4.

Querida irmã, aqui os dias são maravilhosos, e as noites repletas de abundância e felicidade! Despedi-me das minhas noites ao abrigo das copas das árvores para lá de Ladugårdslandet e entre os túmulos da igreja de Katarina e, com uma parte do dinheiro que o Hagström me deu, aluguei um quarto na zona de Pomona, em Överskärargränd. Foi uma visão de cortar a respiração. Das janelas do sótão, os telhados estendem-se até onde a vista alcança e brilham como ouro polido sob a luz do Sol. Agora tenho a minha própria cama, no topo desta cidade dourada, onde os raios do Sol chegam muito depois de as ruas estarem mergulhadas na penumbra. À noite, as luzes da cidade chegam até mim, e, quando ergo o olhar, as estrelas parecem muito mais próximas. Tenho um lugar no chão em frente ao fogão para o Sylvan. Enquanto partilhávamos uma garrafa, discutimos a nossa nova situação e pensámos como podíamos arranjar mais dinheiro até eu estar pronto para começar a estudar no Serafen. Gabámo-nos e rimo-nos enquanto dávamos palmadinhas nas costas um do outro e brindávamos.

Rapidamente percebemos qual era a melhor forma de gerir a nossa fortuna, os meus quase vinte Riksdaler e os quatro que o Rickard conseguira emprestados do Clemens Montell. O dinheiro não ia durar para sempre. Cada um daqueles Riksdaler tinha de ser multiplicado. «Para ganharmos mais, temos de fingir ser exactamente o contrário do que somos: dois jovens com berço, vítimas da avareza dos pais, mas em vias de herdar grandes fortunas. O tipo de jovens a quem emprestar dinheiro parece um investimento no futuro.» Com estas palavras, o Sylvan pôs-me um braço pelos ombros e fomos ao alfaiate junto ao Ferken. Levámos uma mão-cheia de Riksdaler e escondemos o resto dentro do meu colchão de palha. A princípio, o alfaiate recusou-se, mas tornou-se muito cooperante quando lhe mostrámos o dinheiro. Procurámos cuidadosamente nas gavetas e armários roupas da melhor qualidade, mas usadas o suficiente para terem um preço razoável. Experimentá-las foi um prazer que nunca hei-de esquecer. Como dois jovens nobres, fizemos caretas, batemos palmas e fingimos elogiar-nos um ao outro em francês enquanto nos víamos ao espelho: «Magnifique, monsieur von Blix!» «Bem pode dizê-lo, Sr. de Sylvan!» Comprámos coletes com bordados vermelhos e roxos, cada um o seu casaco com bordados dourados nos punhos, camisas novas e calças pelos joelhos feitas de pelica, com meias altas e sapatos com fivelas vistosas. O Sylvan encontrou uma peruca de crina de cavalo em muito melhor estado do que a peruca ruiva que usara até então, ao passo que eu continuei a escolher usar o meu cabelo louro num rabo-de-cavalo, embora agora cuidadosamente penteado com um pente de marfim e preso com uma fita junto ao pescoço. Lado a lado em frente ao espelho, mal podíamos acreditar nos nossos olhos. Abraçámo-nos com a emoção do momento. O Sylvan passou muito tempo a queixar-se do preço que o alfaiate tivera a ousadia de cobrar, e depois pusemos o dinheiro em cima da bancada e saímos.

E assim disse adeus não só às roupas gastas e às noites passadas sob as estrelas, mas também aos estabelecimentos que havíamos frequentado até ali, onde os bêbedos vomitavam para cima dos seus companheiros de mesa, passavam prostitutas de uns para os outros e se pegavam à pancada sempre que a oportunidade surgia. Em vez disso, passámos a frequentar o Börsen, as caves famosas da cidade e os bailes no palácio. É engraçado como as pessoas se dispõem prontamente a ajudar quem não precisa de ajuda, ao mesmo tempo que se desviam do caminho para não terem de ver os pobres. Rapidamente nos tornámos amigos de filhos de condes, homens nobres e chefes das guildas e tentávamos sempre mostrar-nos graciosos, divertidos, animados. Irmã, lembras-te de quando te contei do meu primeiro baile em Slottsbacken, onde deixámos alegremente que nos deitassem vinho para cima, nas galerias? Desta vez não tivemos dificuldade em entrar nos bailes e espantámo-nos com a prontidão com que os intrusos que rastejavam pelo chão se deixavam humilhar em troca de bebida. Encontrámos uma situação em que nunca mais tivemos de pagar por nada do que comíamos ou bebíamos, bastando para isso procurar a companhia dos que estavam dispostos a oferecer.

