Capítulo 11

Ethan me trouxe café na cama no dia seguinte. Sentei recostada na cabeceira e puxei os lençóis para me cobrir. Com uma sobrancelha levantada, ele sentou na beira da cama e me entregou a xícara com cuidado.

— Acho que acertei, mas prova você e me diz.

Dei um gole e fiz uma cara.

— Botei metade de leite e três colheres de açúcar. — Ele deu de ombros. — Você mesma preparou a máquina, eu só apertei o botão.

Mantive o suspense por mais um minuto até abrir um sorriso e dar mais um gole no café, que estava delicioso.

— Que foi? Só estou me certificando de que é capaz de preparar corretamente uma boa xícara de café. Tenho meus padrões. — Pisquei para ele. — Acho que você consegue, senhor Blackstone.

— Você é um demônio, me tentando desse jeito. — Ele se inclinou para me beijar, tomando cuidado com o café quente. — Gostei da ideia de deixar a cafeteira pronta na véspera. Não sei como nunca pensei nisso.

Ethan continuava perto do meu rosto, me encarando com atenção, o cabelo ainda desarrumado depois de uma noite de sono e sexo, mesmo assim ainda parecendo um deus.

— Acho que você vai ter que vir aqui toda noite para prepará-la, antes de vir para a cama comigo. — Ele deu uma mordidinha no meu pescoço. — Aí, vou poder te trazer café de manhã, como hoje, você nua e linda, com o meu cheiro pelo corpo, depois de uma noite trepando.

Senti um arrepio ao imaginar aquilo tudo, mas ainda tínhamos muita coisa para discutir. Esse era um problema entre mim e o Ethan. A gente nunca falou o suficiente sobre o que era preciso resolver. Cada vez que ele chegava perto de mim, as roupas caíam, meu corpo reagia e, bom, nunca se conseguia falar muito depois disso.

— Ethan — falei, com carinho, ao mesmo tempo em que empurrei gentilmente o rosto dele, para afastá-lo. — Precisamos conversar. O lance do guarda-costas, o Neil? Por que você fez isso e nem me contou?

— Eu ia te falar ontem, depois que te trouxesse para cá. Mas as coisas acabaram acontecendo de outro jeito. — Desviou o olhar e abaixou o rosto. — A cidade está cheia de estrangeiros, minha querida. Você é uma mulher linda e não acho que seja seguro pegar o metrô e andar por aí sozinha. Lembra daquele idiota de merda na boate?

— Mas sempre fiz isso tudo antes de te conhecer e estava tudo muito bem.

— Sei que estava. Mas você ainda não era minha namorada. — Me deu um daqueles olhares, do tipo que me faz ficar tensa e esperar o golpe de ar frio. — Sou dono de uma empresa de segurança, Brynne. É o que faço. Como posso deixar você andando por aí em Londres, quando eu conheço todos os perigos? — Ele levou uma das mãos até o meu rosto e começou o já conhecido movimento com os polegares. — Por favor? Por mim? — Encostou a testa na minha. — Eu morreria se alguma coisa acontecesse com você.

Botei minha mão no cabelo dele, enterrando bem meus dedos.

— Ah, Ethan. Você exige tanto de mim, e às vezes me sinto como se não fosse aguentar. Há tanta coisa sobre mim que você não sabe. — Ele começou a falar e eu o calei com meus dedos sobre sua boca. — Coisas que ainda não estou pronta para dividir. Você disse que a gente podia ir devagar.

Ele beijou os meus dedos que estavam sobre os lábios dele e os tirou dali.

— Eu sei, minha querida. Eu disse. E não quero fazer nada que coloque nossa relação em risco. — Beijou meu pescoço e beliscou a pontinha da minha orelha. — A gente pode conversar sobre um compromisso?

Dei um puxão no cabelo dele, para que parasse com as táticas de sedução e olhasse para mim.

