CAPÍTULO QUATRO

Ela recebeu os convidados com um conjunto verde-limão de calça e blusa de mangas compridas e boca de sino. Os sapatos eram confortáveis e refletiam sua esperança para a noite.

A primeira a chegar foi a famosa psíquica, Mary Jo Perrin, que estava acompanhada de seu filho adolescente, Robert, e o último foi o padre Dyer, de rosto corado. Ele era jovem e baixo, com olhos espertos atrás de óculos de aros grossos. Na porta, ele se desculpou pelo atraso.

— Não estava conseguindo encontrar a gravata adequada — disse ele a Chris, de modo inexpressivo. Ela olhou para ele sem entender, mas acabou rindo. A depressão que a acompanhara ao longo do dia começava a se dissipar.

As bebidas fizeram efeito. Às 21h45, todos estavam espalhados pela sala de estar, jantando e envolvidos em animadas conversas.

Chris serviu-se do bufê e procurou a sra. Perrin pela sala. Ali. Num sofá ao lado do padre Wagner, o reitor jesuíta. Chris havia conversado com ele brevemente. Ele era careca, tinha pintas na cabeça e uma atitude gentil porém séria. Chris se aproximou do sofá, na frente da mesa de centro, enquanto a psíquica ria com júbilo.

— Ah, pare com isso, Mary Jo! — disse o reitor, enquanto levava uma garfada de curry à boca.

— Sim, pare com isso — Chris repetiu.

— Oi! O curry está delicioso! — disse o reitor.

— Não está apimentado demais?

— Não, de jeito algum. Está no ponto certo. Mary Jo está me contando que havia um jesuíta que também era médium.

— E ele não acredita em mim! — disse ela, sorrindo.

— Ah, distinguo — O reitor a corrigiu. — Eu só disse que era difícil de acreditar.

— Está dizendo que era um médium de verdade? — perguntou Chris.

— Claro que sim — disse Mary Jo. — Ele até levitava!

— Ah, eu faço isso todas as manhãs — disse o jesuíta, baixinho.

— Está dizendo que ele realizava sessões espíritas? — perguntou Chris à sra. Perrin.

— Pois é — respondeu ela. — Ele era muito, muito famoso no século XIX. Na verdade, talvez tenha sido o único espiritualista de seu tempo que nunca foi acusado de fraude.

— Como eu disse, ele não era um jesuíta. — O reitor comentou.

— Ah, era, sim! — disse a psíquica, rindo. — Quando completou 22 anos, ele se uniu aos jesuítas e prometeu não trabalhar mais como médium, mas foi expulso da França — disse, rindo ainda mais — logo depois de uma sessão espírita que realizou nas Tulherias. Sabe o que ele fez? No meio da sessão espírita, ele contou à imperatriz que ela estava prestes a ser tocada pelas mãos do espírito de uma criança que estava por um triz de se materializar totalmente, e quando eles acenderam todas as luzes de repente, viram-no encostando o pé descalço no braço da imperatriz! Dá para imaginar uma coisa dessas?

O jesuíta sorria ao pousar o prato sobre a mesa.

— Não me peça descontos nas indulgências, Mary Jo.

— Ah, vamos, toda família tem sua ovelha negra.

— Compensamos com os papas Médici.

— Sabem, tive uma experiência espírita certa vez — Chris começou.

Mas o reitor a interrompeu.

— Está fazendo uma confissão?

Chris sorriu e disse:

— Não, não sou católica.

— Bem, os jesuítas também não são. — Perrin provocou com um sorriso.

— Calúnia dominicana — disse o reitor. E então disse a Chris: — Sinto muito, minha cara. O que você dizia?

— Bem, só pensei ter visto alguém levitar uma vez. No Butão.

Ela contou a história.

— Vocês acham possível? — perguntou ela. — De verdade?

— Quem sabe? — respondeu o reitor jesuíta. — Como saber como funciona a gravidade? Ou a matéria, nesse caso.

— Quer minha opinião? — perguntou a sra. Perrin.

— Não, Mary Jo — disse o reitor. — Fiz voto de pobreza.

— Eu também — Chris murmurou.

— O que é? — perguntou o reitor, inclinando-se para a frente.

— Ah, nada. Digamos que há algo que quero perguntar a você. Sabe aquela casinha que há atrás da igreja? — disse Chris, apontando na direção.