E assim passámos muitas noites de Verão. Quando já era claro que pertencíamos ao grupo das festas e todos perguntavam por nós sempre que a nossa ausência se fazia notar, começámos a pedir dinheiro emprestado. Escrevíamos notas promissórias em troca dos empréstimos, com as assinaturas que havíamos ensaiado diligentemente a esta mesma mesa e com a mesma pena de ganso com que te escrevo agora. Nenhum dos nossos novos amigos revelou o menor cepticismo. Para eles, o dinheiro não tinha valor, mas a nossa amizade e companhia eram muito apreciadas. À noite, virávamos os bolsos para cima do colchão em Överskärargränd e notávamos que os nossos vinte e quatro Riksdaler se tinham transformado em trinta, depois em quarenta e que agora haviam duplicado. Registávamos as nossas dívidas e distribuíamos os ganhos da noite para pagar alguns empréstimos mais antigos. Ao fim de pouco tempo, ganháramos a confiança de todos e, se um benfeitor relutante expressasse dúvida, pedíamos emprestado a um dos anteriores o suficiente para lhe pagar. Desta forma, o saldo do colchão foi aumentando. Os cinquenta transformaram-se em setenta, os setenta em noventa.

«Querido Kristofer Blix, amado irmão e apreciado companheiro», disse o Sylvan um dia quando regressou de um passeio ao sol, ao longo da Skeppsbron, «diz-me, alguma vez ouviste falar do Lomber?» «Sim, claro», respondi, «é um jogo de cartas, não é? Como o Faraó?» «Sim e não! O Faraó é um jogo em que a sorte dita quem ganha. No Lomber, é a perícia, a sorte não conta.» «A que se deve este interesse por jogos de azar, Rickard?», perguntei, sentando-me na cama e saboreando o calor como um gato.

E foi então que ele explicou: muitos dos cavalheiros estão obcecados com o Lomber, e grandes somas trocam de mãos às mesas de jogo, todas as noites, nos salões onde se pode jogar sem a interferência da polícia. Eu disse imediatamente que me opunha a apostar o nosso dinheiro em jogos, porque o risco me parecia muito superior à possibilidade de ganharmos. «Espera, Kristofer, não me deixaste explicar até ao fim!», protestou o Sylvan. «Há partidas e partidas. Encontrei o Block em Logården — conheceste-o na Ópera na semana passada, lembras-te? Ele falou-me de umas noites que são organizadas pelo seu amigo Carsten Vikare. O Vikare selecciona previamente os seus convidados, com base em três critérios: riqueza, maus hábitos de bebida e natureza crédula. Há cinco jogadores por mesa, mas quatro conspiram contra o convidado, que não tem qualquer outra possibilidade a não ser perder o dinheiro todo. Chamam ao pobre coitado a lebre, e está subentendido que eles são os cães. Comunicam sem palavras, por meio de gestos e sinais. Os conspiradores partilham o ganho igualmente entre si, à excepção do anfitrião, cujo ganho é a dobrar.» «Sim, e então?», perguntei, mas não podia negar que despertara o meu interesse. «Kristofer, há um lugar livre a uma dessas mesas. E esse lugar foi-me oferecido. O risco é mínimo, e o Block garantiu-me que só preciso de ter um conhecimento rudimentar do jogo. Se a lebre for suficientemente gorda, podemos duplicar o nosso tesouro numa noite, Kristofer. Duzentos Riksdaler!»

Foi como se o meu estômago tivesse sido invadido por um enxame de abelhas. Sentei-me na cama tão depressa que fiquei zonzo. Fui buscar uma garrafa de vinho e dois copos e enchi-os. Brindámos. «Ao Sylvan e ao Blix!», gritei. «Jovens, belos e em breve mais ricos do que nunca!» «Ao Blix e ao Sylvan!», respondeu ele, «e aos duzentos Riksdaler ou mais!» Saímos para comprar um baralho de cartas nessa mesma tarde e jogámos partidas sucessivas de Lomber até o Rickard compreender as regras do Carl Gustaf Block, mas logo chegou a hora de nos pormos bonitos e de nos dirigirmos para a Stortorget e para a nossa diversão nocturna. O jogo não parecia difícil. Das quarenta cartas, são dadas oito a cada um dos jogadores. À vez e por ordem, cada um faz apostas relativamente a quantas rondas tenciona ganhar com as oito cartas. O mais ousado escolhe o trunfo. «Tal como na vida», declarou o Sylvan, esvaziando o copo.