Na floresta do Triângulo Goualougo, no Congo, um chimpanzé quebra um galho fino de uma pequena árvore rasteira, arranca as folhas e enfia-o num cupinzeiro próximo. Dentro do cupinzeiro, os operários brancos tenros fogem do galho, enquanto cupins soldados acorrem para se apoderar do galho com suas mandíbulas afiadas, aferrando-se ao galho num esforço mortal. O chimpanzé sabe disso. Espera um pouco até que uma massa de defensores tenha se acumulado, depois ergue o galho, arranca os soldados e os devora. Essa prática não ocorre em todos os lugares. Faz parte da cultura local dos chimpanzés em certas populações, mas não em outras, aprendida por um indivíduo observando outro.
Na terra dos ianomâmis, entre o rio Negro e o rio Branco, numa região que cobre parte do Brasil e da Venezuela, um pequeno grupo de aldeões deixa uma casa coletiva e caminha rumo a um rio, a três quilômetros dali. Lançam veneno de timbó na água, aguardam e coletam os peixes que assomam à superfície. O pescado é levado para casa e dividido com os outros na aldeia. Essa prática ocorre no verão. Em outras épocas, as mulheres vêm, uma por uma, ao rio. Agarram os peixes com as mãos e mordem suas costas para matá-los. Ao largo da costa do Alasca, num nível bem diferente, pescadores profissionais do mar profundo lançam longas linhas contendo fileiras de anzóis no leito do oceano Pacífico, a uma profundidade de mais de mil metros. Pescam o bacalhau-negro (ou gindara quando vira sushi). O pescado é limpo e refrigerado, transportado aos mercados na costa e distribuído no mundo inteiro para restaurantes chiques e mesas privadas.
A prática da pesca é uma cultura particular que evoluiu ao longo de provavelmente milhões de anos, bem devagar no princípio e depois se acelerando até atingir uma velocidade explosiva. O caminho para um jantar de peixe é apenas uma dentre um sem-número de categorias culturais que brotaram na mente do homem, se ramificaram e juntaram desde o limiar da era neolítica, enfim se combinando para criar a substância da civilização global moderna. Nós não inventamos a cultura. Os ancestrais comuns aos chimpanzés e pré-humanos a inventaram. Nós elaboramos o que nossos antepassados desenvolveram para nos tornarmos o que somos hoje.
Como definida em linhas gerais por antropólogos e biólogos, a cultura é a combinação de traços que distingue um grupo de outro. Um traço cultural é um comportamento primeiro inventado dentro de um grupo ou aprendido de outro, depois transmitido entre os membros do grupo. A maioria dos pesquisadores também concorda que o conceito de cultura deveria ser aplicado igualmente aos animais e seres humanos, de modo a enfatizar a continuidade dos primeiros para os segundos e, não obstante, a complexidade imensamente maior do comportamento humano.
As culturas mais avançadas conhecidas entre os animais são aquelas dos chimpanzés e seus parentes próximos, os bonobos. Estudos comparativos de populações de chimpanzés espalhadas pela África revelaram um número surpreendente de traços culturais, e diferenças nas combinações desses traços, encontrados de uma população para outra.
O papel da imigração de um membro do grupo por outro na disseminação dos traços da cultura foi comprovado por experimentos com duas colônias de chimpanzés. No procedimento, pesquisadores selecionaram uma fêmea popular de cada um dos dois grupos e fizeram para ela uma demonstração privada de como obter comida de um recipiente especialmente projetado. Com a comida como recompensa, as fêmeas de chimpanzé aprenderam depressa. Uma delas desenvolveu uma técnica de “empurrar” e a outra uma técnica de “levantar”. Ao retornarem aos seus próprios grupos, cada fêmea continuou praticando o método mostrado. A grande maioria de seus companheiros logo passou a usar o mesmo método para abrir o recipiente. A disseminação pode ter sido uma imitação direta da fêmea professora, mas é igualmente possível que os alunos aprenderam observando os movimentos mecânicos do ministrador de comida. Se esta última possibilidade se mostrar verdadeira, estudos adicionais poderão revelar que entre os chimpanzés o aprendizado social é bem diferente do que entre os seres humanos.
