A doutrina civilista conceitua os institutos da prescrição e da decadência de modo relativamente uniforme. Destarte, pode-se observar um certo consenso no sentido de que se pode denominar prescrição à perda do direito de exigir uma obrigação pela via jurisdicional. Segundo Washington de Barros Monteiro, citando Clovis Bevilacqua, “prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso dela, durante determinado espaço de tempo”.1 Já a decadência, segundo o mesmo estudioso do tema, é observada quando “o direito é outorgado para ser exercido dentro em (sic) determinado prazo; se não exercido, extingue-se”. É dizer, “a prescrição atinge diretamente a ação e por via oblíqua faz desaparecer o direito por ela tutelado; a decadência, ao inverso, atinge diretamente o direito e por via oblíqua, ou reflexa, extingue a ação”.2
A regra geral de prescritibilidade dos direitos patrimoniais existe em face da necessidade de se preservar a estabilidade das situações jurídicas. Entretanto, as prestações previdenciárias têm finalidades que lhes emprestam características de direitos indisponíveis, atendendo a uma necessidade de índole eminentemente alimentar. Daí que o direito ao benefício previdenciário em si não prescreve, mas tão-somente as prestações não reclamadas dentro de certo tempo, que vão prescrevendo, uma a uma, em virtude da inércia do beneficiário.
No direito previdenciário a prescrição quinquenal tem sido aplicada desde o advento do Decreto n. 20.910, de 1932. Neste sentido:
–TFR – Súmula n. 107 – A ação de cobrança de crédito previdenciário contra a Fazenda Pública está sujeita à prescrição quinquenal estabelecida no Decreto n. 20.910, de 1932.
–STJ – Súmula n. 85 – Nas relações jurídicas de trato sucessivo, em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação.
O mesmo prazo foi fixado na atual Lei de Benefícios no art. 103, parágrafo único. De acordo com essa norma: “Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil”.
Dispondo acerca da matéria, o atual Código Civil – Lei n. 10.406/02 – em seu artigo 198, estabelece que não corre a prescrição “contra os incapazes de trata o art. 3°.”, ou seja, os absolutamente incapazes; “contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios”; e “contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra”.
Entretanto, a não ocorrência da prescrição em relação a alguns dos dependentes não beneficia os demais, ou seja, consumada a prescrição em relação ao dependente capaz, ao incapaz deve ser assegurado somente o pagamento de sua quota-parte. Neste sentido: AC no 2003.04.01.051040-1/SC, TRF da 4a Região, Relator Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE 27.8.2007.
O INSS na via administrativa tem observado as regras do Código Civil, prevendo que (art. 446 da IN n. 45/2010):
–Não corre prescrição contra os absolutamente incapazes, na forma do inciso I do art. 198 do Código Civil, combinado com o art. 3° do mesmo diploma legal, dentre os quais:
I – os menores de dezesseis anos não emancipados;
II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; e
III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
–Para os menores que completarem dezesseis anos de idade, a data do início da prescrição será o dia seguinte àquele em que tenha completado esta idade.
–Para o incapaz curatelado, a contagem do prazo prescricional inicia a partir da data de nomeação do curador.
–Na restituição de valores pagos indevidamente em benefícios será observada a prescrição qüinqüenal, salvo se comprovada má-fé.
–Na revisão, o termo inicial do período prescricional será fixado a partir da DPR.
Outra questão relevante é se, durante a tramitação do processo administrativo, corre o prazo prescricional. Entendemos que esse período não pode ser computado, pois, de acordo com o Decreto n. 20.910/1932, que regula a prescrição quinquenal: “Art. 4º Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la. Parágrafo único. A suspensão da prescrição, neste caso, verificar-se-á pela entrada do requerimento do titular do direito ou do credor nos livros ou protocolos das repartições públicas, com designação do dia, mês e ano”.
Cabe destacar que, segundo a Súmula n. 74 da TNU: “O prazo de prescrição fica suspenso pela formulação de requerimento administrativo e volta a correr pelo saldo remanescente após a ciência da decisão administrativa final”.
Por esse entendimento, o requerimento administrativo não interrompe o prazo prescricional, mas apenas o suspende, e se coaduna com a orientação do STJ, segundo a qual, tendo havido apresentação de requerimento administrativo pleiteando o pagamento de benefício, permanece suspenso o prazo prescricional, até que a autarquia previdenciária comunique sua decisão ao interessado (REsp 294.032/PR, 5ª Turma, Rel. Min. Félix Fischer, DJ de 26.03.2001).
As ações referentes à prestação por acidente do trabalho prescrevem em cinco anos, observado o disposto no art. 104 da Lei n. 8.213/91, contados da data:
–do acidente, quando dele resultar a morte ou a incapacidade temporária, verificada esta em perícia médica a cargo da Previdência Social; ou
–em que for reconhecida pela Previdência Social, a incapacidade permanente ou o agravamento das sequelas do acidente.
