Duncan baixou a cabeça para o vento ao caminhar até a montanha íngreme de Kos, o vento chicoteava a sua cara com uma neve fresca e soprada fortemente pelo vento, imaginando o quão piores as condições se poderiam tornar. O céu, tão claro a algumas horas atrás, era agora escuro, num cinzento zangado, com neve e vento a empurrá-los, esta montanha tão imprevisível quanto a fama que tinha de o ser. Eles estavam a caminhar há horas, mas agora a elevação tinha-se tornado rapidamente mais íngreme.
Duncan, andando ao lado Seavig, Anvin e Arthfael, olhou para trás para verificar os seus homens. Todos eles caminhavam com as cabeças para baixo, dois homens lado a lado no trilho estreito, todos eles serpenteando o seu caminho até à montanha como uma longa linha de formigas. O vento e a neve tinham piorado o suficiente para que Duncan já não conseguisse ver todos os seus homens e sentiu uma pontada de ansiedade. Ele estava ansioso por todos eles e uma parte dele sentia que aquilo era uma loucura, levando-os a todos para cima de uma montanha de gelo e neve. Havia uma razão para os Pandesianos nunca terem tentado subir e conquistar Kos: era uma insensatez.
Duncan subia através de uma estreita faixa de pedras e ao subir, olhou para cima e o seu estomago caiu: a trilha desaparecia numa parede de gelo. A partir daí, era uma subida – directamente para cima. Ele e os seus homens teriam de deixar de caminhar e passar a escalar pelo gelo e com picaretas de alpinista. E eles ainda não estavam a meio da montanha.
"Podemos escalá-la?", perguntou Anvin, com uma voz de medo.
Duncan olhou para cima, pestanejou na direção do vento e enquanto se dava conta, ele pensou ter detectado movimento. Ouviu-se um barulho alto de algo a rachar e, de repente, um enorme pingente de gelo, talvez com vinte pés de comprimento, começou a partir-se. O seu coração caiu quando aquele desabou diretamente na direção deles, como um raio vindo do céu.
"MOVAM-SE!", gritou Duncan.
Duncan empurrou os seus homens para estes se desviarem do caminho e, em seguida, saltou ele próprio, rebolando pela montanha abaixo quando se ouviu um enorme estrondo atrás deles. Ele olhou para trás para ver o pingente, como uma espada gigante, lançado para a terra e partindo-se em pedaços. Voaram fragmentos por toda parte e ele cobriu a cabeça com as mãos, desviando-os, com as lascas dolorosamente a arranharem-no.
A seguir, o pingente caiu pelo penhasco abaixo, em direção aos seus homens e Duncan olhou para trás e viu com horror os seus homens a saltarem para a esquerda e para a direita para se desviarem do seu caminho. Alguns homens escorregaram para a sua morte, enquanto um soldado, ele viu, foi empalado pelo pingente, com os seus gritos a encher o ar enquanto ele era esmagado.
Duncan estava deitado no chão, abalado e olhou para Seavig, que trocou um olhar com ele. Era um olhar de pavor.
Duncan virou-se e olhou para cima para o precipício e reparou em centenas de outros pingentes, todos empoleirados cautelosamente ao longo da borda, todos com as suas pontas a apontar diretamente para baixo na direção deles. Ele estava finalmente a começar a entender o quão traiçoeira esta subida era.
"Não faz sentido ficarmos aqui à espera", disse Seavig. "Ou escalamos agora, ou mais coisas daquelas vão cair e encontrar-nos."
Duncan sabia que ele estava certo e pôs-se de pé. Virou-se e caminhou de volta para baixo da montanha e fez um balanço dos mortos e feridos. Ele ajoelhou-se ao lado de um soldado, um rapaz pouco mais velho do que o seu, e, baixou-lhe as pálpebras, com uma dor no seu coração.
"Cubram-no", ordenou Duncan aos seus homens.
Eles dirigiram-se até ele rapidamente e assim o fizeram. Duncan deslocou-se até aos feridos, ajoelhando-se ao lado de um jovem soldado cujas costelas tinham sido perfuradas pelo pingente. Ele segurou o seu ombro.
"Sinto muito, senhor", disse o rapaz. "Eu não consigo subir a montanha. Não gosto disto. "Ele engasgou-se". Deixe-me aqui. Continuem sem mim."
Duncan abanou a cabeça.
