Em função da autonomia político-administrativa de cada um dos Entes da Federação, incumbe especificamente à União estabelecer, normatizar e fazer cumprir a regra constitucional do artigo 40 em relação aos seus servidores públicos ocupantes de cargos efetivos e aos vitalícios; a cada Estado-membro da Federação e ao Distrito Federal, em relação a seus servidores públicos estaduais ou distritais e agentes públicos vitalícios; e a cada Município, em relação aos seus servidores públicos municipais, o que acarreta a existência milhares de Regimes de Previdência Social na ordem jurídica vigente.
Todavia, tal regra não confere plenos poderes aos entes da Federação para definir critérios de estabelecimento dos respectivos Regimes Próprios.
Note-se, por exemplo, a decisão do STF na ADI 3106, em que o Procurador-geral da República questionava a filiação de servidores temporários ao regime próprio de previdência dos servidores públicos estaduais de Minas Gerais e a cobrança compulsória de assistência médica, hospitalar, odontológica, social, farmacêutica e complementar dos servidores temporários prestada pelo Instituto de Previdência dos Servidores daquele estado (IPSEMG). Pela decisão da Corte, o estado pode instituir plano de saúde para servidor, mas a adesão ou não ao plano deve ser uma opção dos servidores.
Em outros julgados, o STF decidiu pela impossibilidade de inclusão, em Regime Próprio, de pessoas que não exercem cargo público efetivo:
Art. 34, § 1º, da Lei estadual do Paraná 12.398/1998, com redação dada pela Lei estadual 12.607/1999. (...) Inconstitucionalidade material que também se verifica em face do entendimento já pacificado nesta Corte no sentido de que o Estado-membro não pode conceder aos serventuários da Justiça aposentadoria em regime idêntico ao dos servidores públicos (art. 40, caput, da CF). (ADI 2.791, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJ de 24.11.2006). No mesmo sentido: AI 628.114-ED, Rel. Min. Ellen Gracie, 2a Turma, DJE de 18.12.2009.
A Lei n. 9.717, de 27.11.98, dispõe sobre regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal, e dá outras providências.
A Orientação Normativa MPS n. 2, de 31.03.2009, prevê em seu art. 1º que ficam submetidos às normas ali previstas “Os Regimes Próprios de Previdência Social dos servidores públicos titulares de cargos efetivos, dos Magistrados, Ministros e Conselheiros dos Tribunais de Contas, membros do Ministério Público e de quaisquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações”.
Além disso, estabelece em seu artigo 4º o seguinte:
Art. 4º Considera-se em extinção o RPPS do ente federativo que deixou de assegurar em lei os benefícios de aposentadoria e pensão por morte a todos os servidores titulares de cargo efetivo por ter:
I – vinculado, por meio de lei, todos os seus servidores titulares de cargo efetivo ao RGPS;
II – revogado a lei ou os dispositivos de lei que asseguravam a concessão dos benefícios de aposentadoria ou pensão por morte aos servidores titulares de cargo efetivo; e
III – adotado, em cumprimento à redação original do art. 39, caput da Constituição Federal de 1988, o regime da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT como regime jurídico único de trabalho para seus servidores, até 04 de junho de 1998, data de publicação da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, e garantido, em lei, a concessão de aposentadoria aos servidores ativos amparados pelo regime em extinção e de pensão a seus dependentes.
Duas questões merecem análise, prefacialmente, sobre a matéria: a primeira diz respeito ao disciplinamento dos regimes de previdência de Estados, Distrito Federal e Municípios por normas infralegais ditadas pela União, como a referida Orientação Normativa; a segunda diz respeito à facultatividade ou imperatividade da criação e manutenção de regime próprio de previdência por cada um dos entes federados, em relação a seus agentes públicos ocupantes de cargos efetivos e vitalícios.
É do texto constitucional, em seu art. 24, inciso XII, que se observa a competência legislativa concorrente entre União e Estados/Distrito Federal sobre a matéria previdenciária, e mais, diante do art. 149, § 1º, com a redação conferida pela Emenda Constitucional n. 41/2003, se observa que também os Municípios possuem tal competência, inclusive para a fixação da contribuição devida aos regimes próprios, verbis:
§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.