— Primeiro você precisa falar comigo de verdade e não tentar me distrair com sexo. Você é muito bom nisso, Ethan. Vamos, me diz o que você quer que eu faça, que eu te digo se consigo fazer.

— Que tal você aceitar um motorista? — Ele acompanhou com o dedo a linha do lençol sobre os meus seios. — Nada de viagens no metrô ou de pegar táxi à noite. Você vai ter um carro pra te levar aonde quiser.

Fez uma pausa e me encarou com aqueles olhos expressivos, que me diziam tanto sobre o desejo que tinha de me proteger.

— Assim eu teria mais tranquilidade — completou.

Dei mais um gole no café que ele havia me trazido e decidi que era a minha vez de perguntar.

— E por que você precisa ter tranquilidade em relação a mim?

— Porque você é muito especial, Brynne.

— Como assim, Ethan? — sussurrei, porque tinha medo da resposta. Tinha medo dos meus próprios sentimentos por ele. Em tão pouco tempo, ele já me possuía completamente.

— Pra mim? Você é tão especial quanto alguém pode ser. — Deu aquele sorriso que era a marca registrada dele, meio tortinho de lado, e meu estômago deu uma cambalhota.

Ethan não disse que me amava. Mas tampouco eu havia dito a ele. Sabia que ele se importava comigo, isso era claro.

Ele baixou os olhos mais uma vez e pegou a minha mão que estava livre, com a palma para cima. Minha cicatriz no pulso bem à mostra. A cicatriz da qual tenho tanta vergonha, que tento esconder, mas que é impossível de disfarçar quando é dia e estou nua. Ele acompanhou o traçado irregular com a ponta de um dos dedos, mas eu não abri a boca para contar nada a ele. A dor da lembrança, somada à vergonha, me paralisava e me impedia de falar sobre o assunto.

Tinha sentimentos por aquele homem, mas não podia dividir isso com ele. Minha indignidade era feia demais, horrível demais para ser colocada entre nós dois. Nesse momento, tudo que queria era ser desejada. O Ethan me desejava. Era o suficiente para que eu concordasse. Passinhos de neném. Aceitaria as condições dele, o motorista; e ele aceitaria minha incapacidade de dividir o passado com ele. Iríamos devagar.

— Ok. — Inclinei-me para a frente e dei um beijo no pescoço dele, acima do V da camiseta, os pelos do peito espetando minha boca, o cheiro dele já tão familiar que era como uma necessidade, assim como água, comida e ar. — Aceito o motorista, mas você vai me dizer sempre o que faz. Preciso de honestidade. Gosto de que você seja tão direto comigo. Você fala o que quer e eu entendo.

— Obrigado. — Começou a me beijar de novo. O café foi colocado de lado e o lençol já não me cobria mais. Ethan tirou a camiseta, se livrou da calça de pijama e se esticou sobre mim. Finalmente pude dar uma boa olhada no corpo dele. Completamente nu. Em plena luz.

Meu deus do céu!

Do peito, que parecia ter sido esculpido, ao pau, impressionante e lindo, eu estava hipnotizada. Ele tinha os pelos aparados, nada esquisito, só bonito e bem masculino.

Ele parou e inclinou a cabeça.

— O quê?

Empurrei-o para trás, obrigando-o a se sentar sobre os joelhos, e me levantei também.

— Quero olhar para você. — Passei as mãos pelo corpo dele, começando pelos mamilos, passando por aquele músculo em V, tão pecaminosamente esculpido que era uma verdadeira injustiça com o resto da população masculina, para chegar nas coxas musculosas, cobertas por uma leve camada de pelos escuros. Me deixou tocá-lo e controlar aquele momento. — Você é lindo, Ethan.

Ele fez um som gutural e seu corpo se enrijeceu. Nossos olhos se encontraram e houve uma troca, uma comunicação de sentimentos e uma compreensão de aonde estávamos indo, empurrados por essa força que nos liga.