"Eu não sou assim", respondeu ele, sabendo que, se o fizesse, o rapaz ia morrer ali. Ele tomou uma decisão rápida. "Vou levar-te eu mesmo."
Os olhos do rapaz arregalaram-se de surpresa.
"Nunca o vai conseguir fazer."
"Isso é o que nós vamos ver ", respondeu Duncan.
Duncan agachou-se, pendurou o soldado por cima do ombro enquanto ele gemia e, em seguida, caminhou de volta através das suas fileiras de homens, todos a olhar para ele com admiração e respeito.
Seavig olhou para ele quando este se chegou à frente, como se estivesse a perguntar como é que ele podia tentar isso.
"Como tu disseste", Duncan disse-lhe: "não temos tempo a perder."
Duncan continuou a caminhar, diretamente para área das rochas, com o soldado a gemer por cima do seu ombro. Quando chegou ao gelo, ele fez um gesto para os seus homens, que se chegaram à frente.
"Amarrem-no às minhas costas", disse Duncan. "Apertem bem as cordas. É uma longa subida e eu não planeio que nenhum de nós morra."
Duncan sabia que isso iria tornar uma dura subida numa ainda mais difícil, mas ele também sabia que iria encontrar uma maneira. Ele tinha passado por coisas piores na vida e preferia morrer do que deixar um dos seus homens para trás.
Duncan calçou os sapatos de neve, sentindo os espigões sob os seus pés, agarrou nas picaretas de gelo, atirou o braço para trás e atingiu a parede de gelo. A picareta ficou bem fixa e ele deu impulso para cima e apoiou o pé firmemente no gelo por baixo, que também estava fixo. Deu mais outro passo e, em seguida, apoiou firmemente a picareta de gelo e subiu, um passo de cada vez, surpreendido com o esforço que precisava enquanto subia e rezava para que as suas ferramentas se aguentassem. Ele estava, apercebeu-se, a colocar a sua própria vida nas mãos das capacidades dos artífices.
Todos os homens à sua volta fizeram o mesmo e o ar encheu-se com o som de um milhar de pequenas picaretas desbastando gelo, levantando-se mesmo sobre o uivar do vento. Como um exército de cabras da montanha, subiram lentamente o gelo em conjunto. Cada passo era trabalho duro para Duncan, especialmente com o soldado ferido às costas, mas ele nunca considerou voltar atrás. Desistir não era uma opção.
Duncan subia e subia, com os braços a tremer com o esforço, com o vento e a neve ocasionalmente a cegarem-no. Como cada vez estava a ser-lhe mais difícil respirar, tentava não olhar para cima e ver o quanto faltava. Mas ficou ficou aliviado ao ver, depois de cerca de cinquenta pés, uma planície à frente.
Duncan ergueu-se sobre ela e momentaneamente entrou em colapso, respirando com dificuldade, apoiando os braços e ombros que tremiam.
"Senhor, deixe-me aqui", implorou o soldado, gemendo nas suas costas. "É demais para si."
Mas Duncan apenas abanou a cabeça e pôs-se de joelhos, acompanhado pelos outros à sua volta quando chegaram ao planalto. Ele olhou para cima e ficou agradecido ao ver a montanha nivelar-se um pouco, por ser uma subida não tão íngreme. Duncan continuou a espetar a sua picareta e sapatos, dando um passo de cada vez, tentando não pensar na jornada que estava pela frente.
Duncan questionava-se como é que os homens de Kos alguma vez tinham descido desta montanha. Ele tinha lutado ao lado deles no campo de batalha mais de uma vez, apesar de nunca os ter visto ali em cima, no seu elemento, naquelas montanhas. Eles eram verdadeiramente uma raça diferente do homem, ele tomou consciência, vivendo no meio de tais alturas, ventos e neve.
Subiram para o que parecia serem mais horas, com Duncan a olhar de vez em quando para cima para verificar, o pico a parecer sempre estar cada vez mais longe, sempre fora de alcance. Ao continuarem, uma nuvem apareceu e dissipou-os e, em pouco tempo, houve uma perda total de visibilidade.