— A Santíssima Trindade? — perguntou ele.

— Sim, esta. O que acontece ali?

— Bem, é onde ocorre a missa negra — disse a sra. Perrin.

— Missa o quê?

— Missa negra.

— O que é isso?

— Ela está brincando — disse o reitor.

— Sim, eu sei — disse Chris —, mas eu sou idiota. O que é a missa negra?

— Bem, basicamente, é uma imitação da missa católica — O reitor explicou. — Está ligada à adoração ao mal.

— Minha nossa! Existe algo assim?

— Não sei bem. Mas já soube de uma estatística de que cerca de cinquenta mil missas negras são realizadas todos os anos em Paris.

— Está dizendo que isso acontece atualmente? — perguntou Chris.

— Foi algo que eu soube.

— Sim, claro, foi revelado pelo serviço secreto jesuíta — A sra. Perrin brincou.

— Não, nada disso — disse o reitor. — Minhas vozes me disseram.

As mulheres riram.

— Olha, em Los Angeles — disse Chris —, ouvimos muitas histórias a respeito de cultos das bruxas. Sempre fico tentando imaginar se ocorrem mesmo.

— Bem, como eu disse, não há como saber — disse o reitor. — Mas vou dizer quem deve saber: Joe Dyer. Onde está ele?

O reitor olhou ao redor.

— Ah, bem ali — disse ele, com um aceno de cabeça na direção do padre, que estava de pé perto do bufê, de costas para eles, servindo-se novamente. — Joe?

O jovem padre se virou, com o rosto impassível.

— O senhor me chamou, grande reitor?

O reitor fez um gesto com os dedos.

— Só um segundo — respondeu Dyer, virando-se para voltar a atacar o curry e a salada.

— Esse é o único duende do clero — disse o reitor, com simpatia. Bebericou o vinho. — Eles viram alguns casos de profanação na Santíssima Trindade na semana passada, e Joe disse algo a respeito de um deles, relembrando algumas coisas que eles faziam na missa negra. Por isso, acredito que ele saiba algo sobre o assunto.

— O que aconteceu na igreja? — perguntou Mary Jo Perrin.

— Puxa, é nojento — disse o reitor.

— Vamos, já terminamos de comer.

— Não, por favor, é muito ruim — disse ele.

— Vamos, conte.

— Está dizendo que não consegue ler a minha mente, Mary Jo? — perguntou ele.

— Ah, eu poderia fazer isso — respondeu ela, sorrindo —, mas acredito que não sou digna de entrar nesse templo tão sagrado!

— Bem, é realmente terrível — disse o reitor.

Ele descreveu as profanações. No primeiro dos incidentes, o sacristão idoso da igreja havia encontrado um monte de excremento humano na toalha do altar, bem diante do templo.

— Nossa! Isso é nojento — disse a sra. Perrin, fazendo uma careta.

— Bem, a outra é ainda pior — O reitor comentou. E então, empregou indiretas e um ou dois eufemismos para explicar como um enorme falo esculpido em argila havia sido encontrado colado à estátua de Cristo no lado esquerdo do altar.

— Nojento, não? — Ele concluiu.

Chris percebeu que a psíquica estava realmente enojada quando disse:

— Ah, já basta. Já me arrependi de ter perguntado. Vamos mudar de assunto.

— Não, estou fascinada — disse Chris.

— Sim, claro. Eu sou um ser humano fascinante — disse alguém.

Era Dyer. Segurando um prato cheio de comida, ele se aproximou de Chris ao dizer solenemente:

— Escutem, esperem um minuto, já volto. Acredito que algo está acontecendo com o astronauta.

— Como o quê? — perguntou o reitor.

Dyer olhou para ele, seus olhos inexpressivos atrás dos óculos, e respondeu:

— Primeiro missionário na lua?

Todos, menos Dyer, começaram a rir.

Sua técnica para arrancar risos consistia em manter a seriedade.

— O senhor tem o tamanho certo — disse a sra. Perrin. — Eles poderiam colocá-lo dentro da ogiva.

— Não, eu não — disse o jovem padre, corrigindo a mulher de modo sério. — Estou tentando ajeitar as coisas para Emory ir — disse ele ao reitor, e se virou para as mulheres para explicar. — É o reitor da disciplina no campus. Não tem ninguém lá em cima e é assim que ele gosta. Prefere as coisas tranquilas.