Questionamento importante sobre a matéria diz respeito à possibilidade de o Juiz reconhecer de ofício a prescrição em favor do INSS. Acerca do assunto, decidiu favoravelmente a Turma Nacional de Uniformização dos JEFs:
PREVIDENCIÁRIO – REVISÃO DO SALÁRIO DE BENEFÍCIO – PRESCRIÇÃO – RECONHECIMENTO DE OFÍCIO – POSSIBILIDADE.
I – Sentença e acórdão que deferiram o pedido de revisão da renda mensal da aposentadoria por tempo de serviço, sem, todavia, limitar as parcelas prescritas.
II – Possibilidade de decretação de ofício da prescrição em se tratando de direitos da Fazenda Pública, porquanto indisponíveis.
III – Pedido de uniformização conhecido e provido. (Pedido de Uniformização no Processo n. 200381100283235. Relator Juiz Federal Hermes Sied-ler da Conceição Júnior, DJU de 30.5.2006)
A partir do advento da Lei n. 11.280, de 2006, que alterou em parte o Código de Processo Civil, deverá o juiz decretar a prescrição de ofício em todos os feitos. Neste sentido, tem entendido o STJ: “Com o advento da Lei 11.280/06, tornou-se possível ao juiz decretar de ofício a prescrição.” (AGA n. 1033755/MG, Segunda Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon. DJE de 22.9.2008).
Na aferição da prescrição quinquenal, o que está em causa é o pagamento dos créditos do segurado, de modo que a aferição deve se dar a partir dos vencimentos destes, e não a partir das competências a que tais créditos se referem.
Com a Medida Provisória n. 1.523-9, de 27 de junho de 1997, que conferiu nova redação ao art. 103 da Lei n. 8.213/91, foi prevista pela primeira vez a existência de um prazo decadencial no âmbito do direito previdenciário brasileiro.
No período compreendido entre 1997 e 2004 ocorreram algumas alterações significativas no tocante ao prazo da decadência. Inicialmente, destacamos a redação original do artigo 103, da Lei n. 8.213/91:
Art. 103. Sem prejuízo do direito ao benefício, prescreve em 5 (cinco) anos o direito às prestações não pagas nem reclamadas na época própria, resguardados os direitos dos menores dependentes, dos incapazes ou dos ausentes.
Essa regra que não contemplava prazo decadencial perdurou até 27 de junho de 1997, quando a MP n. 1.523-9 foi publicada e modificou a redação do referido dispositivo para:
Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.
Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil. (original sem grifos)
Tal medida provisória foi convertida na Lei n. 9.528, de 10.12.1997, que vigorou até o advento da Lei n. 9.711/98, de 20.11.19983, que diminuiu para 5 anos o prazo de decadência para a revisão dos atos de concessão de revisão por iniciativa do segurado.
Ocorre que, em 2003, frente a uma massiva movimentação dos segurados, associações e advogados que resultou em um elevado ingresso de ações para revisão de benefícios com base no índice IRSM de fevereiro de 1994, o executivo se viu obrigado, por motivos políticos, a elastecer novamente o prazo decadencial. Editou então a Medida Provisória n. 138, de 19.11.2003, que foi convertida na Lei n. 10.839, de 5.2. 2004, voltando a fixar em 10 anos o prazo de decadência.
Destacamos que o aumento do prazo se deu antes de completos os 5 anos previstos em 1998, pela Lei n. 9.711, o que significa dizer que nesse ínterim, nenhum benefício foi atingido pela materialização da decadência.
Entendemos que a edição da MP n. 138/2003 não significou o início de uma nova contagem, e sim um elastecimento do prazo já corrente. Nesse sentido: “Para os benefícios concedidos até 27.06.1997, aplica-se o prazo de decadência de dez anos, contado a partir de 27.06.1997; para os benefícios concedidos a partir de 28.06.1997, ao final, sempre se aplica o prazo de decadência de dez anos, contado a partir do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação” (TNU, PU 2008.71.61.002964-5, DOU de 15.03.2013).
–Da Aplicação do Instituto da Decadência
Já foi mencionado que a instituição do prazo decadencial para revisão do cálculo dos benefícios previdenciários se deu pela Medida Provisória n. 1.523-9, de 27.06.1997 (DOU de 28.06.1997), posteriormente convertida na Lei n. 9.528, de 10.12.1997, que deu nova redação ao art. 103 da Lei n. 8.213/1991.
Segundo a norma, a decadência atinge todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário tendente à revisão do ato de concessão do benefício (cálculo da renda mensal inicial, por exemplo) e foi fixada inicialmente em dez anos, contados do dia primeiro do mês seguinte ao recebimento da primeira prestação, ou, quando for o caso, do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.
Nos casos dos benefícios concedidos anteriormente à instituição da decadência, inexistia limitação no tempo à possibilidade de revisão. No entanto, o Supremo Tribunal Federal entendeu aplicável esse prazo a todos os benefícios, independentemente da data de início, consoante o julgamento da repercussão geral cuja ementa segue transcrita:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RGPS). REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA.
1. O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário.
2. É legítima, todavia, a instituição de prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido, com fundamento no princípio da segurança jurídica, no interesse em evitar a eternização dos litígios e na busca de equilíbrio financeiro e atuarial para o sistema previdenciário.