A União, ao promulgar a Lei n. 9.717, em 1998, pretendeu esclarecer os limites da competência concorrente nesta matéria, em seu artigo 9º, abaixo transcrito:
Art. 9º Compete à União, por intermédio do Ministério da Previdência e Assistência Social:
I – a orientação, supervisão e acompanhamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos e dos militares da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e dos fundos a que se refere o art. 6º, para o fiel cumprimento dos dispositivos desta Lei;
II – o estabelecimento e a publicação dos parâmetros e das diretrizes gerais previstos nesta Lei.
Ocorre que tal previsão legal encontra severas críticas no campo doutrinário. Marcelo Campos, por exemplo, aponta que o MPS vem tratando Estados e Municípios da mesma forma que empregadores privados, com a fixação de regras a tais entes por intermédio de portarias, instruções normativas e ordens de serviços.
Recorda o referido autor que tais atos administrativos, pela lição de Hely Lopes Meirelles, não podem impor condutas a outras unidades da Federação. Critica, por fim, a criação do Certificado de Regularidade Previdenciária – CRP, que tem por escopo atestar a regularidade dos regimes de outros entes federativos que não a União, e se torna necessário para que Estados, Distrito Federal e Municípios tenham acesso a recursos decorrentes da repartição da receita tributária, o que a seu ver viola o princípio da autonomia.1 No mesmo sentido, Mauro Borges discorre que “certos dispositivos da Lei n. 9.717/98 por determinarem aos Estados, Municípios e Distrito Federal a observância de regras que não se caracterizam como normas gerais, são de constitucionalidade duvidosa e, portanto, de validade e eficácia questionável”.2
O Supremo Tribunal Federal, instado a se manifestar em Ação Cível Originária (ACO 830) ajuizada pela Paranaprevidência, concedeu antecipação de tutela para obrigar a União a efetivar repasse de compensação previdenciária, bem como abster-se de aplicar sanções relativas à Lei n. 9.717/98:
(...) Constato, neste exame preliminar, que se adentrou não o campo do simples estabelecimento de normas gerais. Atribuem-se a ente da Administração Central, ao Ministério da Previdência e Assistência Social, atividades administrativas em órgãos da Previdência Social dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos fundos a que se refere o artigo 6º da citada lei. A tanto equivale a previsão de que compete ao Ministério da Previdência e Assistência Social orientar, supervisionar e acompanhar as práticas relativas à previdência social dos servidores públicos das unidades da Federação. Mais do que isso, mediante o preceito do artigo 7º, dispôs-se sobre sanções diante do descumprimento das normas – que se pretende enquadradas como gerais. Deparo, assim, com quadro normativo federal que, à primeira vista, denota o extravasamento dos limites constitucionais, da autonomia própria, em se tratando de uma Federação. Uma coisa é o estabelecimento de normas gerais a serem observadas pelos Estados-membros. Algo diverso é, a pretexto da edição dessas normas, a ingerência na administração dos Estados, quer sob o ângulo direto, quer sob o indireto, por meio de autarquias. Vale frisar que não prospera o paralelo feito entre a legislação envolvida na espécie e a denominada Lei de Responsabilidade Fiscal, editada a partir de previsão expressa contida no artigo 169 da Constituição Federal, impondo limites a serem atendidos pelos Estados, Distrito Federal e Municípios.3. Tenho como atendidos os requisitos próprios à tutela antecipada, valendo assinalar que o poder de cautela é inerente ao Judiciário, à luz dos ditames constitucionais. 4. Defiro a tutela antecipada para afastar, a partir deste momento, o óbice vislumbrado pela União ao repasse obrigatório da compensação previdenciária, bem como a observação, doravante, da exceção imposta a partir da Lei nº 9.717/98, até mesmo quanto à realização de operações financeiras de que trata o artigo 7º dessa lei. (...). (ACO 830/PR, Rel. Min. Marco Aurélio. DJ 04.05.2006)
A nosso ver, de fato há evidente afronta ao princípio de autonomia dos entes federativos na disposição contida no art. 9º da Lei n. 9.717/98, e, por conseguinte, nas Orientações Normativas do MPS sobre a matéria, não cabendo à União, em hipótese alguma, exercer atividades fiscalizatórias ou de certificação de regularidade de atos praticados por autoridades de outros entes, atribuição esta que é privativa dos Tribunais de Contas respectivos.