Ainda sério, Dyer olhou para o outro lado da sala, onde estava o astronauta.

— Com licença — disse, e se afastou.

A sra. Perrin disse:

— Gosto dele.

— Eu também — Chris concordou. E então, ela se virou para o reitor. — Você não me disse o que acontece naquela casa. Um grande segredo? Quem é o padre que sempre vejo ali? Que parece um boxeador? Sabe de quem estou falando?

O reitor assentiu, abaixando a cabeça.

— É o padre Karras — disse ele com a voz baixa e um sinal de arrependimento. Pousou a taça na mesa e a girou. — Recebeu um baque ontem à noite, coitado.

— O que houve? — perguntou Chris.

— Bem, a mãe dele faleceu.

Chris teve uma sensação estranha de pesar, que não conseguia explicar.

— Puxa, sinto muito — disse ela, baixinho.

— Parece que ele está passando por momentos terríveis — O jesuíta continuou. — Aparentemente ela estava morando sozinha, e creio que já estava morta havia vários dias quando a encontraram.

— Nossa! Que horror! — disse a sra. Perrin.

— Quem a encontrou? — perguntou Chris, franzindo o cenho.

— O dono do prédio onde ela morava. Acho que talvez ela não tivesse sido encontrada até agora se... bem, se os vizinhos não tivessem reclamado do rádio ligado o tempo todo.

— Que triste — disse Chris.

— Com licença, senhora.

Chris olhou para a frente e viu Karl. Ele estava segurando uma bandeja na qual havia licores e taças finas.

— Claro, coloque-as aqui, Karl. Aqui está ótimo.

Chris sempre oferecia licor a seus convidados, e ela própria os servia. Assim, ela garantia um toque de intimidade, que poderia estar faltando.

— Bem, vejamos, vou começar com vocês — disse ela ao reitor e à sra. Perrin. Ela serviu os dois, e então caminhou pela sala, perguntando o que os convidados queriam beber. Quando terminou, os grupos haviam se mesclado, menos Dyer e o astronauta, que pareciam interessados na conversa.

— Não, não sou um padre de verdade — Chris ouviu Dyer dizer com seriedade, com o braço no ombro do astronauta. — Sou, na verdade, um terrível rabino de vanguarda.

Chris estava de pé ao lado de Ellen Cleary, conversando sobre Moscou, quando ouviu uma voz estridente vinda da cozinha.

Ai, meu Deus, Burke!

Ele estava gritando obscenidades a alguém.

Chris pediu licença e foi correndo para a cozinha, onde Dennings estava agarrando Karl, enquanto Sharon tentava separá-los, em vão.

— Burke! — Chris exclamou. — Pare!

O diretor a ignorou e continuou a briga, com saliva acumulada nos cantos da boca, enquanto Karl se recostava na pia, sem nada dizer, braços cruzados e expressão séria, os olhos fixos em Dennings.

— Karl! — Chris gritou. — Pode sair daqui? Saia! Não está vendo como ele está?

Mas o suíço só se mexeu quando Chris o empurrou na direção da porta.

Porco nazista! — Dennings gritou quando Karl se afastou, e então se virou para Chris e, esfregando as mãos, perguntou: — E aí, o que tem de sobremesa?

— Sobremesa?

Chris bateu na testa com a palma da mão.

— Olha, estou com fome — Dennings resmungou de modo petulante.

Chris virou-se para Sharon e disse:

— Dê comida a ele! Preciso colocar Regan na cama. E pelo amor de Deus, Burke, pode se comportar? Há padres aqui!

Dennings franziu o cenho e demonstrou um repentino e aparentemente verdadeiro interesse no olhar.

— Ah, você percebeu isso também? — perguntou ele sem malícia.

Chris inclinou a cabeça e suspirou, dizendo:

— Para mim, chega! — E saiu da cozinha.

Ela foi ver como Regan estava na sala de brinquedos, onde a filha havia permanecido o dia todo, e a viu brincando com o tabuleiro Ouija. Parecia triste, distraída, distante. Bem, pelo menos, não está agressiva, pensou Chris, e, na esperança de distraí-la, levou Regan para a sala de estar e começou a apresentá-la a seus convidados.