3. O prazo decadencial de dez anos, instituído pela Medida Provisória 1.523, de 28.06.1997, tem como termo inicial o dia 1º de agosto de 1997, por força de disposição nela expressamente prevista. Tal regra incide, inclusive, sobre benefícios concedidos anteriormente, sem que isso importe em retroatividade vedada pela Constituição.
4. Inexiste direito adquirido a regime jurídico não sujeito a decadência (RE 626.489/SE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, j. em 16.10.2013).
Importante destacar dessa decisão o reconhecimento pelo STF de que a concessão do benefício não prescreve ou decai, podendo ser postulada a qualquer tempo.
Sendo assim, entendemos que não é atingido pelo prazo decadencial o ato administrativo que indefere benefício, podendo ser questionado a qualquer tempo. Por essa razão, não se coaduna com essa orientação a Súmula n. 64 da TNU, que tem o seguinte conteúdo: “O direito à revisão do ato de indeferimento de benefício previdenciário ou assistencial sujeita-se ao prazo decadencial de dez anos”.
Importante referir também que o STF não tem reconhecido violação de ordem constitucional em relação aos questionamentos relacionados com a aplicação do prazo de decadência aos benefícios iniciados após 28.07.1997. Nesse sentido:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO CONCEDIDO APÓS A EDIÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA 1.523/1997. DECADÊNCIA. DEBATE DE ÂMBITO INFRACONSTITUCIONAL. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA NÃO ENSEJA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ACÓRDÃO PUBLICADO EM 15.4.2010.
As razões do agravo regimental não são aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, mormente no que se refere ao âmbito infraconstitucional do debate, a inviabilizar o trânsito do recurso extraordinário. Agravo regimental conhecido e não provido (Ag. Reg. no Recurso Extraordinário com Agravo 750.584/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 29.10.2013).
As ações declaratórias de averbação de tempo de serviço/contribuição não estão sujeitas aos prazos de prescrição e decadência, em face da ausência do cunho patrimonial imediato e diante da existência de direito adquirido à contagem do tempo trabalhado. Vale referir precedentes que respaldam esse entendimento:
–Não se submete à prescrição a ação declaratória pura, proposta com o exclusivo fim de ter declarada a existência de uma relação jurídica. Precedentes. (STJ. REsp. n. 331306/MA. 5ª Turma. Rel. Min. Edson Vidigal. DJ de 15.10.2001);
–O instituto da decadência previsto na nova redação do artigo 103, da Lei no 8.213/91, apenas se aplica aos casos em que se deseja rever o ato de concessão do benefício, o que não ocorre, evidentemente, quando a aposentadoria sequer ainda foi requerida. (TRF da 5ª Região. AC n. 2000.05.00.059051.6/RN. 1ª Turma. Rel. Des. Federal Margarida Cantarelli. DJ de 15.10.2001);
–Tratando-se de ação declaratória não há que se falar na aplicação do instituto da decadência ou da prescrição. (TRF da 4ª Região. AC n. 2001.71.08.003891-5. Turma Suplementar. Rel. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva. DE 27.10.2008).
Discussão mais acirrada se dá no caso das ações de natureza condenatória, cuja inclusão do período trabalhado é requerida visando a revisão do benefício já concedido.
Podemos tomar como exemplo, um segurado aposentado por tempo de contribuição de forma proporcional em 2000. Em 2011, ingressa com ação judicial postulando o reconhecimento de tempo trabalhado no meio rural e em condições especiais para aumentar o coeficiente de cálculo de seu benefício. Na hipótese, objetiva rever o ato de concessão do benefício, ato esse que é a exata expressão legal contida no art. 103, caput da LB.
Surge então o questionamento: aplica-se o prazo de decadência que impede a revisão proposta?
Na análise desse caso é importante observar no processo administrativo de concessão do benefício se houve requerimento para o reconhecimento dos referidos períodos de tempo trabalhado e qual foi a decisão do INSS.
A partir desse ponto, podemos elencar algumas soluções para o caso:
Primeira Solução:
Existindo ou não o requerimento administrativo do reconhecimento do tempo trabalhado, estaria operada a decadência, já que o benefício foi concedido posteriormente à instituição do referido prazo e houve o transcurso do tempo previsto no art. 103, caput da Lei n. 8.213/91. Assim, já havia decaído o direito à revisão quando do ajuizamento da ação.
Esta é a solução adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, para o qual o alcance do art. 103, caput, da Lei n. 8.213/1991, na redação da Medida Provisória n. 1.523-9, de 27.06.1997, e alterações posteriores, “é amplo e não abrange apenas revisão de cálculo do benefício, mas atinge o próprio ato de concessão e, sob a imposição da expressão ‘qualquer direito’, envolve o direito à renúncia do benefício” (AgRg no REsp 1.264.819/RS, 6ª Turma, Rel. Min. Assusete Magalhães, DJe de 13.09.2013).
