CAPÍTULO ONZE

 

 

Ao amanhecer sobre o forte de Volis, Aidan andava feneticamente a passo nas suas muralhas, em busca no horizonte de qualquer sinal do seu pai, ou de Kyra, ou dos seus irmãos, ou algum dos homens. Ele tinha estado a maior parte da noite num mal-estar, atormentado por pesadelos com a sua irmã a cair num poço, o seu pai a ser queimado vivo num porto. Ele havia passeado por aquelas muralhas sob o céu da noite, com as estrelas a brilhar e não tinha parado de procurar por eles no campo, ansioso por que voltassem.

No fundo, Aidan suspeitava que eles não iam voltar tão depressa Volis, se é que voltariam. Kyra estava a ir para oeste atravessando Escalon, por um terreno traiçoeiro e o seu pai, irmãos e os seus homens estavam a ir algures para sul, para a batalha e para a morte provável. Aidan queimava por dentro. Ele queria, mais do que tudo, estar com eles, especialmente neste tempo de guerra. Ele sabia que o que estava a acontecer, acontecia era uma vez na vida e ele não podia suportar a ideia, por muito jovem que fosse, de ficar à margem. Aidan sabia que ele era menor do que todos eles, ainda jovem, fraco e inexperiente; no entanto, ele ainda sentia que havia muito que podia fazer. Ele podia não ser capaz de atirar uma lança, ou atirar uma flecha, tão bem quanto os outros, mas ele era conhecido por sua inteligência, pela sua desenvoltura, por ser capaz de olhar para as situações de uma forma diferente de todos os outros e ele sentiu que, de alguma forma, poderia ajudar o seu pai.

Independentemente do que acontecesse, ele tinha a certeza que não queria estar sentado ali, no forte quase vazio de Volis, longe da ação, seguro por detrás desses portões com as mulheres e as crianças e os gansos correndo ao redor do pátio, como se nada estivesse a acontecer lá fora, no mundo. Ele estava apenas à espera dos seus dias, sem nada para fazer senão antecipar a notícia da chegada da morte. Ele preferia morrer do que viver dessa maneira.

Ao amanhecer, com o céu iluminado, Aidan observou a forte, viu uma dúzia ou quase dos guerreiros que o seu pai tinha deixado para trás para guardar o lugar, uma força esqueleto. Ele havia estado a importunar aqueles homens metade da noite para lhes dizerem exatamente para onde é que o seu pai tinha cavalgado. Mas nenhum lhe ia dizer. Aidan sentiu uma nova onda de determinação para descobrir.

Sentindo, pelo canto do olho, movimento, Aidan virou-se para ver Vidar atravessar o pátio com vários homens, a apagar as tochas quando iam e, ele atribuindo a cada um os seus postos em todo o forte. Aidan irrompeu em ação, correndo pela escada em espiral abaixo, torcendo-se para baixo nível após nível, determinado a monopolizar Vidar até ter as respostas que queria.

Aidan correu pelo chão e alcançou o pátio coberto de neve. Ele correu, com o triturar do gelo sob as suas botas na manhã frígida, respirando com dificuldade enquanto corria para Vidar, que, se dirigia para os portões.

"Vidar!", gritou ele.

Vidar voltou-se e, quando viu que era Aidan, desviou o olhar, revirando os olhos, claramente querendo evitá-lo. Ele começou a afastar-se.

"Eu não tenho respostas para ti, jovem Aidan", gritou ele de volta enquanto ele se ia embora, ele e os seus homens a marchar para os portões, soprando para as suas mãos para mantê-las aquecidas.

Mas Aidan não abrandou, correndo para alcançá-lo.

"Eu preciso de saber onde meu pai está!", gritou ele.

Os homens continuaram a marchar e Aidan duplicou sua velocidade, escorregando no gelo, até que finalmente chegou ao lado de Vidar e puxou pela sua camisa.

"O meu pai foi-se embora e isso faz de mim comandante deste forte!" insistiu Aidan, sabendo que estava a arriscar a sua sorte, mas estava desesperado.

Vidar parou e riu-se com os seus homens.

"Não é?", perguntou.