— Puxa! Ela é linda! — disse a esposa do senador.

Regan agiu de modo estranhamente bem-comportado, exceto com a sra. Perrin, pois recusou-se a falar com ela ou apertar sua mão. Mas a psíquica fez graça da situação.

— Ela sabe que sou uma fraude — disse, sorrindo e piscando para Chris. Mas então, como se checasse sua pulsação, ela segurou o braço de Regan com delicadeza. A menina se afastou e olhou para a mulher com raiva.

— Ah, querida, ela deve estar cansada — disse a sra. Perrin de modo casual. Mas continuou a olhar para Regan de modo intenso e com uma ansiedade que não conseguia compreender.

— Ela está um pouco incomodada — disse Chris, desculpando-se. Olhou para Regan. — Não é mesmo, linda?

Regan não respondeu. Permaneceu olhando para o chão.

Não havia mais ninguém para Regan conhecer, exceto o senador e Robert, o filho da sra. Perrin, e Chris considerou que seria melhor não a apresentar a eles. Levou Regan para a cama e a cobriu.

— Você acha que vai conseguir dormir? — perguntou Chris.

— Não sei — respondeu Regan, distraída. Estava deitada de lado e olhava a parede com o olhar distante.

— Quer que eu leia um pouco para você?

A menina negou com um movimento de cabeça.

— Certo. Tente dormir.

Chris se inclinou para a frente e a beijou, caminhou até a porta e apagou a luz.

— Boa noite, querida.

Chris estava quase fora do quarto quando Regan a chamou com muita delicadeza.

— Mãe, o que há de errado comigo?

Parecia assombrada. O tom de voz era tão desesperado, exagerado para sua situação. Por um momento, Chris sentiu-se abalada e confusa, mas logo se recompôs.

— Bem, eu já disse, Rags, são os nervos. Você só precisa tomar aquele remédio por algumas semanas e sei que vai melhorar. Agora, procure dormir, querida, está bem?

Não recebeu resposta. Chris esperou.

— Está bem? — Ela repetiu.

— Está bem — Regan sussurrou.

Chris sentiu, de repente, os braços arrepiados. Passou a mão por eles, olhando ao redor. Nossa, como está frio aqui! De onde está vindo essa corrente de ar?

Ela se aproximou da janela e conferiu as bordas. Não encontrou nada. Virou-se para Regan.

— Você está com frio, amor?

Não obteve resposta.

Chris caminhou até a cama.

— Está dormindo? — Sussurrou.

Olhos fechados. Respiração profunda.

Chris saiu do quarto na ponta dos pés.

Do corredor, ouviu uma cantoria e, enquanto descia a escada, viu com alegria que o jovem padre Dyer estava tocando piano perto da janela da sala de estar e animava um grupo que havia se reunido ao redor dele para cantar. Quando ela chegou, eles tinham acabado de cantar “Till We Meet Again”.

Chris se aproximou do grupo, mas foi logo interrompida pelo senador e sua esposa, que seguravam seus casacos e pareciam ansiosos.

— Já vão embora, tão cedo? — perguntou Chris.

— Ah, sinto muito. Tivemos uma noite maravilhosa, minha querida — disse o senador. — Mas Martha está com dor de cabeça.

— Sinto muito, estou mesmo me sentindo péssima — A esposa do senador resmungou. — Não se chateie, Chris. A festa está excelente.

— Que pena que tenham que ir — disse Chris a eles.

Acompanhando o casal à porta, Chris ouviu o padre Dyer, ao fundo, perguntando:

— Mais alguém sabe a letra da música “I’ll Bet You’re Sorry Now, Tokyo Rose?”.

No caminho de volta à sala de estar, Sharon saiu em silêncio do escritório.

— Onde está Burke? — perguntou Chris.

— Aqui — respondeu Sharon, indicando o escritório. — Ele está dormindo para curar a embriaguez. O que o senador disse a você?

— Nada, eles simplesmente foram embora.

— Que bom.

— Por que, Shar? O que houve?

— Bem, Burke... — disse Sharon, suspirando. Baixinho, ela descreveu uma conversa entre o senador e Dennings, este dizendo que parecia haver “um pelo pubiano estranho flutuando na minha bebida”. Então, ele se virou para a esposa do senador e acrescentou com um tom de voz levemente acusador: — Nunca tinha visto um na vida. E você?

