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A televisão foi se apoderando do povoado feito uma epidemia desconhecida e altamente contagiosa. E, ao que parecia, sem antídoto conhecido.

Depois da confeitaria de dom Primitivo, foi o Clube dos Empregados, onde instalaram um novo aparelho. Antes que se passasse um ano, todo mundo tinha um em casa. Os peões, de 14 polegadas; os funcionários e a chefia, de 23. Os tetos das vielas de casas se transformaram em bosques de antenas e uma chuva de palavras novas começou a ser ouvida por todos os cantos: áudio, sinal, seletor, canal, set.

A televisão tinha vindo para ficar.

Pela primeira vez começaram a aparecer fileiras inteiras de assentos vazios no cinema. Da mesma forma, as pessoas deixaram de ir sentar-se na praça. Até as ruas começaram a parecer mais desertas do que sempre pareciam, principalmente na hora em que a televisão passava Barnabás Collins, um açucarado seriado de vampiros.

Quanto a mim, só de vez em quando alguma anciã enferma – e sem televisão – mandava me buscar para que contasse um filme antigo. Ou me convidavam para cantar no Sindicato dos Peões um número de fundo em algum sarau artístico.

Nessas ocasiões, e embora os aplausos já não fossem os mesmos de antes, eu voltava a ser feliz.