Baixei o olhar para o tronco do pau dele, duro, pulsante. Uma gota na cabeça dava mostras de que ele estava pronto. Eu o queria tanto que até doía. Queria dar prazer a ele, queria que ele viesse abaixo como ele fez comigo, que fiquei entregue, em mil pedacinhos. Abaixei a cabeça e botei aquele pau lindo na minha boca. Tive meu desejo realizado instantes depois.

Nos despedaçamos no chuveiro também, ou melhor, eu me despedacei, quando ele me empurrou para o canto, ajoelhou-se e devolveu o favor. O sexo nunca acabava com esse homem. Estava a bordo do trem do sexo com ele, exibindo meu cartão de passageiro frequente, acumulando milhas. Não tinha tanto sexo desde...

Não faça isso, não estrague esse momento com ele.

Ethan tinha uma tatuagem nas costas. Bem em cima dos ombros havia um par de asas. Elas pareciam góticas, talvez greco-romanas, traçadas bem forte em preto. Adorei a frase debaixo das asas — No more yielding but a dream1 — que eu vi no banho quando ele se virou para pegar o sabonete.

— Isso é Shakespeare, né? — Passei a mão sobre a tatuagem. Foi quando vi as cicatrizes. Muitas linhas claras e sulcos. Tantas que não dava para contar. Respirei fundo, assustada e desesperadamente triste só de imaginar o quanto ele deve ter sofrido. Quis perguntar, mas segurei a língua. Afinal, eu também não quis falar das minhas cicatrizes.

Ele se virou e me beijou nos lábios, antes que eu pudesse dizer uma palavra. Ethan não queria falar das cicatrizes dele, tanto quanto eu não queria falar das minhas.

***

Depois de mais de uma semana de noites dormidas na casa do Ethan, eu precisava voltar ao meu apartamento para mais do que simplesmente pegar uma muda de roupas e sair. Sentia falta de recarregar as baterias no meu próprio lar. O Ethan concordou em vir aqui essa noite. Disse a ele que visitar uma favela faria bem à alma. Ele me sacaneou de volta e respondeu que não se importava, desde que tivéssemos algo para comer e uma cama, porque os dois estariam nus durante a noite, mesmo. Avisei que se a Gaby aparecesse, nós teríamos que nos vestir, porque não queria dar à minha amiga a chance de babar pela aparência divina do meu namorado. Ethan riu e disse que adorava o tom do ciúme na minha voz. Falei que era bom que ele viesse com fome e vestido. Ele ainda ria quando a gente desligou o telefone.

Depois que o Neil me deixou em casa, troquei de roupa e vesti uma calça de yoga e uma camiseta podrinha. Ele me buscou na Rothvale, fizemos uma parada no supermercado para comprar os ingredientes do jantar mexicano que planejava fazer. Ethan já sabia que a comida mexicana era minha favorita — e eu estava decidida a trazê-lo para o meu time. O menu da noite? Tacos de frango com molho de milho e abacate. Se o Ethan detestasse, eu prepararia um burrito para ele. Nenhum cara resiste a um burrito cheio de carne, feijão, queijo e guacamole. Era o que eu esperava. Os ingleses são meio estranhos com comida.

Assim que comecei a cozinhar o frango e já tinha lavado as mãos, decidi ligar para o meu pai. Lá seria de manhã, mas ele estaria no trabalho, e se não estivesse muito ocupado, poderíamos bater um papo. Botei o celular no viva-voz e liguei para o escritório.

— Tom Bennett.

— Oi, papai.

— Princesa! Estava com saudade de ouvir sua voz. É uma boa surpresa.

Sorri com a escolha de apelido para mim que meu pai tinha feito. Ele me chamava de princesa desde sempre, desde que consigo me lembrar. E agora eu tinha 24 anos, mas ele não parecia nem um pouco preocupado em mudar de apelido.

— Pensei em te ligar dessa vez, para variar um pouco. Estou com saudade.