A ocorrência de cultura autêntica também foi documentada de forma convincente entre orangotangos e golfinhos. Um exemplo impressionante de inovação e transmissão cultural entre estes últimos é a pesca com esponja pelos golfinhos comuns em Shark Bay, na Austrália. Uma pequena minoria de fêmeas prende um fragmento de esponja no focinho e o enfiam em esconderijos estreitos no fundo dos canais da baía para expulsar peixes de lá. A cultura entre os golfinhos não deveria nos surpreender. Eles estão entre os animais mais inteligentes, só perdendo para os macacos e macacos antropoides. Como os golfinhos são também grandes imitadores em suas interações sociais, parece bem provável que os inovadores de Shark Bay se envolvam numa verdadeira transmissão cultural. Então por que os golfinhos e outros cetáceos inteligentes, cuja evolução se estende por milhões de anos atrás, não progrediram mais na evolução social? Três razões se destacam. Ao contrário dos primatas, não possuem ninhos ou locais de acampamento. Seus membros dianteiros são nadadeiras. No ambiente aquático o fogo controlado é uma eterna impossibilidade.
A elaboração da cultura depende da memória de longo prazo, e nessa capacidade os seres humanos estão bem acima dos demais animais. A vasta quantidade armazenada em nossos cérebros anteriores superdimensionados faz de nós exímios contadores de histórias. Evocamos sonhos e relembranças da experiência de toda uma vida para criar cenários passados e futuros. Vivemos em nossa mente consciente com a consequência de nossas ações, reais ou imaginadas. Exteriorizadas em versões alternativas, nossas histórias interiores permitem que anulemos os desejos imediatos a favor do prazer adiado. Pelo planejamento de longo prazo, derrotamos, ao menos por um tempo, a insistência de nossas emoções. Essa vida interior torna cada pessoa única e preciosa. Quando alguém morre, uma biblioteca inteira de experiência e imaginações se extingue.
Quanto é que a morte extingue? Acho que tenho uma boa ideia da resposta. Ocasionalmente fecho os olhos e retorno na lembrança para Mobile e para a Costa do Golfo do Alabama mais ou menos como eram nos anos 1940. Chegando lá, de novo um menino, viajo de uma ponta à outra do condado, em minha bicicleta Schwinn de marcha única e com pneu-balão. Mais detalhes se apresentam nitidamente. Lembro minha família estendida, cada membro com sua própria rede de pessoas e lembranças compartilhadas em parte com os outros. Eles existiram no que deve ter parecido o centro do mundo no centro do tempo. Viveram como se a Mobile de então nunca viesse a mudar muito. Tudo importava, cada detalhe, ao menos por algum tempo. De algum modo, tudo coletivamente lembrado era importante para alguém. Agora todas essas pessoas se foram. Quase tudo conservado em sua vasta memória coletiva foi esquecido. Sei que, quando eu morrer, minhas lembranças e, com elas, esse mundo anterior, e a imensidão de conhecimentos que continha, também desaparecerão. Mas sei também que todas aquelas redes, e toda aquela biblioteca de lembranças, ainda que tenham desaparecido, foram vitais para uma parte da humanidade. Por causa delas sobrevivi e fui em frente.
Os animais também têm lembranças de longo prazo, que ajudam bastante na sobrevivência. Os pombos conseguem memorizar até 1200 figuras. O quebra-nozes-de-Clark, uma espécie de pássaro que na natureza armazena bolotas do carvalho à maneira dos esquilos, recordou, quando testado em cativeiro, até 25 depósitos num aposento que continha 69, e conservou as lembranças por até 285 dias. Ambas as espécies são superadas, o que não causa surpresa, pelos babuínos. Testes revelaram que esses primatas obviamente inteligentes conseguem memorizar ao menos 5 mil itens e retê-los por ao menos três anos. A memória humana de longo prazo é, por sua vez, bem maior do que a de qualquer animal conhecido. Ao que eu saiba, nenhum método foi concebido para medir a capacidade de um ser humano individual, ainda que numa ordem de magnitude aproximada.
