A humildade
Já tinham se passado 400 anos desde a morte de José. Após esse período, um novo faraó subiu ao poder e esqueceu tudo o que José havia feito por aquela nação. Assim, transformou em escravos os descendentes do outrora governante do Egito.
A situação piorou de vez quando o faraó egípcio condenou à morte toda criança que viesse a nascer de ventre hebreu. Por isso Moisés nasceu condenado à morte.
Por obra do destino, ele foi criado no palácio do faraó, como membro da família real. Quando se tornou adulto, Moisés conheceu a vida fora do palácio e acabou se deparando com uma cena brutal: um guarda egípcio surrava um escravo hebreu. Ao tentar defender o escravo, Moisés envolveu-se em uma briga que culminou com a morte do guarda. Então ele teve que se afastar e fugir.
Durante o exílio, Moisés viveu numa cidade vizinha. Lá, ele teve uma forte revelação. Nesse momento foi eleito para libertar seu povo da escravidão. Assim aparece na Bíblia:
“E disse Moisés ao Eterno: ‘Quem sou eu, que irei ao faraó e tirarei os filhos de Israel do Egito?’ E o Eterno disse: ‘Porque eu estarei contigo.’”
ÊXODO 3.11-12
Uma frase curta já mostra quem era o personagem em questão. Diante de uma revelação divina, eleito para uma grande missão, ele pergunta: “Quem sou eu para um destino tão grandioso como este?”
Eis a essência da humildade: quando a pessoa não dá, por quaisquer motivos, excessiva importância a si própria. Existem dois aspectos básicos no desenvolvimento dessa virtude.
O primeiro aspecto está relacionado à humildade da mente. Afinal, nenhum homem dotado de razoável inteligência se ilude com suas virtudes, por maiores que sejam. Sua própria condição humana estará sempre lhe revelando inúmeras falhas. Nesse reconhecimento não haverá espaço para o orgulho e a vaidade.
A humildade da ação virá em uma segunda etapa. Ela consiste, basicamente, em suportar a maledicência alheia, até mesmo o insulto, e escapar, sempre que possível, dos elogios.
Quem viu o Zico jogar sabe do que estamos falando. Com o estádio lotado, os torcedores vibrando, Zico atuava de forma divina. Encantava a multidão com a beleza de seu futebol e com seus gols espetaculares. Ao final do jogo, quando era entrevistado pelos repórteres, todos se desdobrando em elogios, a postura de Zico era sempre humilde: atribuía a vitória ao trabalho do time e à alegria contagiante da torcida. Talvez esse seja um dos motivos pelos quais, mesmo tendo parado de jogar há muitos anos, ele jamais será esquecido.
Esse é o grande desafio enfrentado por aqueles que chegam a um elevado grau de qualidade naquilo que fazem.
O reconhecimento de duas diferentes qualidades do “eu” é uma questão fundamental no caminho do homem desperto. Um é o eu essencial, que contém toda a potencialidade da criação; o outro é o eu ego, muito diferente do primeiro.
O primeiro lhe permite simplesmente ser, aceitando-se da maneira que você realmente é e agradecendo pela oportunidade da vida. Já o segundo eu é sempre identificado com algo que você pensa que é ou que representa para o mundo.
Enquanto o eu essencial se alimenta da Luz Permanente, derivada diretamente da fonte, o eu ego sobrevive da Luz Perecível e, por isso, fica vulnerável ao brilho da casca. Sim, porque enquanto estiver encoberto por cascas, ofuscado pelo brilho delas, você não conseguirá olhar profundamente para as pessoas. Você só poderá enxergar o rótulo.
O eu ego se utiliza muito do julgamento. Dessa forma, passa a julgar tudo e todos como se fosse um grande juiz, fazendo questão de sempre emitir suas opiniões sobre o que é certo e o que é errado.
Quem age dessa forma se torna arrogante e acaba por se isolar. Um exercício que ajuda muito é você imaginar como ficaria o mundo sem os seus julgamentos. Será que alguém iria sentir falta do seu veredicto sobre o certo e o errado?
A verdade é que o excesso de julgamentos o afasta dos outros e, principalmente, de você mesmo. E a melhor maneira de mudar esse comportamento é buscar o esvaziamento.
Você pode fazer isso praticando o silêncio. Experimente respirar mais profundamente e desligar, sempre que possível, as incansáveis vozes externas e internas que tanto sugam sua energia.
Um grande pesquisador foi convidado para dar uma palestra num lugar muito distante e de difícil acesso. Depois de uma longa viagem por terra, ele ainda precisou pegar um pequeno barco para poder chegar ao seu destino.
Durante a viagem, incomodado com o silêncio, ele puxou conversa com seu único companheiro na embarcação, o barqueiro:
– Senhor barqueiro, você conhece matemática, geometria ou astrologia?
O barqueiro, semianalfabeto, respondeu um tanto sem graça:
– O que é isso, algo para comer?
O especialista, um tanto presunçoso, respondeu:
– É uma pena que você não saiba do que estou falando, pois perdeu metade de sua vida por não conhecer esses assuntos.
O barqueiro ficou chateado e fechou a cara, evitando esticar a conversa. Algum tempo se passou e o barco colidiu com uma pedra, partindo-se em dois pedaços. Com a forte correnteza, o barqueiro caiu para um lado e o cientista, para o extremo oposto. O barqueiro, vendo que o outro estava se afogando, gritou:
– Professor, o senhor sabe nadar?
O cientista, apavorado, respondeu que não. O barqueiro gritou novamente:
– Pois o senhor acaba de perder a vida inteira por não saber nadar.
Essa é a tônica da maioria dos grandes eruditos. Com uma mente superlotada de informações, e muito afastada do ser meditativo, eles acabam se julgando superiores por adquirirem uma sabedoria que, na verdade, não tem utilidade alguma.
Mas essa, definitivamente, não foi a conduta pela qual Moisés se guiou. Ele era humilde porque compreendia que não estava só. Sabia que todo o seu talento como líder e toda a sua capacidade de realizar fenômenos extrafísicos eram, na verdade, atributos emprestados da Luz Permanente do mundo infinito. É essa qualidade de energia que aparece na Bíblia com o nome de “Eterno”.
E talvez por isso Moisés tenha sido o protagonista do episódio mais marcante de toda a Bíblia, assunto da nossa última habilidade.