Segunda Solução:
Na hipótese de não ter havido o requerimento administrativo caberá o pedido de revisão, pois a decadência prevista no artigo 103, caput da Lei n. 8.213/91 não alcança questões que não restaram resolvidas no ato administrativo que apreciou o pedido de concessão do benefício. Isso pelo simples fato de que, como o prazo decadencial limita a possibilidade de controle de legalidade do ato administrativo, não pode atingir aquilo que não foi objeto de apreciação pela Administração. Nesse sentido, a orientação do TRF da 4ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. REVISÃO DE BENEFÍCIO.
A decadência prevista no artigo 103 da Lei 8.213/91 não alcança questões que não restaram resolvidas no ato administrativo que apreciou o pedido de concessão do benefício. Isso pelo simples fato de que, como o prazo decadencial limita a possibilidade de controle de legalidade do ato administrativo, não pode atingir aquilo que não foi objeto de apreciação pela Administração (AC 5003017-18.2012.404.7104/RS, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, DE de 04.07.2013).
Neste sentido, vale transcrever a exposição de motivos do PL 4959/09, do ex-Deputado Fernando Coruja, que objetivava revogar o prazo de decadência previsto na Lei n. 8.213/91: “Como falar em decadência para direitos de natureza social, intimamente relacionados às necessidades dos cidadãos e que visam garantir, dentre outros, sua alimentação e saúde?” No entanto, esse PL acabou sendo arquivado pela Mesa Diretora da Câmara em 31.1.2011.
Terceira Solução:
Esta é a solução que reputamos mais adequada ao caso. Com ou sem pedido do reconhecimento do tempo trabalhado quando da concessão do benefício, a aplicação da decadência esbarra na regra de direito adquirido. No caso específico, não cabe a vinculação temporal em face das características intrínsecas do direito à contagem e averbação do tempo de serviço/contribuição que é disciplinado pela lei vigente à época em que efetivamente prestado, passando a integrar, como direito autônomo, o patrimônio jurídico do trabalhador. A lei nova que venha a estabelecer restrição ao cômputo do tempo de serviço/contribuição não pode ser aplicada retroativamente, em razão da intangibilidade do direito adquirido.
Entendemos apropriada a utilização de decisão paradigma do Supremo Tribunal Federal no exame do direito à contagem do tempo de serviço especial prestado por servidor público ex-celetista:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONTAGEM. TEMPO DE SERVIÇO. CONDIÇÕES INSALUBRES.
1. A jurisprudência do Supremo é firme no sentido de que “contagem do tempo de serviço prestado por servidor público ex-celetista, inclusive o professor, desde que comprovadas as condições insalubres, periculosas ou penosas, em período anterior à Lei 8.112/1990, constitui direito adquirido para todos os efeitos”. Precedentes.
2. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 380413 AgR/PB. 2ª Turma. Relator Ministro Eros Grau. DJe de 29.6.2007)
Consta da fundamentação da decisão do STF que: “Em cada momento trabalhado realizava-se o suporte fático previsto no texto normativo como suficiente a autorizar sua averbação. Sendo assim, é incorporado ao seu patrimônio jurídico direito que a legislação específica lhe assegurava como compensação pelo serviço exercido em condições insalubres, periculosas ou penosas. Essa vantagem não pode ser suprimida mercê do advento de um novo regime jurídico que, apesar de prever a edição de lei específica para regulamentar a concessão de aposentadoria para os agentes públicos que exerçam atividades nessas condições, não desconsiderou ou desqualificou o tempo de serviço prestado ao tempo da legislação anterior.” (grifamos).
Considerando os fundamentos citados, defende-se o entendimento de que a interpretação da regra de decadência não pode ferir direito adquirido do segurado de ter averbado o tempo trabalhado (seja urbano, rural ou especial) em qualquer época.
Cabe destacar também que o § 1º do art. 11 da CLT, o qual trata da prescrição do direito de ação decorrente das relações de trabalho, estabelece que as ações destinadas à obtenção de anotações destinadas a fazer prova perante a previdência social são imprescritíveis.
A mesma interpretação deve ser dada quando o segurado objetiva revisar seu benefício com base em sentença trabalhista que reconhece períodos trabalhados ou novos salários de contribuição. Muitas vezes o trânsito em julgado da sentença ocorre após o transcurso dos dez anos do início do benefício previdenciário, sendo desarrazoado o reconhecimento da decadência. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. revisão DE BENEFÍCIO. DIFERENÇAS SALARIAIS RECONHECIDAS EM RECLAMATÓRIA TRABALHISTA.
Não é possível declarar a decadência do direito de revisão da aposentadoria, considerando que o autor não se mostrou inerte, ao contrário, ajuizou reclamatória trabalhista para ter o seu direito reconhecido (TRF/4, AI 5016160-12.2013.404.0000/PR, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DE de 25.10.2013).
O INSS também reconhece a qualquer tempo o direito que o segurado tem de averbar o tempo de contribuição. E, no caso de trabalho realizado como autônomo/contribuinte individual, exige o recolhimento das contribuições mesmo após o prazo de decadência para fins de utilização desse período para a concessão da aposentadoria.