Sobre a criação, manutenção e extinção de regime próprio por entes da Federação brasileira, compreendida como inaplicável a Orientação Normativa antes citada, resta a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da matéria.
Talvez a discussão seja mais bem colocada se, em vez da dúvida acerca da obrigatoriedade ou não da criação e manutenção de regime próprio por cada ente da Federação, se coloque em foco a regra contida no art. 10 da Lei n. 9.717/98, abaixo transcrita:
Art. 10. No caso de extinção de regime próprio de previdência social, a União, o Estado, o Distrito Federal e os Municípios assumirão integralmente a responsabilidade pelo pagamento dos benefícios concedidos durante a sua vigência, bem como daqueles benefícios cujos requisitos necessários a sua concessão foram implementados anteriormente à extinção do regime próprio de previdência social.
Pelo texto da lei, tem-se a impressão que a interpretação conferida pelo legislador ordinário, ao regulamentar a matéria (diga-se, por apropriado, antes mesmo da promulgação da Emenda Constitucional n. 20, que veio à publicação apenas em 15.12.1998), foi de que até então havia mera faculdade de cada ente federativo em criar o seu regime próprio de Previdência Social, para atender aos ditames do art. 40 da Constituição, que na época ainda não se referia à aposentadoria do servidor público como sendo benefício pertencente a um regime previdenciário – foi a Emenda n. 20/98 que alterou o caput do art. 40 e inseriu tal expressão.
O sentido de existir tal interpretação pode ser objeto de duas hipóteses: a possibilidade (re)aberta pela Emenda Constitucional n. 19, de junho de 1998, de contratação pelo regime da CLT no âmbito da Administração Direta, autarquias e fundações, com o “fim” do regime jurídico único previsto no artigo 39, caput, da redação original do texto constitucional; ou o entendimento de que o artigo 40 da Constituição não estabelece o direito dos servidores públicos à aposentadoria calculada na forma como ali previsto de maneira absoluta, permitindo que servidores, mesmo ocupantes de cargos efetivos ou vitalícios, se aposentassem desde a promulgação da Constituição de 1988 sem o direito à integralidade dos proventos e à paridade entre ativos e aposentados.
Sobre a primeira premissa, cumpre recordar a decisão proferida pelo STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2135, em 02.08.2007, no sentido de suspender liminarmente, até o julgamento final da ADI, os efeitos do art. 39, caput, da Constituição, com a redação conferida pela Emenda Constitucional n. 19, voltando a vigorar a redação anterior à EC n. 19/98. A ministra Ellen Gracie, ao proferir o resultado do julgamento, esclareceu que a decisão tem efeito ex nunc, ou seja, passa a valer a partir de agora. Com isso, toda a legislação editada durante a vigência do art. 39, caput, com a redação da EC n. 19/98, continua válida, explicou a ministra, ressaltando que, dessa forma, ficam resguardadas as situações consolidadas, até o julgamento do mérito3. Ou seja, permanece vigente, na atualidade, a exigência de fixação de regime jurídico único para servidores ocupantes de cargos efetivos – o que leva, necessariamente, à conclusão de que o referido regime é o “estatutário”, ou institucional, e não o contratual – CLT. Com isso, na mesma linha de raciocínio, não há que se falar em filiação de servidor estatutário ao RGPS, pois não se enquadra como “empregado”.
A segunda possibilidade de se ter como correto o dispositivo do art. 10 da Lei n. 9.717/98 – a falta de obrigatoriedade de que os entes da Federação instituam o regime previdenciário próprio para seus servidores – envolve a interpretação que se possa conferir ao art. 40 da Constituição. Com efeito, parece correto o entendimento preconizado por Mauro Borges, que esclarece:
Cumpre resgatar, para melhor compreensão da matéria, que o art. 40 da Constituição Federal assegura Regime de Previdência ao servidor público, titular de cargo efetivo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, exigindo apenas que este tenha caráter contributivo e que observe critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. Não cabe, pois, que a lei ordinária e mesmo uma portaria estabeleçam requisitos segundo os quais o Regime Próprio não possa subsistir.
