Kyra, montada em Andor, corria acima e abaixo pelas colinas de Ur, ao pôr-do-sol escarlate, com o coração a bater em antecipação. Ela estava a cavalgar há horas, cada vez mais distante na direção da península, com o oceano a bater de ambos os lados, à medida que a terra se tornava, incrivelmente, cada vez mais estéril. Agora, finalmente, ela estava tão perto. Agora, depois da sua viagem através de Escalon, depois de tudo o que ela tinha passado, ela podia ver diante de si o objeto de seus sonhos. Uma torre que ela só sonhava existir.
Lá estava, no horizonte, no final da península solitária: o que apenas poderia ser a Torre de Ur. Estava ali tão majestosa, tão orgulhosa, sozinha na estéril península varrida pelo vento, com a sua torre redonda elevando-se no ar a centenas de pés de altura, coberta por uma cúpula dourada e brilhante. Parecia ser feita de uma pedra antiga, num tom incomum de branco, iluminada por raios escarlates dos últimos raios do sol. Era magnífica, diferente de tudo que já tinha visto, um lugar de sonho. Ela mal podia acreditar que locais como aquele pudessem existir no mundo.
O sol iluminava a torre e o que mais lhe chamava a atenção eram as suas portas - aquelas incríveis portas douradas, arqueadas, subindo a cinquenta pés de altura – a parecerem-se com grandes obras de arte. Elas estavam a proibir e a acolher ao mesmo tempo. A enquadrar a torre, de todos os lados, estava o majestoso bater das ondas do mar, o Mar de Arrependimento como pano de fundo, cobrindo o horizonte até onde a vista dela alcançava.
Kyra fez uma pausa para descansar no cimo de uma colina, a respirar com dificuldade tal como Andor, enquanto interiorizava tudo aquilo. Ela podia sentir um poder mágico, uma energia incrível, que emanava da torre, mesmo a partir daqui, simultaneamente, puxando-a e empurrando-a para longe. Ela recordou-se de todos os contos que o seu pai lhe tinha lido sobre aquele lugar, dos trovadores antigos que tinham cantado sobre ele, geração após geração, e, ela sabia que aquele lugar detinha alguns dos grandes segredos - e mais bem guardados tesouros - de Escalon. Durante séculos, Sentinelas haviam-no habitado. Era um lugar de guerreiros, de criaturas, de homens e de honra.
Kyra sentia-se desorientada ao pensar em quem a esperava. O seu tio, o homem que iria revelar tudo, que iria falar-lhe sobre sua a mãe, a sua identidade, o seu destino e os seus poderes. O homem que iria treiná-la. Seria possível, Kyra atrevia-se a perguntar a si própria, que a sua mãe estivesse viva? Que ela estivesse ali, também?
Eram tantas perguntas que lhe percorriam a mente, que ela não sabia por onde começar. Ela mal podia suportar a antecipação. Espicaçou Andor e partiram sem fôlego, os dois galopando pelas colinas abaixo, pela reta final.
À medida que Kyra se aproximava da torre, o seu sangue corria-lhe pelos ouvidos, tornando-se difícil pensar. Ela tinha de alguma forma atravessado Escalon sozinha, sem a proteção do seu pai, ou dos seus homens. Ela já se sentia mais forte por causa disso e ainda nem sequer tinha começado os treinos. Ela percebeu que sua viagem tinha sido uma preparação necessária para os treinos. Agora entendia porque que é que o seu pai a tinha enviado sozinha. Ele queria fazê-la mais forte, para prepará-la, para torná-la digna.
Kyra cavalgava acima e abaixo das colinas e quando estava, talvez, a uma centena de jardas de distância da entrada, ela passou uma marca curiosa. Uma escada circular, esculpida em pedra, com cerca de vinte pés de altura que terminava em nada. Era como uma escada que levava até ao céu, uma escadaria inacabada que não levava a lado nenhum e ela perguntava-se a si própria o que aquilo significava.
