deverão ser objeto de revisão, para adequação à norma mais favorável, quando for o caso, por força das novas disposições incluídas pela referida Emenda.
Os detalhes a respeito das modificações trazidas pelas Emendas n. 20, 41, 42 e 47 quanto aos Regimes de que trata o art. 40 da Constituição são tratados na Parte V desta obra, à qual remetemos o leitor.
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1 “A sociedade, no seio da qual o indivíduo vive, e que por razões de conveniência geral, lhe exige a renúncia de uma parcela de liberdade, não poderá deixar de compensá-lo da perda que sofre, com a atribuição da desejada segurança” (COIMBRA, J. R. Feijó. Op. cit., p. 45).
2 ROCHA, Daniel Machado da. Op. cit., p. 45.
3 TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário, p. 208.
4 CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito de. Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Públicos. Belo Horizonte: Líder, 2004, p. 38.
5 OLIVEIRA, Antonio Carlos de. Direito do trabalho e previdência social: estudos. São Paulo: LTr, 1996, p. 91.
6 STEPHANES, Reinhold. Reforma da previdência sem segredos. Rio de Janeiro: Record, 1998, p. 94.
7 Idem, ibidem.
8 PEREIRA NETTO, Juliana Pressotto. A Previdência Social em Reforma: o desafio da inclusão de um maior número de trabalhadores. São Paulo: LTr, 2002, p. 36.
9 Idem, ibidem.
10 RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis da Previdência Social. 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 7.
11 ROCHA, Daniel Machado da. Op. cit., p. 62.
12 RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação... cit., p. 12.
13 PESSOA SOBRINHO, Eduardo Pinto. Manual dos Servidores do Estado. 13. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1985, p. 12.
14 OLIVEIRA, Antonio Carlos de. Direito do Trabalho..., cit., p. 113.
15 BORGES, Mauro Ribeiro. Op. cit., p. 40.
16 Direito do Trabalho... cit., p. 124.
17 LEITE, Celso Barroso. A proteção social no Brasil. 2. ed. São Paulo: LTr, 1978, p. 18.
18 Aposentadorias, pensões, auxílios-doença e reclusão, salários-maternidade, salários-família.
19 Renda mensal a idosos e deficientes, programas sociais em geral.
20 “O cenário que se desenha é de agravamento do desequilíbrio, a partir de 2020, decorrente do envelhecimento populacional. O aumento da participação dos idosos na população e, por consequência, dos beneficiários, acarreta esforço adicional de toda a sociedade no seu financiamento” (BRASIL. Ministério da Previdência Social. Livro Branco da Previdência Social. Brasília: MPAS/GM, 2002, p. 6).
21 Utilizando o conceito de Mesa-Lago e Müller, “reformas estruturais são as que transformam radicalmente um sistema de seguridade social (portanto, público), substituindo-o, suplementando-o ou criando um sistema privado paralelo” (COELHO, Vera Schattan Pereira (org.). A Reforma da Previdência Social na América Latina. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p. 28).
22 Segundo os mesmos autores, “reformas incrementais são as que preservam o sistema público, reforçando suas finanças e/ou alterando benefícios e requisitos para habilitação como beneficiário” (COELHO, Vera Schattan Pereira, idem).
23 Trata-se do relatório: WORLD BANK. Averting the Old Age Crisis: Policies to Protect the Old and Promote Growth. Oxford: 1994. Disponível em http://econ.worldbank.or/files/625_wps1572.pdf. Acesso em 30 set. 2004.
24 COELHO, Vera Schattan Pereira. Op. cit., p. 51.
25 “Nova forma de cálculo de benefício previdenciário”, in Revista Jurídica Virtual n. 10, março/2000. Site do Governo Federal: www.planalto.gov.br.