Kyra olhou para o imbecil que a estava a confrontar, um estrangeiro com testa baixa, corpo largo e olhos negros, sorrindo de forma sinistra para ela, mostrando os seus dentes afiados.
"Não tens ninguém para te proteger", disse-lhe ele. "Não lutes: só vai ser pior para ti."
Kyra forçou-se para respirar, para se concentrar, direcionando toda a intensidade que tinha quando em batalha. No interior, o seu coração batia, com o fogo a bombear nas suas veias, enquanto se preparava para o confronto da sua vida.
"Se alguém precisa de proteção", Kyra respondeu corajosamente", és tu. Vou dar-lhe uma hipótese de saires do meu caminho, antes de saberes de que é que o povo de Escalon é feito."
O imbecil olhou para trás e pestanejou em silêncio, chocado.
Depois, um momento mais tarde, ele começou a rir-se, com um som grosso e feio e todos os seus homens se lhe juntaram.
"És corajosa", disse ele. "Isso é bom. Mais diversão para interromper. Eu poderia até mesmo levar-te como minha escrava pessoal. Sim, aos homens do meu navio faz-lhes falta um bom brinquedo. As nossas viagens no mar podem ser muito longas."
Kyra sentiu um arrepio quando ele a olhou de cima a baixo.
"Diz-me uma coisa", disse ele. "Nós somos dez e vocês são duas. O que é que te faz pensar que consegues sobreviver? "
Uma ideia começou a formar-se na cabeça de Kyra; era arriscado, mas ela não tinha escolha. Lentamente, ela virou as costas ao homem, determinada a pegá-lo desprevenido e mostrar-lhe que não tinha medo.
Kyra, com o coração a bater, à espera que ele não saltasse para cima dela por trás, virou-se para o empregado, viu os sacos da ração que estavam no bar e de soslaio, olhou para Dierdre com um olhar conhecedor ao mesmo tempo que, lentamente, alcançou e agarrou um saco.
"Estes são os nossos?", perguntou ela ao barman, casualmente.
Ele assentiu, parecendo assustado e suando.
"O meu pagamento é suficiente?", perguntou ela.
Ele assentiu novamente.
"Miúda", vociferou o estrangeiro atrás dela, irritado, "tu estás prestes a ser capturada para a vida e tudo com que te importas é com a tua ração? Estás louca?"
Kyra sentiu-se a queimar por dentro, a ponto de explodir, mas ela forçou-se a ficar enraizada no lugar, a esperar pelo momento certo. De costas para ele, ela dirigiu-se-lhe:
"Eu não sou uma miúda", respondeu ela. "Mas uma mulher. E aqueles que assumem que vão ganhar simplesmente porque são do sexo masculino, porque são maiores, porque são em maior número do que as suas vítimas, parecem esquecer a coisa mais importante na batalha."
Seguiu-se um longo silêncio, até que, finalmente, ele perguntou:
"E o que é isso?"
Kyra respirou fundo, preparando-se, sabendo que o momento da verdade tinha chegado.
"Surpresa", disse ela, sem rodeios.
Kyra girou rapidamente, ainda a segurar o saco, e, atirou-o com toda a força. Ao fazê-lo, o saco abriu-se e a ração saiu a voar pelo ar, pulverizando os olhos de todos os seus atacantes.
Os homens gritaram, apertando os olhos na tempestade de poeira, todos temporariamente cegos, enquanto Dierdre, seguindo os sinais de Kyra, fez o mesmo, balançando o outro saco num amplo arco e cegando o resto dos homens. Aconteceu tudo tão rapidamente, antes de os homens assustados conseguirem reagir. Claramente, eles não tinham previsto isso.
Sem hesitar, Kyra sacou o bastão das suas costas, deu um passo em frente e com um grande grito, deu com ele fortemente na cabeça do líder, arrasando-o com uma tacada descendente. O homem caiu de joelhos e, assim que o fez, ela pontapeou-o no peito, atirando-o para trás. De seguida, ela deu-lhe com o bastão diretamente vindo de cima, partindo-lhe o nariz.
No mesmo movimento, Kyra girou o seu bastão para os lados e para trás dela, partindo o maxilar a outro idiota; ela, então, desviou-se e golpeou diretamente para trás, partindo o nariz de outro. Ela, então, agarrou o seu bastão com as duas mãos, correu para a frente, levantou-o acima da cabeça e trouxe-o para baixo, para os lados, para os rostos dos dois homens diante dela, derrubando ambos para o chão.