O grande dom do cérebro humano consciente é a capacidade — e com ela o impulso inato irresistível — de desenvolver cenários. Para cada história, a mente consciente evoca apenas uma fração ínfima da memória de longo prazo acumulada do cérebro. O modo como isso é feito permanece controvertido. Um grupo de neurocientistas argumenta que fragmentos da memória de longo prazo são transformados em memória operacional para compor cenários. Uma segunda escola acredita, com os mesmos dados, que o processo é obtido simplesmente pela excitação da memória de longo prazo — sem a necessidade de nenhuma transferência de um setor do cérebro para outro.
Em ambos os casos, está claro que, durante os relativamente rápidos 3 milhões de anos de evolução, o gênero Homo gerou algo de que qualquer outra espécie de animal jamais se aproximou: um banco de memória mantido em um enorme córtex cerebral de mais de 10 bilhões de neurônios, cada neurônio estendendo uma média de 10 mil ramificações que se conectam com outras células semelhantes. Essas ligações, as unidades básicas do tecido do cérebro, formam caminhos intricados de circuitos e estações retransmissoras integradoras. Redes de caminhos e estações retransmissoras, às vezes chamadas de módulos, organizam de algum modo todos os instintos e lembranças de um cérebro humano.
De início, a imensa complexidade na arquitetura do cérebro criou um problema difícil para modelos teóricos de genética aplicados à teoria evolutiva. O genoma humano contém apenas 20 mil genes codificadores de proteínas. Desses, somente uma fração determina nossos sistemas sensorial e nervoso. O problema levantado é: como uma arquitetura celular tão complicada pôde ser programada com tão poucos genes?
O dilema da escassez de genes foi solucionado por um conceito originário da genética do desenvolvimento. Pesquisadores descobriram que vários módulos podem ser construídos por instruções que primeiro os replicam com base num único programa, seguido por programas separados (e genes distintos) que comandam que cada tecido do módulo se especialize de acordo com sua localização no cérebro. Uma especialização adicional pode ser obtida pelas informações recebidas do ambiente exterior ao cérebro. Num paralelo simples, uma centopeia não precisa de um conjunto de centenas de genes para programar o desenvolvimento de seus cem pares de pernas. Somente alguns darão conta do recado. Muita coisa resta por ser aprendida sobre o controle genético do desenvolvimento do cérebro, mas ao menos a capacidade teórica dos genes humanos de realizá-lo foi demonstrada.
Com o código genético do desenvolvimento do cérebro humano deixando de ser um mistério, podemos nos voltar à origem da mente e da linguagem. Os cientistas há muito abandonaram a ideia do cérebro como uma tábula rasa sobre a qual toda a cultura é gravada por aprendizado. Nessa visão arcaica, tudo que a evolução conseguiu foi uma capacidade excepcional de aprender, baseada numa capacidade gigantesca da memória de longo prazo. Um ponto de vista diferente agora predomina: o cérebro possui uma arquitetura complexa herdada. Em consequência de como se desenvolveu, a mente consciente, um dos produtos da arquitetura, originou-se pela coevolução gene-cultura, uma interação intricada entre a evolução genética e cultural.
Os arqueólogos aderiram aos geneticistas e neurocientistas no esforço por entender a origem evolutiva da linguagem e da mente. Para reconstituir os passos e os momentos desses eventos fugidios, iniciaram um novo campo de estudos chamado “arqueologia cognitiva”. De início, tal disciplina híbrida poderia aparentar poucas chances de sucesso. Afinal, além de ossos exumados, o único indício deixado pelos seres humanos antigos consiste em cinzas de fogueiras, fragmentos de ferramentas, restos descartados de refeições e outros refugos. Mesmo assim, por métodos novos de análise e experimentação, pesquisadores chegaram a esta conclusão: o pensamento abstrato e a linguagem sintática emergiram no máximo 70 mil anos atrás. A chave para essa conclusão está na existência de certos artefatos e em deduções do processo mental necessário para produzir tais artefatos. De especial importância nessa linha de raciocínio é a colocação de pontas de pedra nas extremidades das lanças. A prática já começou 200 mil anos atrás entre os neandertais da Europa e o Homo sapiens primitivo da África. Essa em si foi uma invenção tecnológica importante, mas pouco informa sobre raciocínio e comunicação. Porém, 70 mil anos atrás, um grande avanço novo do Homo sapiens, quando recentemente analisado, lançou uma luz sobre a evolução cognitiva. A confecção de lanças, o estudo concluiu, tornou-se mais sofisticada. Uma série de passos era seguida para produzir lanças, da queima e moldagem da ponta de pedra cortada ao uso de goma arábica, cera de abelha e outros artefatos para manter a ponta presa. O que isso nos informa sobre a cognição foi bem sintetizado por Thomas Wynn:
Os artífices precisavam entender as propriedades de seus ingredientes (por exemplo, coesão) para conseguirem julgar os efeitos da temperatura, para serem capazes de alternar a atenção entre variáveis separadas em rápida mudança e para serem flexíveis o suficiente para se ajustarem à variabilidade inerente aos ingredientes da natureza.