"Responde-me!", pressionou Aidan.”Onde é que ele está? Eu posso ajudar-te! A minha espada é tão forte como a tua e o meu objetivo tão verdadeiro quanto o teu! "

Vidar riu-se bastante e, como todos os homens se juntaram a ele, Aidan corou. Ele abanou a cabeça e segurou o ombro de Aidan, com a sua mão forte e reconfortante.

"Tu és filho do teu pai", disse ele, sorrindo, "mas mesmo assim, eu te não posso dizer onde ele foi. Eu sei que, assim que eu o fizesse tu ias aventurar-te atrás dele - e isso eu não posso permitir. Tu estás sob minha vigilância agora e eu respondo perante o teu pai. Tu só serias uma responsabilidade para mim. Espera até seres mais velho - haverá outras batalhas para lutar.”

Vidar virou-se para se ir embora, mas Aidan agarrou na manga dele, insistente.

"Não haverá batalha como esta!" insistiu Aidan.”O meu pai precisa de mim. Os meus irmãos precisam de mim! E eu não vou parar até que me digas!", insistiu ele, batendo o pé.

Vidar olhou para ele um pouco mais a sério, como que surpreendido por ele poder ser tão determinado. Por fim, lentamente, ele abanou a cabeça.

"Então tu deverás esperar muito", respondeu finalmente Vidar.

Vidar sacudiu Aidan e marchou com seus homens afastando-se, de volta através dos portões, com as suas botas a esmagar a neve, cada som como um prego no coração de Aidan.

Aidan sentiu vontade de chorar enquanto ele estava lá e assistiu impotente à medida que todos eles se afastaram, para o céu a clarear, deixando-o sozinho no forte, por detrás dessas paredes, que sentia agora como nada mais do que um túmulo glorificado.

*

Aidan esperou pacientemente por trás dos enormes portões de ferro de Volis, observando enquanto o sol se punha mais alto no céu e os homens do seu pai patrulhavam. Tudo à volta dele, pingentes a escorrer enquanto a neve caía das paredes, o dia a aquecer lentamente enquanto os pássaros começavam a piar. Mas ele não deixou que isso o distraísse. Ele observava intensamente os homens do seu pai, esperando pela mudança de guarda que ele sabia que iria acontecer.

Depois, ele não sabia quanto tempo depois, com as mãos dormentes e as pernas rígidas, houve uma nova mudança de homens. A velha guarda relaxou quando o novo guarda se aproximou, e, Aidan observava Vidar quanto este se virou e foi de volta para o forte, acompanhado pelos seus homens. Na desordem que se seguiu à mudança de turno, Aidan sabia que a sua oportunidade tinha chegado.

Aidan levantou-se e passou pelas portas, deixando o forte casualmente, como se fosse a coisa mais natural do mundo, assobiando à medida que caminhava para enfatizar, a alguém que estivesse a observar, que não tinha medo de ser visto. Os novos soldados que estavam a montar guarda trocaram um olhar intrigado, claramente sem ter a certeza se haviam de detê-lo ou não.

Aidan aumentou o ritmo do seu passo, esperando e rezando para que eles não o tentassem impedir. Porque ele estava determinado a sair, independentemente do que acontecesse.

"E para onde estás a ir?", gritou um deles.

Aidan parou, com o seu coração a bater, tentando não parecer nervoso.

"O Vidar não te disse?", Aidan ripostou na sua voz mais autoritária, preparado, querendo apanhá-los desprevenidos.”Ele pediu-me para ir buscar os coelhos."

Os soldados trocaram um olhar interrogativo.

"Coelhos?", gritou um de volta.

Aidan deu o seu melhor para parecer confiante.

"Deixei armadilhas ontem à noite, na floresta", respondeu ele.”Elas estão cheios. Deverão ser o nosso almoço. Parem de me atrasar, senão os lobos apanham-nos.”

Com isso, Aidan virou-se e continuou a andar para fora dali, andando rapidamente, com confiança, sem se atrever a olhar para trás - e rezando para que eles tivessem acreditado. Ele andou e andou, com as suas costas a arder, aterrorizado com o facto de que os guardas pudessem começar a correr atrás dele e o detivessem.

Já afastado do forte, ele não ouvia nada atrás dele e começou a respirar facilmente quando finalmente percebeu que eles não o estavam a perseguir. A sua artimanha tinha funcionado. Ele sentiu um arrepio. Ele era livre e nada iria detê-lo agora. O seu pai estava algures lá fora e até encontrá-lo, nada traria Aidan de volta a Volis.