Chris se assustou e riu, gargalhando quando Sharon descreveu como a reação embaraçada do senador havia despertado o lado quixotesco de Dennings, quando ele expressou sua “gratidão sem limites” pela existência de políticos, já que, sem eles para comparar aos outros, “não seria fácil distinguir quem seriam os homens de estado, sabe?”. E quando o senador deixou de dar atenção a ele, o diretor virara-se a Sharon para dizer, de modo orgulhoso: “Viu só? Eu não disse nenhum palavrão. Você não acha que eu lidei bem com a situação?”

Chris deu risada.

— Bem, deixe-o dormir. Mas é melhor você ficar ali, para o caso de ele acordar — disse ela. — Você se importa?

— Não, claro que não.

Na sala de estar, Mary Jo Perrin estava sentada sozinha numa cadeira do canto. Parecia preocupada. E confusa. Chris começou a caminhar em sua direção, mas mudou de ideia e se aproximou de Dyer e do piano. Dyer interrompeu o que estava tocando e olhou para ela para recepcioná-la.

— Sim, minha jovem — disse ele —, e então, o que podemos oferecer a você hoje? Na verdade, estamos realizando um especial de novenas.

Chris riu com os outros reunidos ali.

— Pensei que fosse ouvir o que tocam na missa negra — disse ela. — O padre Wagner disse que o senhor é um especialista.

O grupo ao redor do piano ficou calado, curioso.

— Não, não sou — disse Dyer, tocando as teclas levemente de novo. — Por que você falou da missa negra?

— Bem, alguns de nós estávamos falando sobre... Bem, sobre outras coisas que eles encontraram na igreja, na Santíssima Trindade, e...

— Ah, você se refere às profanações? — Dyer interrompeu.

O astronauta se intrometeu.

— Ei, alguém pode explicar sobre o que vocês estão falando? Estou perdido.

— Eu também — disse Ellen Cleary.

Dyer ergueu as mãos do piano e olhou para eles.

— Bem, foram encontradas profanações na igreja no fim da rua — Ele explicou.

— Puxa! Como o quê? — perguntou o astronauta.

— Esqueça — O padre Dyer aconselhou. — Digamos que foram algumas obscenidades e pronto.

— O padre Wagner disse que o senhor disse a ele que foi algo parecido com o que ocorre na missa negra — disse Chris —, por isso fiquei tentando imaginar o que acontece nessas missas.

— Olha, não sei muita coisa — disse Dyer. — Na verdade, a maior parte do que sei foi o que ouvi de outro jes no campus.

— O que é um jes? — perguntou Chris.

— Uma maneira de dizer jesuíta. O padre Karras é nosso especialista em todas essas coisas.

Chris sentiu-se alerta, de repente.

— Ah, o padre de pele morena da Santíssima Trindade?

— A senhora o conhece? — perguntou Dyer.

— Não, só de nome.

— Bem, acho que ele escreveu um artigo sobre isso, certa vez. Sabe como é, do ponto de vista psiquiátrico.

— Como assim? — perguntou Chris.

— Como assim, como assim?

— Está me dizendo que ele é psiquiatra?

— Ah, sim, claro. Puxa, sinto muito. Pensei que a senhora soubesse.

— Alguém conte alguma coisa, por favor! — O astronauta pediu, de bom humor. — O que, afinal, acontece numa missa negra?

Dyer deu de ombros.

— Digamos que ocorrem perversões. Obscenidades. Blasfêmias. É uma imitação malvada da missa na qual, em vez de adorarem Deus, eles adoram Satã e, às vezes, realizam sacrifícios com seres humanos.

Ellen Cleary sorriu brevemente, balançou a cabeça e afastou-se, dizendo:

— Isto está ficando assustador demais para mim.

Chris não deu atenção a ela.

— Mas como o senhor sabe disso? — perguntou ela ao jovem jesuíta. — Ainda que exista algo como a missa negra, quem saberia o que ocorre nela?

— Bem — disse Dyer —, acredito que as informações foram dadas por pessoas que foram flagradas lá e então se confessaram.

— Ah, por favor — disse o reitor. Ele havia acabado de se unir ao grupo. — Essas confissões não valiam nada, Joe. As pessoas foram torturadas.