A existência e manutenção do Regime Próprio decorrem de determinação do próprio texto constitucional e somente uma modificação no art. 40 da Carta Magna poderá ensejar que se estabeleçam exigências outras para a constituição e manutenção dos Regimes Próprios.4
Na jurisprudência do STF também há acórdãos que demonstram o entendimento de haver a obrigatoriedade de manutenção de regimes próprios para todos os entes federados, e desde o texto original do art. 40 da Constituição:
Já assentou o Tribunal (MS 23047-MC, Pertence), que no novo art. 40 e seus parágrafos da Constituição (cf. EC 20/98), nela, pouco inovou “sob a perspectiva da Federação, a explicitação de que aos servidores efetivos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, “é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial”, assim como as normas relativas às respectivas aposentadorias e pensões, objeto dos seus numerosos parágrafos: afinal, toda a disciplina constitucional originária do regime dos servidores públicos – inclusive a do seu regime previdenciário – já abrangia os três níveis da organização federativa, impondo-se à observância de todas as unidades federadas, ainda quando – com base no art. 149, parág. único – que a proposta não altera – organizem sistema previdenciário próprio para os seus servidores: análise da evolução do tema, do texto constitucional de 1988, passando pela EC 3/93, até a recente reforma previdenciária (STF, ADI 2024/DF, Rel. Sepúlveda Pertence, julg. 3.5.2007, DJ22.6.2007 – sem grifos no original).
Assim, entendemos que a fixação de regras constitucionais para a aposentadoria de servidores públicos, conforme a tradição do Direito pátrio, mantida pela redação original da Constituição de 1988, permite a ilação de que se trata de direito subjetivo destes servidores, exercitável em face do Estado, mais especificamente, do Ente da Federação que é responsável por tal concessão, cabendo divergir, nesse particular, da posição adotada por Marcelo Leonardo Tavares, para quem a criação de Regimes próprios de Previdência Social, de caráter contributivo, não seria obrigatória para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.5
Acresça-se ao debate a previsão do § 1º do art. 149 da Constituição, com a redação conferida pela Emenda Constitucional n. 42, já citada linhas atrás, no sentido de que os entes federativos – todos – instituirão contribuição para custeio dos regimes de que trata o art. 40, modificando o antigo parágrafo único do artigo em questão, conforme se transcreve:
Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.
A alteração do texto é sutil, porém identifica a intenção do constituinte derivado: onde antes o texto utilizava o permissivo – “poderão instituir” – agora utiliza o verbo no imperativo “instituirão”, demonstrando a ausência de discricionariedade na matéria.
Ainda sobre este dispositivo, houve ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3.138/DF), e o Plenário do STF acompanhou o voto da Min. Cármen Lúcia, relatora, que julgou improcedente o pedido. Afirmou a relatora que o constituinte derivado, ao fixar o patamar mínimo da alíquota a ser adotado pelos Estados-membros, pelo Distrito Federal e pelos Municípios para fins de cobrança de contribuição previdenciária, teria reiterado critério adotado para outros tributos, a exemplo das hipóteses contidas nos artigos 155, V, a; e 156, § 3º, I, ambos da CF, dentre outras. Assinalou, ademais, não se tratar de ofensa ao pacto federativo, visto que se asseguraria ao poder constituinte, mesmo ao derivado, estabelecer a todos os entes federados condições que melhor atendam aos interesses da sociedade brasileira. Reputou que se pretenderia criar situação de igualdade mínima entre as unidades federativas e manter sua autonomia administrativa, pois impossibilitado o estabelecimento de situações desiguais entre os servidores de diferentes entidades. Ressaltou, ainda, inexistir ofensa aos artigos 24, XII e § 1º; e 25, § 1º, ambos da CF, na medida em que esses dispositivos traçam as competências concorrentes da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal e a competência residual dos Estados, respectivamente. Por sua vez, a aludida emenda constitucional não teria alterado esse equilíbrio, sequer a distribuição de competências. Destacou que o art. 201 da CF estabeleceria o regime geral da previdência social e que o § 9º desse dispositivo determinaria o sistema de compensação financeira entre os diversos regimes, o que seria garantido pelo patamar mínimo discutido. No ponto, enfatizou o Min. Luiz Fux que o equilíbrio financeiro e atuarial seria a própria razão de ser do sistema previdenciário. O Min. Gilmar Mendes, por sua vez, frisou que o Brasil possuiria modelo singular de federalismo cooperativo. Apontou, também, que eventuais abusos por parte das unidades federadas, na hipótese de maximização das alíquotas, seriam suscetíveis de controle (fonte: Informativo STF 640, de 21.09.2011).