Continuou a cavalgar, atraída pelas altas portas douradas, como um ímã que a puxava. Quando se aproximou da torre olhou para todos os lados, à procura de algum sinal do seu tio, de alguém que estivesse à espera dela.
No entanto, curiosamente, não havia nenhum.
Finalmente, apenas a cinquenta pés de distância da entrada, Kyra parou, desmontou, ficando ali, a olhar, a respirar com dificuldade, interiorizando tudo, querendo aproximar-se a pé. Era ainda mais imponente de perto. As portas estavam gravadas numa estranha talha douradas, cheias de palavras, imagens. Ela caminhou lentamente na sua direção, querendo absorver a sua beleza e, quando se aproximou, pestanejou e conseguiu ler o manuscrito antigo, uma vez que ela tinha aprendido a fazê-lo em mais nova. Era uma linguagem perdida de Escalon, uma língua morta há milhares de anos. Era um manuscrito que os tutores do rei lhe tinham ensinado bem. Ela tinha sido a única menina com permissão para aprender e ela sempre se perguntou porquê.
Kyra estendeu a mão e correu os dedos ao longo das gravuras, das palavras, lendo passagens que a fascinavam. Lentamente, ela reuniu a mensagem. Eram provérbios e parábolas antigas relativas à natureza da honra, dos valores.
O que é a batalha? Lia-se numa delas.
De onde é que a tua força provém? Lia-se noutra.
Centras-te no teu inimigo ou em ti mesmo? Lia-se noutro.
Havia segredos contidos naqueles enigmas, ela sentia isso, segredos que poderiam demorar uma vida inteira a refletir e a decifrar.
Kyra olhou para a porta em arco e, bem acima, sobre ela, leu algo gravado em ouro:
Apenas os dignos podem entrar aqui.
Kyra perguntou a si própria quem o teria esculpido. Era como se tivesse sido feito há séculos atrás, ainda que lhe parecesse que tinha sido escrito ontem. Deu um passo para a frente e colocou as mãos nas portas, sentindo a energia que irradiava delas, então inclinou-se para trás e esticou o pescoço para conseguir olhar diretamente para a parte de cima da torre. Vista sob esse ângulo, parecia estender-se pelos céus.
Kyra deu um passo atrás e virou-se lentamente, olhando em volta, refletindo sobre aquele lugar estranho. Estava um silêncio absoluto, exceto quando uma onda rebentava, ou Leo gemia, ou Andor bufava. O vento soprava forte vindo do oceano, assobiando e uivando nos seus ouvidos. Ela olhava para todos os lados, mas para sua surpresa, não via nenhum sinal do seu tio, ou de qualquer outra pessoa. Não era a receção que ela esperava. Teria aquele lugar sido abandonado? Estaria ela no lugar certo?
Mas ela não conseguia esperar mais.
"Tio!", gritou ela, sem saber o que fazer.
Onde poderiam estar todos? Seria possível que o seu tio não soubesse que ela estava a vir? Que ele não a quisesse ver? Ou pior - que ele já estivesse morto?
Kyra agarrou no seu bastão e bateu nas portas douradas, ao princípio baixinho, depois cada vez com mais força.
Ninguém respondeu.
Ela suspeitava que ninguém o fizesse. Afinal, será que ele não a tinha visto a aproximar-se?
Kyra, sentia-se confusa, derrotada, já não sabia o que fazer. A noite caía e ela não poderia regressar a Volis. Não depois de tudo pelo qual ela tinha passado.
Kyra virou-se, encostou as costas contra as portas de ouro e deslizou lentamente para baixo, até ficar sentada no chão. Leo veio e deitou-se ao lado dela, descansando a cabeça ao seu colo, enquanto Andor estava por perto, a pastar.
Ela permaneceu ali, olhando para os últimos raios do pôr-do-sol enquanto a escuridão caía à sua volta e ela perguntava-se. Tinha a sua missão sido em vão?