Por isso, mostra-se possível a propositura de ação para revisão de benefícios concedidos há mais de dez anos, desde que seja com o intuito de agregar tempo de contribuição, pois se trata de direito fundamental não sujeito a decadência.
Assim, não se mostra adequada a aplicação rasa da repercussão geral citada (RE 626.489/SE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, j. em 16.10.2013), já que a Suprema Corte não foi explícita nesse ponto.
Muito embora o STF tenha afirmado que “inexiste direito adquirido a regime jurídico não sujeito a decadência”, entendemos que essa não é a hipótese.
No mesmo sentido, Daniel Machado da Rocha defende que “a regra da caducidade abarca exclusivamente os critérios de cálculo da renda mensal inicial”.4
Há que se considerar ainda que o STF não tem conhecido os Recursos Extraordinários que discutem a aplicação do prazo de decadência em relação aos benefícios concedidos após a edição da MP n. 1.523-9/97, por entender que a análise da legislação infraconstitucional acarreta apenas violação reflexa e oblíqua da Constituição Federal:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. REVISÃO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS CONCEDIDOS APÓS A ENTRADA EM VIGOR DA MEDIDA PROVISÓRIA 1.523-9/1997. DECADÊNCIA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA OU REFLEXA À CONSTITUIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO (ARE 730.395 AgR/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe de 10.09.2013).
A conclusão defendida tem forte resistência em face da mencionada interpretação que tem sido dada pelo STJ de que a decadência atinge todo e qualquer direito relacionado ao ato de concessão. Ou seja, concedido o benefício e transcorrido o lapso decadencial, não caberia qualquer revisão em favor do segurado.
A TNU fixou orientação no sentido de que caso o beneficiário do INSS tenha perdido, em vida, o direito de solicitar a revisão do valor de sua aposentadoria, o fato não prejudica o titular da subsequente pensão por morte. Ou seja: o direito pode ser discutido pelo pensionista, ainda que fundado em dados que poderiam ter sido questionados pelo aposentado atingido pela decadência. Neste sentido:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DERIVADA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DIREITO DE REVISÃO. PRAZO DECADENCIAL AUTÔNOMO. CÔMPUTO DO PRAZO A PARTIR DA CONCESSÃO DA PENSÃO. INCIDENTE IMPROVIDO.
(...) 7. Seguindo a linha de raciocínio perfilhado pela Magistrada Simone Lemos Fernandes, nos autos do PREDILEF n. 2009.72.54.003963-7, julgado em 29 de março de 2012, considero que a pensão por morte e o benefício previdenciário do qual deriva são, de fato, benefícios atrelados por força do critério de cálculo de ambos, tão somente. Mas são benefícios autônomos, titularizados por pessoas diversas que, de forma independente, possuem o direito de requerer a revisão de cada um deles, ainda que através de sucessores (pois a pensão por morte pressupõe, logicamente, o falecimento de seu instituidor), sendo que o prazo decadencial de revisão da pensão começa fluir a partir da data da concessão. Certo que os sucessores de segurado já falecido podem requerer, judicialmente, o reconhecimento de parcelas que seriam devidas àquele por força de incorreto cálculo de seu benefício. Mas não é este o tema discutido nestes autos, já que a autora não postulou diferenças sobre a aposentadoria de seu falecido marido, mas tão somente diferenças sobre a pensão por morte que percebe.
8. Dessa forma, considero que existe prazo decadencial autônomo, diferenciado, relativo ao direito de revisão da pensão por morte percebida pela autora, computado a partir da data de sua concessão, o qual foi concedida em 09/11/1998. (...)”
(PU n. 2008.50.51.001325-4. Relator Juiz Federal Adel Américo Dias de Oliveira. DOU 27.7.2012)
Concordamos com esse entendimento da TNU, pois os beneficiários da pensão por morte não poderão sofrer os reflexos da falta de revisão do benefício de origem. Somente a partir do início do recebimento da pensão por morte é que deve ter curso o prazo de decadência para a revisão do benefício que era recebido pelo de cujus.
Entendemos que o artigo 103 da Lei n. 8.213/91 criou a possibilidade legal de interrupção do prazo de decadência quando o beneficiário ingressar com o pedido administrativo de revisão do benefício.
Isso porque, a lei previu a hipótese de o prazo iniciar sua contagem da data em que o segurado tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo, independente da data do primeiro pagamento.
Por meio da interrupção será inutilizado o tempo já percorrido. Diferente da suspensão, na interrupção o tempo corrido anteriormente não será computado se, porventura, o prazo se reiniciar.
O atual Código Civil estabelece somente normas interruptivas da prescrição, e as limita em apenas uma vez para cada direito. Tal novidade legislativa de limitação do número de interrupções para a prescrição não existia no Código Civil antigo e por isso deve ser observada para os fatos e atos ocorridos após 2003, com a entrada no novo Código Civil. Existem ainda causas interruptivas constantes de leis especiais, que devem ser consideradas para os casos regrados pela Lei que os criar.
Importante observar, no entanto, que o novo Código Civil, apesar de não citar quais as hipóteses, criou permissão expressa para a existência de prazos interruptivos da decadência no seu art. 207, senão vejamos: “Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem ou interrompem a prescrição.”