— Não, apenas as prepotentes — disse Dyer com calma.

As pessoas riram de modo nervoso. O reitor olhou para o relógio.

— Bem, preciso ir — disse ele a Chris. — Tenho uma missa às seis na capela Dahlgren.

— Tenho a missa do banjo — disse Dyer, sorrindo. E então se mostrou chocado ao ver algo atrás de Chris, e, no mesmo instante, ficou sério. — Bem, acho que temos visita, sra. MacNeil — disse ele, apontando com a cabeça.

Chris se virou. E se assustou ao ver Regan, de camisola, urinando no tapete enquanto, olhando fixamente para o astronauta, dizia com os olhos fixos e a voz sem vida:

— Você vai morrer lá em cima.

— Ah, minha querida! — Chris gritou ao correr em direção à filha com os braços esticados. — Ah, Rags, meu amor. Venha. Vamos subir!

Ela pegou Regan pela mão e, ao afastar-se com a filha, olhou para trás e viu o astronauta pálido.

— Sinto muito — disse Chris, desculpando-se. — Ela está doente, deve estar sofrendo de sonambulismo! Ela não sabe o que diz!

— Bem, acho que devemos ir — Ela ouviu Dyer dizer a alguém.

— Não, não, fiquem! — disse Chris. — Está tudo bem. Voltarei num minuto!

Chris parou perto da porta aberta da cozinha, instruindo Willie a cuidar do tapete antes que a mancha não saísse mais, e levou a filha ao banheiro de seu quarto, onde deu-lhe um banho e trocou sua camisola.

— Querida, por que você disse aquilo? — perguntou Chris várias vezes, mas Regan parecia não compreender e, com os olhos vagos, murmurou coisas sem sentido.

Chris a colocou na cama, e Regan pareceu adormecer quase imediatamente. Chris esperou, ouvindo sua respiração por um momento, e então saiu do quarto em silêncio.

Quando desceu a escada, viu Sharon e o jovem diretor da segunda unidade ajudando Dennings a sair do escritório. Eles haviam chamado um táxi e iam acompanhá-lo de volta a sua suíte no Georgetown Inn.

— Vá com calma — Chris aconselhou quando eles saíram da casa com Dennings, com os braços sobre os ombros dos dois. Quase inconsciente, ele murmurou:

— Merda — E foi para fora, em direção ao táxi que aguardava.

Chris voltou para a sala de estar, onde os convidados restantes expressaram sua compreensão quando ela deu um relato breve da doença de Regan. Quando falou sobre as batidas e sobre tudo o que fazia para “chamar a atenção”, percebeu que a psíquica a observava de modo fixo. Em determinado momento, Chris olhou para ela, esperando que dissesse algo, mas Perrin permaneceu calada e Chris prosseguiu.

— Ela sempre foi sonâmbula? — perguntou Dyer.

— Não, hoje foi a primeira vez. Ou, pelo menos, a primeira vez que vi, então acho que tem a ver com a hiperatividade. O senhor não acha?

— Ah, eu não sei — disse o padre. — Ouvi dizer que o sonambulismo é comum na puberdade, mas... — Ele deu de ombros e hesitou. — Não sei. Melhor consultar um médico.

Ao longo do restante da discussão, a sra. Perrin permaneceu calada, observando a dança das chamas na lareira da sala de estar. Igualmente abalado, notou Chris, estava o astronauta, que olhava para a bebida resmungando, um gesto que mostrava interesse e atenção. Ele partiria em missão para a lua naquele mesmo ano.

— Bem, tenho a missa para celebrar amanhã — disse o reitor quando se levantou para partir. Com ele, todos se foram. Os convidados se levantaram e agradeceram pelo jantar e pela festa.

Na porta, o padre Dyer segurou a mão de Chris enquanto olhou em seus olhos e perguntou:

— Você acha que há um papel num de seus filmes para um padre muito baixo que sabe tocar piano?

— Bem, se não houver — disse Chris, rindo —, inventaremos um para o senhor, padre!

Chris se despediu dele com simpatia.

Os últimos a sair foram Mary Jo Perrin e seu filho. Chris demorou-se à porta com eles, conversando. Ela teve a sensação de que a psíquica tinha algo a dizer, mas não disse. Para atrasar a partida, Chris perguntou o que Mary Jo pensava sobre o fato de Regan sempre usar o tabuleiro Ouija e sobre sua fixação com o Capitão Howdy.