— Está tudo bem aí em Londres? Animada com as Olimpíadas? Como foi a exposição do Benny? Você gostou das suas fotos ampliadas em telas gigantescas?

Eu ri.

— Foram quatro perguntas de uma vez só, pai! Pega leve com a sua filha, vai.

— Desculpa, princesa. Fiquei feliz em te ouvir. Você está tão longe, sempre ocupada com a sua vida. As provas das fotos que você mandou estavam magníficas. Conta da exposição do Benny para mim.

— Bom, foi um sucesso. O Benny se deu bem, os quadros venderam. Arranjei alguns outros trabalhos também, então estou indo com calma, vendo como vão as coisas. — Ficava feliz em poder falar assim com o meu pai, e em saber que ele apoia meus trabalhos como modelo. Ele achou que fosse ser bom para mim, ao contrário da minha mãe, que ficou envergonhada de ver a filha posando pelada.

— Você vai ficar famosa no mundo todo. Tenho orgulho de você, princesa. Acho que posar vai te ajudar. Espero que você também sinta isso. — Ele soava um pouco estranho, quase triste. — O que você está fazendo agora?

— Tô fazendo o jantar. Tacos. Um amigo deve estar chegando daqui a pouco... Pai, tá tudo bem com você?

Ele hesitou por um instante antes de responder, mas eu já sabia que tinha alguma coisa que o incomodava.

— Brynnie, você viu a notícia do avião que caiu, causando a morte do congressista Woodson?

— Vi. Era ele que queriam indicar para vice-presidente? Essa notícia teve destaque até aqui. Por que, pai?

— Você ouviu quem vai substituir o Woodson na chapa?

Nunca podia esperar o nome que ele me disse. E, simples assim, o passado tomava fôlego e me mostrava as garras de novo.

— Ah, não. Não me diz que o senador Oakley foi o indicado! Você só pode estar brincando que esse — esse! — homem pode ser o próximo vice-presidente dos Estados Unidos! Como é possível que escolham ele? Papai!

— Eu sei, querida. Ele vem abrindo caminho nos últimos anos. Primeiro, foi deputado, depois senador...

— É, bom, eu espero que todos morram queimados em uma grande fogueira.

— Brynne, isso é coisa séria. Todo mundo vai remexer o passado dele, tentando achar sujeiras do Oakley e da família. Quero que você tome cuidado. Se qualquer pessoa se aproximar de você, ou te mandar alguma correspondência suspeita, eu preciso que você me avise na mesma hora. Essas pessoas têm como descobrir tudo. São como tubarões. Quando eles sentem uma gota de sangue, eles se preparam para o ataque.

— Bom, é o senador Oakley que tem um demônio no lugar de um filho. Eu diria que quem tem um grande problema é ele.

— Eu sei, meu amor. A gente que trabalha para o Oakley vai trabalhar com o mesmo empenho para manter os segredos da família bem enterrados. Não é uma situação fácil, e eu odeio que você esteja tão longe de casa. Mas chego a pensar que pode ser bom que você esteja em Londres. Não quero que ninguém te magoe. Quanto mais distante você estiver, melhor. Nada de más lembranças reaparecendo nos jornais, nem nada parecido.

Como um vídeo. Sabia que era isso o que meu pai estava pensando. Aquele vídeo ainda deveria estar por aí, em alguma parte do ciberespaço.

— Você tá indo tão bem, princesa. Posso ouvir isso na sua voz, o que faz com que seu velho aqui sorria. Então, esse jantar de hoje. Não é para um homem, é?

Sorri, enquanto misturava o molho de milho.

— Bem, eu conheci uma pessoa, sim, pai. Ele é muito especial, em vários aspectos. Ele comprou um quadro meu na exposição do Benny. Foi assim que nos conhecemos.

— Mesmo?

— Mesmo. — De repente, me senti esquisita contando ao meu pai sobre o Ethan. Talvez porque nunca tivesse falado muito de namorados com ele. Nunca houve motivo para isso. Havia muito tempo que eu não gostava de ninguém.