Logo, haveria a possibilidade de interrupção, impedimento e interrupção da decadência desde que legalmente e expressamente previstas.
No caso do direito previdenciário, a Lei n. 8.213/91 possui tal previsão expressa, como vimos acima, presente no final do art. 103, caput. Assim, aplicável a espécie a forma interruptiva do prazo decadencial.
Tal hipótese tem sido admitida pela jurisprudência, que reconhece a impossibilidade da fruição do prazo decadencial quando do ajuizamento de ação trabalhista, senão vejamos:
REVISÃO DA RMI. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. DECADÊNCIA. VERBAS REMUNERATÓRIAS. RECLAMATÓRIA TRABALHISTA. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS.
Não ocorre a decadência do direito de revisão da renda mensal inicial (RMI) de benefício previdenciário, quando o segurado exercita seu direito, dentro do prazo decadencial previsto em lei, mediante ajuizamento de ação trabalhista e, obtido êxito na causa, prossegue no seu exercício, mediante postulação administrativa de revisão. As verbas remuneratórias reconhecidas em reclamatória trabalhista devem ser integradas nos salários de contribuição do segurado, a teor do art. 28, I, da Lei n. 8.212, de 1991, quando forem recolhidas as respectivas contribuições previdenciárias.
(TRF4. AC 00009405020094047000. Quinta Turma. Relator Des. Fed. Rômulo Pizzolatti. D.E. 31.05.2010)
Além disso, a matéria foi abordada expressamente pela Turma Regional de Uniformização da 4ª. Região, que proferiu decisão em conformidade com a posição aqui defendida:
REVISÃO. DECADÊNCIA. INICIO FLUIÇÃO DO PRAZO. DECISÃO ADMINISTRATIVA.
O prazo previsto no artigo 103 da Lei nº 8.213/91 é decadencial começando a fluir do primeiro dia posterior ao do recebimento da primeira prestação do benefício, ou, quando for o caso, no dia em que o segurado tiver ciência da decisão administrativa que indeferiu seu pedido de revisão, devendo ser observado esse segundo marco nos casos em que houver pedido administrativo de revisão do benefício.
(TRU 4ª. Região. IUJEF 0004324-07.2010.404.7252/SC. Relatora Juíza Federal Ana Cristina Monteiro de Andrade Silva. D.E. 14.08.2012)
Dessa forma, há que se considerar a possibilidade de interrupção do prazo decadencial quando do requerimento administrativo da revisão do ato de concessão, desde que o mesmo ocorra antes da fluência do prazo decenal. E, caso a decisão administrativa seja indeferitória, a data da notificação do segurado será então o novo marco inicial para o prazo decadencial, que começará a contar sem qualquer utilização do tempo fruído anteriormente, tudo conforme a redação da parte final do caput do art. 103 da Lei n. 8.213/91.
Na via administrativa o INSS indica detalhadamente na Instrução Normativa n. 45/2010 as hipóteses de aplicação do prazo de decadência, reconhecendo algumas situações que ficam excluídos dessa norma restritiva.
É aplicado o prazo de dez anos para revisão do ato de concessão de todos os benefícios, mesmo os iniciados antes da vigência da Medida Provisória n. 1523-9, de 1997 (art. 441 da IN 45/2010). No caso, são levados em consideração os seguintes critérios para definição do início do prazo decadencial:
I – para os benefícios em manutenção em 28 de junho de 1997, data da publicação da MP nº 1523-9, de 1997, a partir de 1º de agosto de 1997, não importando a data de sua concessão;
II – para os benefícios concedidos com DIB, a partir de 28 de junho de 1997, a partir do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação;
III – em se tratando de pedido de revisão de benefícios com decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo, em que não houver a interposição de recurso, o prazo decadencial terá início no dia em que o requerente tomar conhecimento da referida decisão.
Importante ressaltar que o INSS não aplica o prazo decadencial para as revisões determinadas em dispositivos legais, salvo se houver revogação expressa, ainda que decorridos mais de dez anos da data em que deveriam ter sido pagas. No processamento dessas revisões, observa-se apenas a prescrição quinquenal (art. 441, § 2° da IN 45/2010).
Poderá, também, ser processada a qualquer tempo a revisão para inclusão de novos períodos ou para fracionamento de períodos de trabalho não utilizados no órgão de destino da Certidão de Tempo de Contribuição (art. 445 da IN 45/2010).
Para o INSS rever seus atos de que decorram efeitos favoráveis aos beneficiários deve, necessariamente, fazê-lo com base em um processo administrativo que apurou alguma irregularidade na concessão da prestação.
O poder-dever da Administração de desconstituir seus próprios atos por vícios de nulidade condiciona-se à comprovação das referidas ilegalidades em processo administrativo próprio, com oportunização ao administrado, das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório (art. 5°, LV, da CF/88 e Súmula n. 160 do extinto TFR).