Aidan caminhou e caminhou e enquanto subia para o cume de uma colina, viu uma estrada que se alongava diante dele, bem explorada na neve, em direção ao sul. Finalmente fora da vista dos guardas, ele explodiu numa corrida rápida, determinado a chegar tão longe quanto conseguisse antes que eles descobrissem e viessem atrás dele.

Aidan correu tão rápido quanto os seus pequenos pulmões conseguiam, até ficar com dificuldade em respirar. Picado pelo frio, pela vasta e vazia paisagem, ele desejou que Leo estivesse ao seu lado agora e lamentou tê-lo dado de volta a Kyra. Ele questionava-se o quão longe conseguiria chegar. Ele nunca descobriu onde estava o seu pai, mas sabia que, pelo menos, que ele tinha ido para sul e ele iria dirigir-se nessa direção. Ele não tinha ideia de quão longe as suas pernas o conseguiriam levar antes de se desgastarem, ou antes dele congelar até a morte. Ele não tinha cavalo, nem provisões e já tremia de frio.

No entanto, ele não se importava. Aidan sentiu a alegria de ser livre, de ter um propósito. Ele estava numa viagem, como o seu pai e os seus irmãos e Kyra. Agora ele era um guerreiro de verdade, sem a proteção de ninguém. E se isto era o que significava ser um guerreiro, então isto era o que ele faria. Ele iria provar a si mesmo, mesmo se tivesse que morrer a tentar.

Enquanto andava e andava, pensava na sua irmã. Como conseguiria Kyra alguma vez atravessar toda a Escalon? Perguntou a si próprio. Estaria Leo ainda ao seu lado?

Aidan correu e correu, seguindo a estrada até ao limite da Floresta de Espinhos. De repente, ele ouviu um barulho atrás dele e escondeu-se atrás de uma árvore.

Aidan espreitou e viu uma carruagem a aproximar-se na estrada, rumo ao sul. Um fazendeiro estava sentado em cima da carruagem, que era puxada por dois cavalos e arrastava um carrinho cheio de feno. A carruagem bateu e saltou na estrada dura e parecia terrivelmente desconfortável. Mas Aidan não se importava. A carruagem estava a ir na sua direção e ele sabia que o que importava era que as suas pernas já lhe doiam.

Aidan rapidamente ponderou as suas opções. Ele podia pedir ao agricultor uma boleia. Mas o homem provavelmente iria recusar e enviá-lo de volta para Volis. Não. Teria que fazê-lo de outra maneira. À sua própria maneira. Afinal de contas, não era isso o que significava ser um guerreiro? Os guerreiros não pediam permissão - quando a honra estava em jogo, eles faziam o que tinha de ser feito.

Aidan esperou pelo momento certo, com o coração a bater, à medida que a carruagem se aproximava. Ele esperou até que passasse por ele, mal conseguindo conter sua excitação, a sua impaciência, o som alto dos encontrões. Então, assim que a carruagem passou por ele, ele saltou detrás da árvore e correu atrás dela.

Determinado a não ser descoberto, agachou-se e apercebeu-se o quão sortudo era porque o barulho da neve a ser triturada sob suas botas era abafado pelo som das velozes rodas. A carruagem movia-se suficientemente devagar, dadas as estradas esburacadas, para ele conseguir acompanhá-la e num movimento rápido, ele saltou para a frente e pulou para a parte de trás, aterrando no feno.

Aidan abaixou-se e olhou para a frente para ter certeza que não tinha sido descoberto; para seu imenso alívio, o condutor não se virou.

Aidan rapidamente escondeu-se debaixo do feno, ficando mais confortável e mais quente, também, do que ele imaginava, protegendo-o do frio e do vento constante. Até certo ponto, até amortecia os solavancos

Aidan suspirou profundamente aliviado. Em breve, ele mesmo começou a permitir-se relaxar, sentindo o ritmo do carro, batendo a cabeça contra a madeira, mas a já não se importar. Ele até permitiu a si próprio um sorriso. Ele tinha conseguido. Ele estava a ir para sul, em direção ao seu pai, aos seus irmãos, à batalha de sua vida. E ninguém – ninguém - iria detê-lo.