— Conta mais. O que ele faz da vida? Quantos anos ele tem? Bom, aproveita e me dá o telefone dele. Preciso ligar para ele e colocar esse cara na linha com a minha filhinha.

Dei uma risada nervosa.

— Acho que é um pouco tarde para isso, pai. O Ethan é bem especial, como eu disse. A gente passou muito tempo juntos. Ele me escuta e me sinto realmente feliz com ele. Ele me entende.

Meu pai ficou em silêncio por um minuto. Acho que ele estava chocado em me ouvir falar de um homem como se ­realmente me importasse com ele. Eu não devia me surpreender. O Ethan era o primeiro em uma longa fila de primeiros.

— Qual é o sobrenome do Ethan e o que ele faz da vida?

— Blackstone. Ele tem 32 e é dono de uma empresa de segurança particular. É tão paranoico que me deu um motorista, para eu não pegar mais o metrô. Toda essa gente vindo para as Olimpíadas tá deixando ele todo neurótico. Por isso você não precisa se preocupar com a minha segurança. Ethan é profissional.

— Bom, isso parece realmente sério. Vocês estão dormin... em um relacionamento?

Ri de novo, dessa vez com um pouco de pena dele, pelo óbvio desconforto que ele sentia.

— Sim, pai. A gente tem um relacionamento. Eu te disse que esse era especial. — Esperei o silêncio do outro lado e comecei a esquentar as tortilhas. — Aliás, ele ganhou um torneio de pôquer nos Estados Unidos há uns seis anos. Pensei que você pudesse já ter ouvido falar dele.

— Hummmm. — Papai fez um som como se estivesse tentando se lembrar. — Talvez, tenho que checar.

Ouvi uns barulhos do outro lado da linha.

— Melhor te deixar ir, pai. Você está no trabalho e eu só queria dar um oi e contar o que vem acontecendo comigo. Estou bem e as coisas vão bem.

— Ok, princesa. Fiquei feliz que você ligou. E tô feliz se a minha filhinha tá feliz. Se cuida, e diz pro seu novo namorado que se ele te magoar ele será um namorado morto. Não esquece. Dá meu número para ele também. Diz pra ele que seu pai quer ter uma conversa de homem para homem um dia desses. Podemos falar sobre pôquer.

Eu ri.

— Certo, vou fazer isso, papai. Te amo!

Ethan chegou no momento em que eu desligava o telefone. Ele trazia uma embalagem de Dos Equis e um sorriso safado no rosto. Tinha dado minha chave ao Neil, para que ele a entregasse ao Ethan. Assim ele entraria na portaria sem problemas. Ele botou a chave e a cerveja no balcão da cozinha antes de perguntar:

— Ouvi mal ou você estava dizendo que amava alguém, um segundo antes de eu entrar?

Sorri e balancei a cabeça, concordando.

— Era um homem também.

Ethan veio até mim, atrás do balcão da cozinha, botou as mãos nos meus ombros e começou a fazer massagem. Eu me reclinei no tronco forte dele e relaxei um pouco.

— É um cara sortudo então. Imagino o que ele tenha feito de tão especial.

Olhou para a comida separada em potinhos e roubou um pedaço de frango cozido.

— Hmmmm! — ele saboreou o pedacinho, com a boca ainda bem perto do meu pescoço.

— Bom, ele leu histórias na cama para mim. Desembaraçou meu cabelo molhado sem puxar nem me machucar. Me ensinou a andar de bicicleta e a nadar. Sempre dava beijinhos nos meu dodóis quando eu me ralava e, mais importante, abria a carteira frequentemente... Mas isso foi mais tarde.

— Posso fazer todas essas coisas para você e muito mais — resmungou, enquanto pegava mais um pedacinho de frango. — Especialmente, a parte do “muito mais”.

Dei um tapa na mão dele:

— Ladrão!