— Você acha que pode fazer mal? — perguntou ela.

Esperando uma resposta superficial, Chris ficou surpresa quando a sra. Perrin franziu o cenho e olhou para o chão. Ela parecia estar pensando, quando saiu e ficou perto de seu filho, que estava esperando.

Quando finalmente levantou a cabeça, seus olhos estavam sérios.

— Eu o tiraria dela — disse com a voz baixa.

Ela entregou a chave do carro ao filho.

— Bobby, ligue o carro — disse ela. — Está frio.

Ele pegou a chave, disse a Chris, com timidez, que adorava todos os seus filmes, e se afastou para seguir em direção a um Mustang velho estacionado mais para baixo na rua.

Os olhos de sua mãe permaneciam sérios.

— Não sei o que você acha de mim — disse ela, devagar e em voz baixa. — Muitas pessoas me associam ao espiritismo. Mas isso não está certo. Sim, acredito que tenho um dom, mas não é oculto. Na verdade, para mim, ele parece perfeitamente natural. Por ser católica, acredito que todos temos um pé nos dois mundos. Aquele do qual temos consciência está preso ao tempo, mas de vez em quando uma maluca como eu vê um pouco o pé do outro mundo, e este, acredito, está na eternidade, onde o tempo não existe, e, assim, o futuro e o passado são o presente. Então, às vezes, quando sinto um formigamento no outro pé, acredito que estou vendo o futuro. Mas quem sabe? Talvez não — disse, dando de ombros. — Bem, tanto faz. Mas agora, o oculto... — Ela parou, escolhendo as palavras com cuidado. — O oculto é algo diferente. Eu me mantive longe disso. Acredito que mexer com ele pode ser perigoso. E isso inclui mexer num tabuleiro Ouija.

Até aquele momento, Chris considerara Mary Jo uma mulher de bom senso. Mas algo em seu comportamento naquele momento fez Chris ter um pressentimento assustador. Ela tentou afastar aquilo.

— Ah, por favor, Mary Jo — disse ela, sorrindo. — Você não sabe como esses tabuleiros funcionam? Não é nada além do subconsciente da pessoa, só isso.

— Sim, talvez — respondeu Perrin. — Talvez. Poderia ser uma sugestão. Mas em muitas histórias que já ouvi sobre centros espíritas, os tabuleiros Ouija, todos eles, Chris, parecem apontar para a abertura de uma porta de algum tipo. Ah, eu sei que você não acredita no mundo dos espíritos, Chris. Mas eu acredito. Se estou certa, talvez a ponte entre os dois mundos seja o que você mesma acabou de mencionar, o subsconsciente. Só sei que coisas parecem acontecer. E, minha querida, há hospícios no mundo todo repletos de pessoas que mexeram com o oculto.

— Vamos, você está brincando, Mary Jo. Não está?

Silêncio. E então ela começou a falar de novo.

— Havia uma família na Bavária, em 1921. Não me lembro do nome, mas havia 11 pessoas na família. Você pode procurar no jornal, acho. Pouco tempo depois de terem tentado fazer uma sessão espírita, eles enlouqueceram. Todos os 11. Eles incendiaram a casa, e, quando destruíram os móveis, começaram a queimar o bebê de três meses de uma das filhas mais novas. Foi quando os vizinhos entraram e os impediram — disse, concluindo: — A família toda foi internada no hospício.

— Minha nossa! — disse Chris ao pensar no Capitão Howdy, que agora passava a ser uma ameaça. Doença mental. O que era aquilo? Alguma coisa. — Eu sabia que devia ter levado Rags a um psiquiatra!

— Ah, por favor! — disse a sra. Perrin, dando um passo à frente para a luz. — Não ligue para o que eu digo. Ouça seu médico. — Ela parecia estar tentando acalmar Chris, mas sem muita convicção. — Sou ótima com o futuro — disse Perrin sorrindo —, mas, com o presente, sou péssima. — Ela procurava algo dentro da bolsa. — Onde estão meus óculos? Olhe só para isso! Eu os guardei no lugar errado. Ah, pronto, aqui estão. — Ela os encontrou num bolso do casaco. — Que casa linda — disse ela ao colocar os óculos e olhar para a fachada da casa. — Dá uma sensação de conforto.