Duncan continuou a subir, sabendo que isso era uma loucura mas que agora eles não tinham escolha. Ele desejava apenas a segurança dos seus homens lá em baixo e assim que outro vendaval soprou a nuvem para fora dali, ele olhou para baixo, verificando os seus homens. Lá estavam todos ainda, atrás dele, todos lentos, mas certamente a escalar o seu caminho pela montanha. Ele teve um vislumbre de uma vista magnífica, com toda a Escalon espalhada lá em baixo, entre majestosos picos cobertos de branco. Sentiu-se como um rei ali em cima, no topo do mundo, capaz de ver todo o país de uma ponta à outra. Escalon era um país bonito, com as suas colinas, vastas planícies, pontilhada com lagos, intersetada por rios e cataratas. Era uma terra de generosidade e bondade, uma terra que lhes tinha sido roubada desde que os Pandesianos tinham chegado. Duncan sabia que tinha que encontrar uma maneira de obtê-la de volta.
Duncan olhou para cima para a face da montanha, com os braços a tremer enquanto batia a picareta e puxava. Aquele parecia ser o último trecho de gelo diante dele, a parede direita e lisa, com talvez mais cem pés para subir. Duncan, exausto, temia-o, mas isso tinha de ser feito. Ele apenas rezava para que os seus braços não falhassem.
Duncan subiu mais alto, com o vento a dar, quando outra nuvem apareceu, dissipando-os com uma neblina cerrada, tendo depois desaparecido tão rapidamente quanto apareceu. Ele deu um passo com as pernas trémulas, em seguida, fez uma pausa e deixou o suor arder-lhe nos olhos, não se atrevendo a limpá-lo. Olhou para cima e viu que só tinha dado alguns passos, embora tivesse parecido horas. Aqueles poucos pés poderiam muito bem ter sido umas quantas milhas.
Duncan parou e ouviu por cima do som do vento e da neve, outro som a surgir lentamente, como um guincho. Ele parecia ficar mais alto a cada momento. Ele congelou, imaginando o que poderia ser.
Duncan detectou movimento com o canto do olho e, quando se virou, ficou horrorizado ao ver um bando de criaturas que voavam diretamente para ele, pequenas, quase translúcidas, assemelhando-se a um bando de morcegos. As criaturas abriam as suas mandíbulas e devam o seu terrível grito, revelando três dentes afiados de cristal. Eles voavam de uma forma estranha, inclinando-se de um lado ao outro e milhares deles, todos de repente, desceram na direção de Duncan e dos seus homens, vulneráveis, empoleirados no penhasco.
"Morcegos de gelo!", gritou Seavig. "Protejam-se!"
Duncan baixou-se, segurando a picareta com uma mão e cobrindo a parte de trás da sua cabeça com a outra e, um momento depois, ele ficou rodeado. Aquelas criaturas desceram sobre ele, guinchando nos seus ouvidos, arranhando-o. O soldado ferido que estava nas suas costas gritava de dor.
Duncan olhou para baixo e ficou aliviado ao ver a maioria do seus homens a protegerem-se no planalto, deitados sobre os seus estômagos, com as mãos por cima das cabeças. Mas Duncan e Seavig estavam a demasiada altura, muito à frente do grupo e não conseguiram voltar para baixo a tempo. Duncan sabia que estava sozinho ali em cima e que teria de lutar contra isso por conta própria.
Duncan lutava. Ele agarrou a outra picareta e virou a cabeça, golpeando-os, oscilando selvaticamente. Mais guinchos aconteceram quando ele matou mais alguns, aquelas coisas a cair ao seu redor.
No entanto, Duncan logo se apercebeu, que aquilo era apenas uma gota no oceano; por cada um que ele matava, apareciam mais dez. Ele estava a ficar arranhado e mordido em todos os lados e, à medida que a dor o dilacerava, Duncan, a ficar mais fraco, não sabia por quanto mais tempo se conseguia aguentar.
Um morcego de gelo afundou profundamente os seus dentes afiados no seu ombro e Duncan gritou de dor, perdendo o equilíbrio quando aproximou a sua mão livre e a ergueu sobre ele, esmagando a sua cabeça. Ele estava a ficar com vertigens, e, tonto, sentiu-se prestes a cair. De repente ele sabia que ia morrer ali, naquele lugar, ao lado dos seus irmãos. Ele não se arrependia de morrer. Ele só lamentava morrer dessa maneira, ali em cima, tão longe da casa que ele amava. Mas a morte, ele sabia, vinha quando tinha de vir e tinha vindo, definitivamente, bater-lhe à porta.