Enquanto os outros ainda estavam a agarrar os seus olhos, tentando extrair a ração, Kyra correu para a frente e deu a um deles um pontapé entre as pernas, depois levantou o seu bastão para trás, atingiu-o de cima para baixo em todo o rosto, derrubando-o. Ela então agarrou no seu bastão com as duas mãos, ergueu-o para cima e trouxe-o para baixo como uma faca no peito de outro homem, fazendo-o tropeçar para trás, colidindo com uma mesa e derrubando-a.
Kyra girava pelo grupo como um relâmpago, tão depressa que os homens atordoados não tinham hipótese de reagir. Ela estava em tal harmonia com a sua arma, com todas as suas lições de defesa com os homens do seu pai a avivarem-se dentro dela, era como se ela e o seu bastão fossem um. As suas inúmeras noites a lutar sozinha, muito depois dos outros homens se terem ido embora, vieram à tona. Os seus instintos apoderaram-se dela, e, seguidamente, diversos dos seus atacantes, estilhaçados pelo seu bastão, estavam a contorcer-se no chão, ensanguentados, gemendo.
Depois do caos, apenas dois homens ficaram de pé, e, estes dois, com os grãos finalmente removidos dos olhos, olharam para Kyra querendo matá-la. Um sacou um punhal.
"Vamos ver como esse teu bastão se sai contra uma faca", rosnou ele e atacou.
Kyra preparou-se para o ataque quando de repente se ouviu um barulho de uma pancada e ela ficou surpreendida ao vê-lo cair, de cara, a seus pés. Ela olhou para cima para ver Dierdre de pé por trás, segurando um banco partido, com as mãos a tremer, olhando para baixo como se em estado de choque com o que tinha acabado de fazer.
Kyra sentiu movimento e virou-se para ver o atacante final a dirigir-se rapidamente para Dierdre. Ele deve ter percebido que ela era o ponto fraco e Kyra viu que ele estava prestes a atacá-la e mandá-la ao chão. Ela não podia permitir isso. Se Dierdre fosse levada como refém, Kyra sabia, derrotar aqueles homens seria infinitamente mais complicado.
Kyra, sabendo que não tinha tempo, levantou o seu bastão, mirou, adiantou-se e arremessou-o violentamente.
O seu bastão saiu a voar pelos ares como uma lança e Kyra assistiu com satisfação quando este atingiu o homem que corria no seu templo, mesmo no seu ponto de pressão. As pernas dele cairam debaixo dele, estatelando-se no chão mesmo antes de alcançar Kyra.
Dierdre olhou para baixo em sinal de gratidão, apanhando o bastão de Kyra e atirando-o de volta para ela.
Kyra apanhou-o e ficou na sala silenciosa, observando o estrago, todos os homens caidos, imóveis. Ela mal podia acreditar no que tinha acabado de fazer. Os restantes frequentadores da taberna olharam fixamente para trás, boquiabertos, claramente não acreditando no que tinham acabado de presenciar, também. O amigo do pai dela engoliu em seco, parecendo assustado.
"Eu teria-te ajudado", disse ele sem jeito, com uma voz de medo.
Kyra ignorou o cobarde. Em vez disso, ela virou-se lentamente, passou por cima dos corpos imóveis, e, caminhou casualmente de volta para o bar, onde o empregado estava parado, a olhar para trás, espantado. Ela agarrou nos seus frangos e na carne do bar, enquanto Dierdre levava os seus sacos de água. Desta vez, Kyra não se ia embora sem comida para ela ou os para os outros.
"Parece que eu vou precisar de mais ração", disse para o empregado.
O empregado, atordoado, apanhou-os e entregou-lhe mais sacos de ração.
As duas miúdas caminharam de volta pela sala, através da taberna e saíram pela porta, nenhum dos outros homens a atrever-se a aproximar-se delas agora.
Quando saíram, para a chuva forte e gelada, Kyra não sentia o frio. Ela estava quente por dentro, quente com a certeza de que conseguia defender-se a si própria, que ela não era mais a menina do papá. Aqueles homens tinham-na subestimado, como tinham todos os homens na sua vida – e mais importante, percebeu ela, tinha-se subestimado a si própria. Nunca mais. Ela sentiu uma confiança a crescer dentro dela. Ela estava a tornar-se ela própria. Ela não sabia o que a estrada adiante lhe traria, mas sabia que, não importa o quê, ela nunca iria desistir por ninguém novamente. Ela era tão forte quanto esses homens.
Ainda mais forte.