— Que alívio! — disse Chris. — Por um segundo, pensei que você fosse me dizer que a casa é assombrada!

A sra. Perrin olhou para ela, sem sorrir.

— Por que eu diria algo assim? — perguntou ela.

Chris estava pensando numa amiga, uma famosa atriz de Beverly Hills que havia vendido sua casa por insistir que nela havia um fantasma. Sorrindo sem graça, Chris deu de ombros.

— Não sei — disse. — Estou brincando.

— É uma casa boa e agradável — A sra. Perrin garantiu de modo firme. — Já vim aqui antes, você sabe. Muitas vezes.

— Verdade?

— Sim, um amigo meu morava aqui, um almirante da Marinha. Eu recebo cartas dele de vez em quando. Está embarcado de novo, coitado. Não sei bem se eu sinto falta dele ou desta casa — disse, sorrindo. — Mas pode ser que você me convide para vir de novo.

— Mary Jo, eu adoraria que você voltasse. De verdade. Você é uma pessoa fascinante. Olha, liga para mim. Pode me ligar semana que vem?

— Sim, adoraria saber como sua filha está.

— Você tem meu número?

— Sim.

O que havia de errado?, Chris ficou tentando imaginar.

O tom de voz da psíquica estava estranho.

— Bem, boa noite — disse a sra. Perrin —, e obrigada de novo pela noite incrível.

E antes que Chris pudesse responder, a psíquica estava descendo a rua com pressa. Chris a observou e, lentamente, fechou a porta da frente quando uma letargia se abateu sobre ela. Que noite, pensou ela. Que noite.

Foi até a sala de estar e parou perto de Willie, que estava ajoelhada perto da mancha de urina. Esfregava um pano no tapete.

— Apliquei vinagre branco — disse Willie. — Duas vezes.

— Está saindo?

— Talvez agora saia. Não sei. Vamos ver.

— Não dá para saber antes de secar.

Que observação maravilhosa. Incrível. Vá para a cama, sabichona.

— Vamos, deixe assim por enquanto, Willie. Vá dormir.

— Não, vou terminar.

— Está bem. E obrigada. Boa noite.

— Boa noite, senhora.

Chris começou a subir a escada com passos desanimados.

— O curry estava delicioso, Willie — disse ela. — Todo mundo adorou.

— Obrigada, senhora.

Chris foi ao quarto de Regan e viu que ela ainda dormia. E então lembrou-se do tabuleiro Ouija. Deveria escondê-lo? Deveria jogá-lo no lixo? Caramba, a Perrin fica séria quando fala dessas coisas. Ainda assim, Chris sabia que o amigo imaginário era algo mórbido e nada saudável. Sim, acho que preciso me livrar dele. No entanto, estava hesitante. Ao lado da cama e olhando para Regan, ela se lembrou de um incidente quando a filha tinha três anos, na noite em que Howard decidiu que ela já estava grande demais para continuar a dormir com a mamadeira ao lado, algo a que ela já estava acostumada. Ele tirara a mamadeira dela naquela noite, e Regan chorou até às quatro da manhã, e comportou-se de modo histérico durante dias. Chris temia que uma situação parecida ocorresse agora. Melhor esperar até contar tudo a um psicólogo. Além disso, pensou, a Ritalina ainda não havia dado efeito, então decidiu, por fim, esperar para ver.

Chris foi a seu quarto, deitou-se na cama e caiu no sono quase imediatamente. Acordou ao som dos gritos da filha.

— Mãe, venha aqui! Venha depressa, estou com medo!

— Estou indo, Rags! Estou indo!

Chris atravessou correndo o corredor até o quarto de Regan. Gritando. Chorando. Um som de molas da cama se movendo rapidamente.

— Ah, minha querida, o que houve? — perguntou Chris.

Ela acendeu a luz.

Deus todo-poderoso!

Com o rosto banhado em lágrimas, contorcido pelo medo, Regan estava deitada de barriga para cima, segurando-se nas laterais da cama estreita.

— Mãe, por que a cama está chacoalhando? — gritava ela. — Faça parar! Estou com medo! Faça parar! Mãe, por favor, faça parar!

O colchão da cama sacodia violentamente de um lado para o outro.