Cruz Vermelha

Gastão Castro Neto

A Pedro Nava — este poema feito sob a influência da leitura de seus livros

O Cristo das igrejas suspende o ostensório

E levanta dos chãos os lamentos

Onde as mulheres choram como damas

De afortunado reinado e preciosa viuvez: o Cristo

Das igrejas lamenta pela barriga ganha, pelo jogo vencido,

Pela dança partida nos cogumelos das paredes,

Ondeia com as ondas de um mar que não volta mais,

Tremula diante dos céus prefigurados pela mão cheia

De nervos históricos e histriônicos que ainda assim

Carregam pelo ar as tintas da santidade, santidade antes

Apunhalada pelas mãos do singelo, pelos pés do caríssimo,

Pelo corpo que mói as culpas por dentro como majestade não vencida

De ondas de orvalho levadas ao lá dentro do mundo ou

O conhecimento secreto das ruas perdidas do amor,

Pois eu me amo, tu me amas, ele me ama…com sabor de vinho

Tomado nas noites preferidas pelos defuntos, noites onde o sal

E o gosto de veneno amargando as solitudes,

Noites onde querência de mais e mais sabor

Destrói de cada um o olhar insone, a culpa redimida…culpa

Antes minha que tua, antes tua que dos outros,

Antes destes mares carregados de fêmeas verdes

E levados pelo sem-fim dos sarrafos ao serralho das gotas miúdas,

O gosto angelical da culpa tremulando em cada casa

Erguida como igrejas esquecidas de contatos de tantos graus

Meus e de ninguém mais… mais o anjo, mais o diabo,

Mais a cruz tremulante de incrustações

Onde armam-se os nervos das velhas beatas debruadas em vermelho,

Ou o roxo das paixões… ou o desconhecimento.

 

O Cristo de mim suspende do fim

A lágrima circuncidada em pecados varonis,

O pé no engodo dos esgotos da cidade velha,

O corpo tremulando como a cabeça de João Batista

Transfigurada em caracóis nordestinos

Levando, devagar e sempre, o coração em serpentinas

Onde as veias prefiguram a aparição da lenda,

Lenda em cada mês, semana, tempo de mim

Suspender os diabos de suas atitudes sombrias

E dançando com eles proclamar a redenção final

Com os tecidos da pele se regozijando em películas

Da mais fina teimosia, ou o dia insone.

 

É aqui, ou lá dentro do mundo

O lugar onde encontro o ex-voto de minhas ladainhas

Ou eu mesmo pagando os aluguéis ao santíssimo,

Traduzindo o dizer em febres e cócegas,

Cego chegando ao outro (corpo) sem saber o final

Onde impera o orgasmo com seu gozo acre,

Seu sabor de quem sabe os gostos todos,

E sabe também da flagelação ante o fim dos fins

Que sempre será um fim de mim (dizendo e cantando)

Fim de mim no outro matutar a pele e o pelo meu.