De acordo com o art. 11 da Lei n. 10.666/2003, o Ministério da Previdência Social e o INSS manterão programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios da Previdência Social, a fim de apurar irregularidades e falhas existentes. Havendo indício de irregularidade na concessão ou na manutenção de benefício, a Previdência Social notificará o beneficiário para apresentar defesa, provas ou documentos de que dispuser, no prazo de dez dias. A notificação é feita por via postal com aviso de recebimento e, não comparecendo o beneficiário nem apresentando defesa, será suspenso o benefício. O benefício também poderá ser cancelado, pela falta de defesa ou caso seja considerada como insuficiente ou improcedente. Dessa decisão será cientificado o beneficiário, que terá o direito de interpor recurso à Junta de Recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social.
A revisão iniciada dentro do prazo decadencial com a devida expedição de notificação para ciência do segurado, impedirá a consumação da decadência, ainda que a decisão definitiva do procedimento revisional ocorra após a extinção de tal lapso (art. 443 da IN n. 45/2010).
Nos casos em que o INSS não comprova que a revisão foi em face de alguma irregularidade apurada em processo administrativo, o benefício deve ser restabelecido. O beneficiário poderá obter sua pretensão em juízo, por meio de mandado de segurança, quando não demandar instrução probatória; e também pela via ordinária ou dos JEFs, com a possibilidade da antecipação de tutela, quando demonstrar o preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão da medida (art. 273 do Código de Processo Civil).
O prazo que vigora atualmente para o INSS anular os atos administrativos de que resultem benefícios indevidos a segurados e dependentes é de dez anos contados da data em que estes foram praticados, salvo comprovada má-fé (MP n. 138, de 19.11.2003, convertida na Lei n. 10.839, de 5.2.2004, que incluiu o art. 103-A no texto da Lei n. 8.213/91).
Deve ser ressaltado, que esse prazo sofreu alterações ao longo do tempo, conforme pode ser extraído do julgamento do: AI n° 0003392-13.2011.404.0000/RS. TRF da 4a Região. 5a Turma. Relator Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira. DE em 27.5.2011:
–Lei n. 6.309/75: previa em seu artigo 7° que os processos de interesse de beneficiários não poderiam ser revistos após 5 (cinco) anos, contados de sua decisão final, ficando dispensada a conservação da documentação respectiva além desse prazo.
–Lei n. 8.422, de 13/05/1992: revogou a Lei n. 6.309/75 (art. 22). Assim, em se tratando de benefício deferido sob a égide da Lei n. 6.309/75, caso decorrido o prazo de cinco anos, inviável a revisão da situação, ressalvadas as hipóteses de fraude, pois esta não se consolida com o tempo.
–Lei n. 9.784, de 29.01.1999 (art. 54): institui prazo decadencial de cinco anos para desfazimento de atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, incluídos os atos de concessão de benefício previdenciário.
–Medida Provisória n. 138, de 19.11.2003 (convertida na Lei n. 10.839, de 05.02.2004): instituiu o art. 103-A da Lei n. 8.213/91, estabelecendo prazo decadencial de dez anos para a Previdência Social anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários. Como quando a MP n. 138 entrou em vigor não haviam decorrido cinco anos a contar do advento da Lei n. 9.784/99, os prazos que tiveram início sob a égide desta Lei foram acrescidos, de tanto tempo quanto necessário para atingir o total de dez anos. Assim, na prática todos os casos subsumidos inicialmente à regência da Lei n. 9.784/99, passaram a observar o prazo decadencial de dez anos, aproveitando-se, todavia, o tempo já decorrido sob a égide da norma revogada.
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que antes do advento da Lei n. 9.784/99 não havia prazo para a Administração Pública desfazer atos dos quais decorressem efeitos favoráveis para os beneficiários. Segue precedente demonstrando a orientação fixada:
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO CONCEDIDO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N. 9.784/99. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. ART. 103-A DA LEI N. 8.213/91, ACRESCENTADO PELA MP 138, DE 19.11.2003, CONVERTIDA NA LEI N. 10.839/2004. AUMENTO DO PRAZO DECADENCIAL PARA 10 ANOS.
1. Segundo entendimento firmado pela Corte Especial deste Tribunal, os atos administrativos praticados antes da Lei 9.784/99 podem ser revistos pela Administração a qualquer tempo, por inexistir norma legal expressa prevendo prazo para tal iniciativa. Somente após a Lei 9.784/99 incide o prazo decadencial de 5 anos nela previsto, tendo como termo inicial a data de sua vigência (01.02.99).
2. Antes de decorridos 5 anos da Lei n. 9.784/99, houve nova alteração legislativa com a edição da Medida Provisória n. 138, de 19.11.2003, convertida na Lei n. 10.839/2004, que acrescentou o art. 103-A à Lei 8.213/91 e fixou em 10 anos o prazo decadencial para o INSS rever os seus atos de que decorram efeitos favoráveis a seus beneficiários.
3. A Terceira Seção desta Corte, ao examinar recurso especial submetido ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, firmou o entendimento de que, relativamente aos atos concessivos de benefício anteriores à Lei n. 9.784/99, o prazo decadencial decenal estabelecido no art. 103-A da Lei n. 8.213/91 tem como termo inicial 1°/2/1999. Precedente: REsp n. 1.114.938/AL.