E quanto à fala? Uma mente consciente capaz de gerar abstrações e reuni-las num cenário complexo poderia, ao que parece, também gerar uma linguagem sintática, com sequências de sujeito, verbo e objeto.
Na busca das origens antigas de qualquer espécie, é comum voltar-se para a biologia comparativa a fim de aprender como outras espécies com parentesco próximo viveram e podem ter evoluído. A busca da gênese da mente humana levou os cientistas a examinarem de perto os neandertais (Homo neanderthalensis), sobre os quais viemos a conhecer muita coisa. A espécie irmã da humanidade moderna ocupou a Europa na época em que o Homo sapiens vinha adquirindo seus poderes cognitivos avançados na África e persistiu ali por mais de 200 mil anos. O último homem de Neanderthal de que temos registro morreu cerca de 30 mil anos atrás no sul da Espanha. A espécie quase certamente foi levada à extinção pelo Homo sapiens, quando essa espécie mais adaptável se espalhou gradualmente para o norte e oeste através do continente europeu.
Figura 21-1. O pouco progresso da cultura neandertal durante a história da espécie provavelmente se deveu à incapacidade de concatenar domínios da inteligência para criar padrões abstratos novos e imaginar cenários complexos. (De Steven Mithen, “Did farming arise from a misapplication of social intelligence?” Philosophical Transactions of the Royal Society, B, 362, pp. 705-18, 2007.)
De início a disputa foi equilibrada. Os homens de Neanderthal começaram pau a pau com seus concorrentes sapiens enquanto estes ainda estavam na África. Suas ferramentas de pedra eram de início tão sofisticadas quanto as dos sapiens. Suas facas tinham gumes retos e afiados, usados provavelmente para raspar. Outras tinham gumes serrilhados, provavelmente utilizados para serrar. Pedras pontudas foram presas de forma simples em paus para fazer lanças. O kit de ferramentas do homem de Neanderthal parece concebido para a vida da espécie como caçadores de grandes animais. Os neandertais evidentemente se deslocavam bastante, como é normal entre especialistas carnívoros. Eles cozinhavam e talvez defumavam a carne, trajavam roupas e se protegiam, em seus pobres locais de acampamento, do frio rigoroso do inverno com a ajuda do fogo. Com base no sequenciamento recente de seu código genético, o que em si já é uma realização científica notável, sabemos que possuíam o gene fox2, associado à capacidade de linguagem, numa sequência de código específica só compartilhada com o Homo sapiens. Portanto, é bem possível que tivessem uma linguagem. Na maturidade os cérebros dos neandertais eram em média ligeiramente maiores do que os do Homo sapiens. Os cérebros de seus bebês e filhos também cresciam mais rapidamente do que os do sapiens.
Figura 21-2. O avanço da inteligência e da cultura do Homo sapiens no Paleolítico Superior é sugerido aqui. O avanço notável da cultura humana no Paleolítico Superior deveu-se evidentemente à capacidade de associar lembranças armazenadas em diferentes domínios para criar formas novas de abstração e metáfora. (De Steven Mithen, “Did farming arise from a misapplication of social intelligence?” Philosophical Transactions of the Royal Society, B 362, pp. 705-18, 2007.)