Marcelo Campos, em análise aprofundada acerca do tema da obrigatoriedade ou não da adoção de regime próprio por todos os entes federados, conclui que a Constituição efetivamente assegurou – por questão de isonomia – a todos os servidores titulares de cargos efetivos o direito subjetivo ao tratamento ditado pelas regras do art. 40, admitindo, todavia, a impossibilidade material de se exigir o cumprimento da regra por todos os entes, seja por depender de vontade política, seja pelas questões financeiras e atuariais, com o que defende, como saída para o impasse, que nos municípios em que não exista regime próprio, o servidor titular de cargo efetivo seja aposentado pelo INSS, porém devendo o INSS aplicar, no caso, as regras próprias dos servidores, pois este é apenas a entidade autárquica gestora do sistema, devendo aplicar, em cada caso concreto, a legislação aplicável ao respectivo segurado.6
A saída preconizada pelo ilustre professor mineiro é de fato uma alternativa possível, pois é fato que o INSS não aplica exclusivamente a legislação do RGPS no pagamento de benefícios. Basta recordar os benefícios de ex-combatentes e seus dependentes, as pensões a anistiados, os benefícios da LOAS, os pagos a ferroviários, etc.
Como bem esclarece o ilustre professor,
As regras previstas na Constituição de 1988 que disciplinam a previdência dos servidores públicos de cargos efetivos têm como destinatários todos os que se encontram nesta situação, independentemente de qual seja a unidade gestora responsável pela implementação dessas regras. Entendo também que a unidade federada não tem obrigação de criar e manter regime previdenciário, podendo vincular seus servidores titulares de cargos efetivos ao INSS (benefício) e à União – Receita Federal do Brasil (custeio), desde que estes apliquem as regras constitucionais referentes ao regime próprio a este universo de agentes públicos.7
Algumas preocupações, contudo, prevalecem: por exemplo, como ficaria a questão do custeio, já que a legislação do ente federativo produz diferenças no conceito de fato gerador da contribuição, valor máximo do salário de contribuição, alíquotas diferenciadas tanto para o servidor quanto para o ente público? A Receita Federal do Brasil teria de admitir, também, a aplicação integral das regras de custeio dos regimes próprios.
O STF, em decisão inédita, admitiu pedido de tutela antecipada para conceder, de imediato, aposentadoria a um servidor público de município sem regime próprio de previdência, às expensas deste e não do INSS:
QUESTÃO DE ORDEM. MEDIDA CAUTELAR. LIMINAR QUE CONFERIU EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REFERENDO DA TURMA. INCISOS IV E V DO ART. 21 DO RI/STF. SUBMISSÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS RECRUTADOS POR CONCURSO PÚBLICO AO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. TEMA AINDA NÃO ENFRENTADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PARTICULARIDADES DO CASO QUE JUSTIFICAM A CONCESSÃO DA MEDIDA.
A controvérsia do apelo extremo está em saber se ofende o art. 40 da Constituição Federal a submissão de servidores municipais ao Regime Geral de Previdência Social. Servidores, entenda-se, recrutados por concurso público mas sem regime próprio de aposentação. Tema, diga-se, ainda não enfrentado por este Supremo Tribunal Federal. Considerando que o ingresso do autor nos quadros funcionais da municipalidade se deu sob regime jurídico estatutário, que, por mandamento constitucional, já incorporava o direito à aposentadoria por sistema próprio de previdência, e considerando ainda o caráter alimentar dos proventos de aposentadoria, tenho que a antecipação dos efeitos da tutela recursal é de ser deferida. Deferida mediante a contrapartida da contribuição financeira do requerente para o Município, tendo em vista que, à época da aposentadoria dele, requerente, já vigorava o caráter contributivo-retributivo das aposentadorias estatutárias. Contrapartida, no entanto, a ser definida quando do julgamento de mérito do Recurso Extraordinário 607.577. Presença dos pressupostos autorizadores da medida. Questão de ordem que se resolve pelo referendo da decisão concessiva do efeito suspensivo ao apelo extremo.
(AC 2740 SP, Relator: Min. Ayres Britto, 2ª Turma, DJe de 26.6.2012).
