13.

HAPPY END

Assembleia dos notáveis.

 

 

Um notável Nas atuais circunstâncias, não podemos garantir a integridade física de Simão Bacamarte. Ele que se vá.

 

Outro Você está querendo enganar alguém? Você acha que o Bacamarte precisa de nossa proteção?

 

O primeiro Então vamos dar cabo dele, para corrigir essa arrogância.

 

Vários Um atentado!

 

Outro Não adiantaria nada. O que nos oprime é uma estrutura social, e não um homem. Entra outro no lugar de Bacamarte, e fica tudo na mesma.

Outro Cultura alienada é irremediável. Hoje, até os negreiros são marxistas. Esse argumento, oh! é o argumento dos oprimidos numa sociedade de classes. Para eles, de fato, tanto faz quem está oprimindo, o que interessa é acabar com a opressão. Conosco é diferente, compreendeu? Nós somos as classes dominantes numa sociedade sem classes. Nós mesmos podemos substituir Bacamarte, e nesse caso deixamos de ser oprimidos.

 

Outro Pode ser, mas eu tenho horror à violência entre brancos. Prefiro dez Bacamartes a uma revolução. Por que não pedimos a Bacamarte a humanização de seus métodos? É melhor que combatê-lo. Por exemplo, em lugar de prender aos poucos, ele poderia prender os loucos todos — de uma vez só. Depois, em compensação, deixava a cidade em paz.

 

Outro Quer dizer que discordamos de Simão Bacamarte só no método, e que portanto quase não somos diferentes dele?

 

Outro É o jeito. Você não sabia disso?

 

O anterior Mas nós vamos subscrever tudo? Estes mercenários manetas que estão por aí, e até a chacina do cacique Trovão?

 

O outro Mas você mesmo foi lá, gritar.

O anterior Eu fui, mas só explicitamente. Implicitamente eu fui contra. Aquele massacre foi verdadeira bofetada nos direitos do cidadão.

 

Outro Estas coisas é melhor não dizer.

 

O anterior Por quê? Está com medo? Nós devíamos é ter apoiado o Canjica, e agora não estaríamos assim, de quatro.

 

Outro Perdão, o endereço do amigo qual é?

 

O anterior Você não vai me dizer agora que virou espião, vai? (silêncio) Mas, sério, vocês acham mesmo que nunca mais Itaguahy será uma grande família? Que não voltarão os dias festivos, em que opressores e oprimidos fraternalmente esperavam a manhã?

 

Outro Psss. Não diga essas coisas.

 

O anterior Mas então não vai sobrar nada? Eu só vou ganhar dinheiro? Assim não quero.

 

Outros — É. — Vai ser assim mesmo. — Triste, hem?

 

 

Silêncio. Desânimo geral.

Entra o padre, vidrado de emoção.

 

 

Padre Deus existe! É assombroso! Escutem! () “Prosseguindo em meus estudos, cheguei à conclusão de que o desequilíbrio das faculdades mentais é a norma, e portanto normal, enquanto o equilíbrio perfeito é raríssima exceção, e portanto aberrante. Em consequência, dou alta a todos que erradamente recolhi à Casa Verde. Outrossim, devido a essa mesma conclusão, rogo aos cidadãos responsáveis da cidade que me internem no mencionado Instituto de Saúde.” Assinado, Simão Bacamarte.

 

Todos — Não é possível. — Um milagre! — É sublime. — Vai ser tudo como antigamente! — Voltaremos ao paternalismo e à bondade. — Que felicidade! — Viva Bacamarte! — (uníssono) Viva Simão Bacamarte!

 

 

Volta a música. Forma-se um cordão, que canta:

 

 

O Destino deu um espirro

mudou tudo de lugar

pior que estava era impossível

a tendência é melhorar.

O vento virou, o tempo

mudou, quem não era bobo

ao clima novo se adaptou.

Estes homens que aqui cantam

nem a mãe os conhecia

a tal ponto estão mudados.

Dependendo da ocasião

fomos lobos ou baratas

já não somos nada disso

hoje somos democratas.

Que maravilha é ser bom!

Mandar muito e desmandar

sem sentir o abjeto medo!

A bondade em grande escala

no local e em toda parte

Norte Oeste Leste Sul

será nossa atividade.

Bacamarte foi à glória

começou uma nova história

está de volta a nossa vez!

Sendo embora modernistas

vai ser tudo à moda antiga

muita lei e pouco susto

pau no Paulo e pau no Augusto.

E se falha a persuasão

o bem se faz a viva força

faça o bem a ferro e fogo

somos bons ninguém é bobo.

Olha o dedo no que é meu

tira a mão senão morreu

toma seis que três é pouco

e toma nove no teu coco!

telecoteco xicaluca tchiquetum!

zinzumbulê ponhequetaque fofofó!

 

 

O cordão se desfaz e começa uma longa e homérica surra nos bonecos, aos gritos de “presunçoso”, “toma”, “estafermo”, “canalha”, “libidinoso”, “ignorante”, “preguiçoso”, “carreirista”, “infeliz”, “ateu”, “carneiro”, “analfabeto”, “imundo”, “idiota”, “traidor”, “ingênuo”, “taturana”, “doente”, “covarde”, “nojento”, “oportunista”, “esfomeado”, “raquítico”, “lúbrico”, “comunista”, “ridículo”, “atrasado”, “aleijado”, “fingido” etc. Enquanto uns batem, outros recuperam a sua autoestima diante do espelho. A surra termina por exaustão.

 

 

Pausa.

 

 

Um notável (entrando) Foi uma solução feliz. Uma solução pouco provável, mas feliz. Faremos tudo para que dure muitos e muitos decênios. Finalmente, afabilidade e astrologia, sem prejuízo da tradição. (dirige-se para a saída; para diante de um boneco, para dar-lhe um sopapo; o boneco, que é um homem, apara com a esquerda e com a direita aplica-lhe colossal bofetada, que lança o notável a vinte metros, para dentro de um buraco, sobre o qual está escrito em letras garrafais: A LATA DE LIXO DA HISTÓRIA; o boneco esfrega as mãos e vai para casa)

 

 

FIM