Figura 21-3. A interação complexa de diferentes domínios mentais no cérebro humano moderno é ilustrada pela atividade em diferentes partes do cérebro enquanto um adulto (a) pensou no uso de ferramenta e (b) comunicou a mesma ferramenta com mímica. Os mapas de atividade foram obtidos por ressonância magnética funcional. (De Scott H. Frey, “Tool use, communicative gesture and cerebral asymmetries in the modern human brain”, Philosophical Transactions of the Royal Society, B 363, pp. 1951-7, 2008.)
Os neandertais são fascinantes em todos os aspectos como outra espécie humana paralela ao Homo sapiens — um experimento evolutivo disponível para comparação com o nosso próprio. E talvez o mais interessante não seja o que foram, mas o que deixaram de se tornar. Praticamente nenhum progresso ocorreu em sua tecnologia ou cultura durante seus duzentos milênios de existência. Nenhuma tentativa de confecção de ferramentas, nenhuma arte e nenhuma decoração pessoal — ao menos nada disso existe nos indícios arqueológicos de que dispomos até agora.
Figura 21-4. A imensa complexidade do cérebro humano pode ser imaginada por este modelo dos 100 mil neurônios, numa porção medindo meio milímetro por dois milímetros, de um cérebro de roedor com duas semanas de idade. Unidades computacionais básicas desse tipo são repetidas milhões de vezes no cérebro humano. (Jonah Lehrer, “Blue brain,” Seed, n. 14, pp. 72-7, 2008. Da pesquisa de Henry Markham et al., École Polytechnique Fédérale de Lausanne.)
Tabela 21-1. As culturas de diferentes grupos de chimpanzés silvestres na África são definidas por suas combinações de comportamentos socialmente aprendidos. [Baseado no resumo de Mary Roach, “Almost Human”, National Geographic, pp. 136-7, abr. 2008.]
Figura 21-5. A estepe do mamute, teatro da explosão criativa da cultura, é preservada em campos gramados e florestas nas montanhas semelhantes às do atual Refúgio Nacional de Vida Silvestre do Ártico. Durante a era glacial, o Homo sapiens avançou através da Eurásia ao sul da geleira continental, caçando animais grandes e substituindo sua espécie irmã Homo neanderthalensis. (“O outono onírico”, de Arctic Sanctuary: Images of the Arctic National Wildlife Refuge. Fairbanks: University of Alaska Press, 2010, p. 115. Fotografias de Jeff Jones, ensaios de Laurie Hoyle.)
Enquanto isso, o Homo sapiens seguiu adiante, e, mais ou menos na época em que os neandertais saíram de cena, as realizações cognitivas do sapiens floresceram substancialmente. A primeira população avançou ao norte ao longo do Danúbio até as terras centrais europeias cerca de 40 mil anos atrás. Dez mil anos depois, as inovações que marcaram a era paleolítica superior haviam começado: arte rupestre figurativa elegante, esculturas incluindo uma cabeça de leão num corpo humano, flautas de ossos, incêndios controlados em áreas delimitadas para direcionar e capturar a caça e xamãs em trajes típicos.
O que catapultou o Homo sapiens até esse nível? Os especialistas no assunto concordam que a memória de longo prazo aumentada, especialmente aquela aplicada à memória operacional, e com ela uma capacidade de desenvolver cenários e planejar estratégias em breves períodos, desempenharam um papel-chave na Europa e em outras partes, tanto antes como depois da saída da África. Qual foi a força propulsora que levou ao limiar da cultura complexa? Parece ter sido a seleção de grupo. Um grupo com membros capazes de interpretar intenções e cooperar entre si, enquanto previam as ações dos grupos concorrentes, teria uma enorme vantagem em relação a outros menos dotados. Ocorreu sem dúvida competição entre membros do grupo, levando à seleção natural de traços que davam vantagem a um indivíduo em relação a outro. Mas, mais importante para uma espécie adentrando ambientes novos e competindo com rivais poderosos, foram a união e a cooperação dentro do grupo. Moralidade, submissão, fervor religioso e capacidade de luta se combinaram a imaginação e memória para produzir o vencedor.