[16]

Meu talento, em todo caso, não se sustentava apenas na minha louca imaginação.

Nem na minha boa memória. Nem nos floreios aprendidos com minha mãe e nos roucos narradores das radionovelas (em vez de dizer “Então beijou-a na boca”, eu me esmerava um pouquinho mais: “Então apagou o cigarro, olhou-a nos olhos, rodeou-a com seus braços fornidos e posou seus lábios nos dela”). Nada disso importava tanto como a concentração.

O principal era a concentração.

Eu tinha um poder de concentração à prova de tudo. À prova das pessoas que iam ao cinema para conversar. À prova dos gritos dos menores. À prova dos coques na cabeça que lá de trás os barrabás maiores distribuíam. Mas, acima de tudo, à prova desses meninos licenciosos e um tanto maiores que iam ao cinema não para ver o filme, mas para dar o bote nas meninas.

Para eles, era como um esporte. E se uma de nós não deixava, eles chamavam de “pirralha” e se lançavam em cima de alguma outra. Sentavam-se ao lado de uma que estivesse sozinha e pouco a pouco pegavam em sua mão. Depois, tratavam de abraçá-la. De beijá-la. Alentados pelas meninas mais lançadas, ou pelas mais medrosas, alguns chegavam à ousadia de apertar seus seios. Ou de meter a mão no meio de suas pernas.

(Uma vez um dos barrabás mais grandalhões – diziam que era uma aposta – tirou a calcinha cor de rosa de uma menina, fez com que girasse triunfalmente sobre as cabeças e lançou-a ao ar, e como o filme era chatíssimo, os espectadores, com grande alvoroço, começaram a jogar a calcinha de um para outro).

Eu não deixava.

Mesmo que me dissessem que eu estava bancando a mosca morta. Não me importava nem um pouco. A verdade é que apesar de meus curtos anos eu já havia brincado brincadeiras de papai e mamãe com os amigos dos meus irmãos. Mas no cinema, eu ia para ver o filme.

Não podia, por motivo algum, me desconcentrar.