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no Ag 1.342.657/RS. 5a Turma Relator Ministro Jorge Mussi. DJe 18.4.2011)
Na via administrativa o INSS segue a linha de entendimento do STJ, conforme se observa da redação do art. 442 da IN n. 45/2010:
Art. 442. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1° Para os benefícios concedidos antes do advento da Lei n° 9.784, de 29 de janeiro de 1999, ou seja, com data do despacho do benefício – DDB até 31 de janeiro de 1999, o início do prazo decadencial começa a correr a partir de 1° de fevereiro de 1999.
§ 2° Para os benefícios de prestação continuada, concedidos a partir de 1° de fevereiro de 1999, o prazo decadencial contar-se-á da data em que os atos foram praticados.
Discordamos da orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, pois entendemos que a Administração estava sujeita ao prazo quinquenal para rever seus atos, mesmo antes da publicação da Lei n. 9.784/99, conforme referido no voto do Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira do TRF da 4a Região, no julgamento do AI n° 0003392-13.2011.404.0000/RS.
Dessa forma, podemos concluir que a administração, em atenção ao princípio da legalidade, tem o poder-dever de anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais (Súmulas n. 346 e 473 do STF). Entretanto, este poder-dever deve ser limitado no tempo sempre que se encontrar situação que, frente a peculiares circunstâncias, exija a proteção jurídica de beneficiários de boa-fé, em decorrência dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança.
Cabe destacar que o STF reconheceu repercussão geral quanto à possibilidade de o INSS proceder, em qualquer tempo, à revisão de ato administrativo de concessão de aposentadoria e pensão por morte, ante o alegado erro da Administração, tendo em vista o ato jurídico perfeito e a decadência administrativa. Segue a ementa:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. MILITAR APOSENTADO. EX-COMBATENTE. PENSÃO POR MORTE. REVISÃO DE OFÍCIO. REDUÇÃO DA REMUNERAÇÃO MENSAL. AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO PRÉVIO. DECADÊNCIA. ARTIGO 54, LEI Nº 9.784/99. ARTIGO 103-A, LEI Nº 8.213/91. ALEGADA OFENSA AO ATO JURÍDICO PERFEITO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA (RE 699.535 RG/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 18.03.2013).
Os prazos de prescrição e decadência limitam sobremaneira o direito à revisão dos benefícios previdenciários. Por outro lado, solidificam os procedimentos adotados pelo ente previdenciário em épocas passadas, evitando o pagamento de indenizações de grande vulto.
No direito previdenciário a prescrição quinquenal tem sido aplicada desde o advento do Decreto n. 20.910, de 1932, e os tribunais possuem jurisprudência sedimentada sobre as regras de aplicabilidade.
A decadência surgiu com a Medida Provisória n. 1.523/1997, cujo prazo é de dez anos, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo. Por ser matéria recente, os tribunais divergem sobre a interpretação e o alcance desse novel instituto no âmbito dos benefícios previdenciários.
Neste capítulo são defendidas as seguintes regras de aplicação do prazo de decadência:
a) a decadência não atinge o direito ao benefício em si, mas apenas a possibilidade de revisão do ato de concessão;
b) a contagem do prazo decadencial não reiniciou em face da modificação legislativa promovida pela MP n. 138, de 19.11.2003, convertida na Lei n. 10.839/2004;
c) é inaplicável o prazo de decadência para os atos que não se enquadrem precisamente como atos de concessão de benefício, pela falta de amparo legal;
d) é inaplicável o prazo decadencial para a revisão de decisão administrativa que negou o benefício previdenciário, haja vista que o segurado possui direito adquirido à prestação. Tal direito está protegido constitucionalmente e não pode ter seus efeitos tolhidos pela legislação infraconstitucional;
e) é inaplicável o prazo decadencial para as ações de averbação de tempo de contribuição, mesmo posteriores à concessão do benefício, posto que o cômputo do tempo trabalhado é um direito adquirido;
f) nas revisões promovidas pelo INSS devem ser observados os prazos de decadência, bem como o devido processo legal e a proteção jurídica dos beneficiários de boa-fé, em decorrência dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança que deve prevalecer nas relações de seguro social.
A partir dessas considerações espera-se o avanço na área doutrinária e jurisprudencial sobre a delimitação dos institutos da prescrição e decadência no âmbito dos benefícios da Previdência Social.
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1 Curso de direito civil. 16 ed., São Paulo: Saraiva, 1986, v. 1, p. 286.
2 Ibidem, p. 288.
3 Destacamos que a diminuição do prazo de 10 para 5 anos se deu inicialmente pela MP n. 1663-15, em 22/10/1998. Entretanto, como essa décima quinta edição da Medida Provisória não foi convalidada pela Lei 9.711, a redução do prazo passou a vigorar apenas a partir da edição da Lei em 21 de novembro de 1998. Nesse sentido observe-se o artigo 30 da Lei mencionada, que convalida os atos praticados com base na MP n. 1663-14, de 24/09/1998.
4 ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 329.