— Você cozinha bem — sussurrou no meu ouvido. — Acho que tenho que ficar com você.

— Então você está gostando do meu jantar mexicano... Vejo que você se ateve ao tema e trouxe cerveja Dos Equis. Bem pensado, Blackstone. Você tem potencial. — Comecei a botar as vasilhas na mesa.

— Dos Equis é mexicana? Eu só escolhi essa porque gosto dos anúncios... — Deu um sorriso maroto e me ajudou a transferir o resto da comida.

— Ladrão e mentiroso! — Balancei a cabeça em reprovação. — Você acaba de detonar todo seu potencial, Blackstone.

— Vou te fazer mudar de ideia mais tarde, Bennett. — Ele sorriu para mim de lá da pia, onde lavava rapidamente as mãos, antes de abrir duas cervejas para a gente. E completou, levantando alternadamente as sobrancelhas: — Tenho potencial de sobra! — Ethan me entregou uma Dos Equis, admirou a mesa posta e inclinou a cabeça, pensativo, antes de pedir: — Dá uma ajuda aqui, como eu monto esses tacos? Aliás, o cheiro tá muito bom.

Não pude conter o riso. O jeito que ele disse “tacos”, com o sotaque britânico, foi demais. E a maneira que ele falou, também. Eu ri muito.

— O que é tão engraçado? Estou te divertindo, senhorita Bennett?

— Aqui, deixa eu fazer para você. — Mostrei como botar o frango, o molho de milho, o creme azedo, um pouco de queijo ralado e algumas fatias de abacate na tortilha, e depois, dobrá-la. Entreguei a ele o taco pronto, no prato. — Você é adorável, só isso, senhor Blackstone. Esse seu sotaque às vezes me faz rir.

— Ah, então eu fui de “sem potencial” a “adorável” em um curto espaço de tempo. E só falando! — Ele pegou o prato e esperou que eu preparasse o meu. — Vou ter que me lembrar disso, baby.

Ethan deu um daqueles sorrisos de um milhão de dólares e bebeu um pouco de cerveja.

— Vamos lá, prove o taco e me dê o veredito. E que fique bem claro, eu sei quando você está mentindo para mim. — Apontei para minha cabeça. — Tenho superpoderes de adivinhação. — Peguei meu taco e dei uma mordida, gemendo e exagerando os sons de prazer, arqueando o pescoço para trás. — Hum, está tão delicioso que me deixou até com tesão — falei baixinho, a voz sexy, do outro lado da mesa.

Ethan me olhou como se eu estivesse com chifres de diabinha, e engoliu em seco. Sabia que ele ia descontar essa provocação em mim depois. Nem liguei. O Ethan era divertido. A gente se divertia junto e isso era o que eu amava nele. Amava. Eu o amava?

Ele levou o taco até a boca, deu uma mordida e ficou me encarando, enquanto mastigava e engolia. Limpou os lábios no guardanapo e olhou para cima, pensativo, fingindo fazer contas nos dedos. Tomou mais um gole de cerveja.

— Bom, vamos ver. Chef Bennett, te dou cinco pela preparação. Rir de mim te tirou logo cinco pontos, de cara. Seis pela apresentação; todos aqueles gemidos na mesa de jantar... Foi um pouco injusto, não acha? E um nove e meio pelo sabor. — Deu mais uma mordida e sorriu. — O que você acha?

Ele estava tão lindo sentado ali à mesa da minha casa, comendo tacos preparados por mim, carinhosamente me dizendo que tinha gostado da comida, e simplesmente sendo Ethan, que soube imediatamente a resposta para a minha pergunta. Eu amava o Ethan? Sim. Eu o amo.

1 N.T.: No more yielding but a dream é um verso do monólogo do personagem Puck, na peça “Sonho de uma noite de verão”, de William Shakespeare (Ato V, cena I). Nas versões brasileiras, a frase é comumente traduzida para Não foi mais que um sonho.