O livre-arbítrio
Desde que Adão e Eva comeram o fruto da árvore do bem e do mal (isso é figurativo), o homem teve que aprender a existir em um mundo de dupla polaridade. E assim tem sido, quer aceitemos, quer não. Todo ser humano tem que lidar com o conflito entre suas inclinações positivas e negativas.
Mesmo os maiores mestres precisam enfrentar suas inclinações negativas. O que talvez diferencie um mestre seja sua capacidade de exercer o livre-arbítrio. Falamos muito de liberdade, mas será que sabemos o que ela realmente significa?
Nos lendários anos 1970 pregava-se que livre era aquele que fazia o que queria, quando queria. Essa ideia de liberdade ilimitada conquistou muitos adeptos pelo mundo. Mas, na prática, não funcionou. Com o “tudo pode” muitos casamentos foram destruídos e muitas pessoas morreram pelo uso exagerado de drogas.
Dentro da sabedoria cabalística, o conceito de liberdade é definido de forma diametralmente oposta ao “tudo pode”. Ou seja, torna-se livre aquele que tem a opção de não fazer o que quer. Difícil de entender? Para absorver melhor essa ideia, vamos usar o exemplo de um animal, que faz sempre aquilo que quer, mas, como se sabe, está longe de ser livre.
O animal é totalmente previsível. Se tem fome, não vai sossegar enquanto não comer. Se necessário, agredirá um outro animal, mas vai atender às suas necessidades vitais. Se ele está no cio, vai procurar o acasalamento desesperadamente, arriscando a própria vida se preciso for. Ou seja, o animal, totalmente movido pelo instinto natural, é como uma máquina – programado e sem livre-arbítrio. No entanto, o homem, e somente ele, tem a possibilidade de negar uma inclinação natural. Por isso é esse ser único e que produziu um impacto tão radical no planeta.
Veja como é real o nosso poder de decisão: se você está sonhando comer uma torta de chocolate mas sabe que é prejudicial à sua saúde, você pode negar essa vontade. Na verdade, você recusa um desejo em função de um outro desejo ainda maior: o de viver com saúde.
Esse é o verdadeiro livre-arbítrio. A capacidade de romper com o padrão de comportamento automático. A capacidade de dizer “não” mesmo quando o instinto natural quer dizer “sim”. E é por isso que todos os caminhos espirituais impõem restrições. Sem elas, não conseguimos ser livres.
Mas o mundo onde vivemos incentiva o não limite. As mulheres nuas, por exemplo, estão em todos os lugares. Na televisão, nas revistas, nas bancas de jornais. O efeito colateral é grave. Isso naturalmente vai diminuir, se é que já não vem reduzindo, o desejo dos homens pelas mulheres.
E o Satã, seu inimigo interno, aproveita-se dessa dinâmica para criar as suas armadilhas. O tempo todo ele tenta convencer você a não criar restrições. É como se repetisse ao pé do seu ouvido: “Se tem vontade, faça.”
Assim, você é levado a acreditar que precisa de muito dinheiro para adquirir um monte de coisas que a sociedade tecnológica oferece. Mas o fato de ter dinheiro só lhe garante a possibilidade de comprar um determinado bem, mas não assegura o prazer gerado pelo objeto nem o tempo necessário para usufruí-lo.
Como já vimos, o que realmente desejamos não é o objeto propriamente dito, mas sim o sentimento de felicidade que ele pode trazer.
Esse é o verdadeiro código por trás da história de Noé. Diante de um mundo dominado pelas inclinações negativas, Noé construiu a sua arca e atravessou o dilúvio. Esse episódio, que aconteceu há milhares de anos, ainda serve como metáfora para os dias de hoje, pois, desde os tempos do dilúvio, nosso maior inimigo é a própria inclinação negativa.
Como Noé, temos a possibilidade de refletir sobre nossos núcleos sombrios e começar a dizer “não” para tudo aquilo que é destrutivo.
Porém, separar a Luz da sombra nem sempre é fácil. Nossos cinco sentidos muitas vezes nos enganam, e o inimigo se utiliza muito desses deslizes para nos ludibriar.
A grande pergunta é: como saber se uma situação que aparece em sua vida representa algo luminoso, fruto de um desejo construtivo, ou uma armadilha de seu inimigo interno?
Para respondê-la, torna-se necessário ampliar a visão.