A prevalência do entendimento da criação (e manutenção) facultativa de regimes próprios – apesar do posicionamento do STF sobre a matéria, já citado – levaria ainda a uma dúvida mais intensa: a se considerar juridicamente possível a regra do art. 10 da Lei n. 9.717/98, poderia qualquer município, qualquer estado-membro, ou até mesmo a União extinguir o regime próprio de previdência de seus servidores, por mera opção política?
Duas hipóteses podem ser aventadas: (a) a adoção da regra legal de possibilidade de extinção do regime próprio por qualquer ente, sem que seja exigido qualquer fundamento; ou (b) a adoção de tal possibilidade, porém fundamentada a decisão política de extinção em estudos que demonstrem a inviabilidade financeira e atuarial definitiva do regime.
De todo modo, o custo que envolveria a transição parece ser mais alto do que o da manutenção, em razão, até mesmo, da própria regra do art. 10 da Lei n. 9.717/98, que prevê a obrigação de manter todos os benefícios em estoque e os dos detentores de direito adquirido.
Ademais, tem-se notado que a jurisprudência vem reconhecendo o direito dos servidores a receber, dos cofres dos municípios que não respeitaram o art. 40 da Constituição, o pagamento da diferença entre o valor devido conforme aquele dispositivo e o valor pago pelo RGPS – o que geraria também despesas não previstas nos cofres dos entes públicos, complicando as contas públicas destes. Neste sentido, colaciona-se a decisão abaixo:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTATUTÁRIO. APOSENTADORIA SOB A REGRA DO ART. 40, § 3º, COM A REDAÇÃO DA EC Nº 20/98. INEXISTÊNCIA DE REGIME PREVIDENCIÁRIO MUNICIPAL. CONTRIBUIÇÃO PARA O REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. OBRIGAÇÃO DO MUNICIPIO DE COMPLEMENTAR OS PROVENTOS. RECURSO PROVIDO.
Se o Município, após o advento da Emenda Constitucional nº 20/98, não criou ou extinguiu o regime próprio de previdência, fica obrigado a complementar os proventos da aposentadoria do servidor estatutário pela diferença entre o valor pago pelo Regime Geral da Previdência Social e a última remuneração no exercício do cargo público (TJSC, Apelação Cível 2005.024727-0, Rel. Desembargador Newton Janke, julg. 30.3.2006).
Um indício de possível inconstitucionalidade da Lei n. 9.717 é a previsão de limites de gastos com aposentadorias e pensões, matéria reservada à Lei Complementar (art. 169 da Constituição Federal).
A norma em vigor é a Lei Complementar nº 82 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que estabelece que nenhum ente federativo poderá dispender mais de 60% de suas receitas correntes líquidas com pessoal e encargos sociais, aí incluídos os ativos, inativos e pensionistas, civis e militares. Mas o art. 2º da Lei 9.717 dispõe:
§ 1º A despesa líquida com pessoal inativo e pensionistas dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos e dos militares de cada um dos entes estatais não poderá exceder a doze por cento de sua receita corrente líquida em cada exercício financeiro, observado o limite previsto no caput, sendo a receita corrente líquida calculada conforme a Lei Complementar nº 82, de 27 de março de 1995.
Todavia, ainda não houve manifestação jurisprudencial a esse respeito, já que os entes públicos preferem evitar o risco de eventual suspensão da transferência de recursos decorrentes da arrecadação tributária.
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1 CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito. Regime Próprio de Previdência Social de Servidores Públicos. Belo Horizonte: Líder, 2004, p. 57.
2 BORGES, Mauro Ribeiro. Previdência Funcional e Regimes Próprios de Previdência. Curitiba: Juruá, 2003, p. 114.
3 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Notícias STF do dia 02.08.2007. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 26.12.2007.
4 BORGES, Previdência Funcional..., cit., p. 115.
5 TAVARES, Marcelo Leonardo (coord.). Comentários à reforma da previdência: EC n. 41/2003. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 3.
6 CAMPOS, op. cit., p. 89.
7 CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito de. As consequências da obrigatoriedade de regime próprio de previdência aos servidores públicos titulares de cargos efetivos. In: FOLMANN, Melissa, e FERRARO, Suzani. Previdência: entre o direito social e a repercussão econômica no século XXI. Curitiba, Juruá, 2009, p. 232.