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Foi u magghiatu o primeiro a dar a notícia. Andava pelos bosques sem temer cair nas mãos dos salteadores. Dizia-se que ia lá para se encontrar com certos amigos seus, comunistas como ele, e que o propósito desses encontros fosse o de arquitetar uma verdadeira revolução para matar todos aqueles como o barão.

Aconteceu a meio da manhã. Ao passar diante da casa da makara foi surpreendido por um intenso cheiro de incenso que se propagava desta. Intrigado, debruçou-se à janela para descobrir de qual bruxedo se estaria a ocupar a velha e viu-a estendida em cima da cama com as mãos cruzadas sobre a barriga e com todas as joias postas, as quais – soube-se depois – não tinha tirado na noite anterior.

A notícia deu a volta à aldeia e espalhou-se também às aldeias vizinhas. O padre Geremia organizou rapidamente o funeral. Alguém referiu que ele temia que a alma da makara começasse a andar à solta pelos bosques, correndo o risco de, sem uma sepultura digna, ficar para sempre presa nesta terra mortal, como as bruxas cujas sombras negras volteiam de noite entre as árvores. A avó Assunta acendeu uma vela pela morta e rezou até à hora do almoço para que a sua alma fosse acolhida entre as outras almas do paraíso. No fundo, embora algumas vezes se tivesse servido do ritual do mau-olhado, a makara ajudara as pessoas e também muitas mulheres a dar a luz, aliás, melhor do que a parteira, que com as suas infusões de salsa tinha expedido tantos diretamente para o nosso criador, e que, portanto, era mais assassina do que a makara.

Foi sepultada cheia de adornos, como a estátua da Nossa Senhora das Neves no dia da sua procissão. As mulheres da aldeia verteram por ela lágrimas doces e persignaram-se, sentindo-se perdidas porque agora teriam de viver a vida tal como ela acontecia, sem ninguém que previsse o futuro, por mais feliz ou funesto que ele fosse.

*

Uma semana depois chegou à aldeia um jovem que dizia a todos ser o sobrinho da makara. Apresentou-se primeiramente na loja de Dom Beppe, imaginando que a sua tia tivesse alguma familiaridade com aquele espaço cheio de frascos e de pós que pareciam mágicos. A filha raquítica do especieiro anunciou a todos com a sua voz grosseira que chegara à aldeia um belo rapaz, cujos traços nada tinham que ver com o olhar sobranceiro e torvo da Tia makara, muito pelo contrário, era belo como u sole, com olhos levantinos como os dos homens que desembarcavam na marina ou dos atores que faziam sonhar – ainda que apenas na intimidade das suas casas – todas as raparigas dali. Ao crescer, a filha de Dom Beppe continuara magríssima e com o tórax anguloso, com fileiras de costelas salientes que despontavam dos vestidos. Toda a gente, porém, sabia que ela fazia enlouquecer o seu pai, quando no mercado abandonava o banco do especieiro para ir namoriscar com os vendedores de acolchoados, junto dos grupos de homens que jogavam às cartas e bebiam vinho, entre os vendedores ambulantes que circulavam pelo meio das bancas a vender raiz de alcaçuz e sabão de Marselha. Possivelmente, as notícias chegavam-lhe primeiro por causa desse hábito que ela tinha de vaguear continuamente e, antes de transmiti-las de ruela em ruela, acrescentava-lhes um pouco de fantasia, fiel à sua personalidade escandalosa.

«É porque cresceu sem ter mãe», comentavam algumas comadres, visto que o especieiro ficara viúvo quando a sua filha ainda era pequena, e assim perdoavam-se-lhe os modos bruscos e a língua venenosa. Todos lhe perdoavam menos Angelina, que nutria por ela um autêntico ódio. Por via destes dotes de descobridora de notícias, tinha ficado com a alcunha de «metralhadora». Qualquer bagatela que dissesse respeito à aldeia chegava-lhe de imediato aos ouvidos e depois era cuspida como uma rajada de metralhadora.

Anunciou a todos, portanto, que este rapaz, sobrinho da makara, tinha chegado a Cupertino com uma carroça que se tinha visto a subir a ruela do cemitério. Trazia consigo os móveis de um quarto de dormir. Guarda-roupa, colchão, cómoda, secretè e apenas uma mesinha de cabeceira, de uma madeira castanha brilhante e grandes folhas embutidas nos contornos. A carroça, seguida por cães que ladravam aos passantes e que pareciam escoltar os móveis do jovem, parara vacilante em frente da loja do especieiro.

Dom Beppe coçara a nuca e olhara em redor, esperando que houvesse alguém que o ajudasse a desfiar aquele novelo.

Em suma, como se podia acreditar na palavra de um rapazote que nunca se tinha visto por aqueles lados? A makara nunca tinha falado de sobrinhos.

– Estais certo de me dizer a verdade? – tinha-lhe perguntado, perplexo.

O jovem, fazendo prova da sua boa-fé, mostrara uma carta da tia recebida algumas semanas antes. A velha escrevia-lhe que a sua casa escalavrada iria vagar dali a pouco e que, sabendo que ele vivia na mais negra das misérias, teria todo o prazer que ele a ocupasse nos anos vindouros. O especieiro havia-a lido duas vezes, percorrendo com o indicador a caligrafia hesitante da makara. Cada letra, tinha dito a «metralhadora», parecia escrita por uma mão trémula, que tropeçava a cada curva, assaltada por nódoas de tinta e tremores. Ninguém imaginava sequer que a makara sabia escrever.

– Não sei – comentara o especieiro –, parece-me autêntica. Mas como sabia ela que a casa iria vagar?

O jovem fixara os seus belos olhos claros no lojista e depois na sua filha.

– Entende-se, caro senhor. A minha tia era uma makara e certas coisas pressentia-as. Só lamento ter chegado demasiado tarde e que ela já esteja morta. A última vez que a vi era muito pequeno.

– E de onde vem? – perguntara-lhe, lançando uma última olhadela à carta.

Então o jovem tinha contado sobre a sua casa de tufo, nos Sassi de Matera. Um buraco enegrecido pela fuligem, encastrado entre as outras casas de tufo amontoadas umas sobre as outras, com janelinhas minúsculas e portas de madeira. Uma amálgama de tijolos, pedras, pessoas e animais. Nunca havia água, por conseguinte, cagava-se de cócoras por detrás dos atrelados ou junto de algum fontanário que, quando funcionava, permitia que uma pessoa se lavasse o melhor possível.

– É um lugar abandonado por Deus, senhor. Se se é homem ou animal, ali não faz diferença. Vive-se de igual modo.

O jovem movia as mãos sem gesticular demasiado, como faziam os outros homens da aldeia, inclinava a cabeça em sinal de respeito e tinha modos gentis que agradaram ao lojista.

– Nesse caso, acompanho-o à casa de sua tia. É no meio dos bosques – concluíra.

Subiram os dois para a carroça e dirigiram-se para a casa da bruxa.

– Vai-me fazer bem estar rodeado de árvores. Finalmente terei um pouco de espaço – comentara contente o jovem. – Estava a sufocar em Matera. – De seguida, estendera a mão ao lojista. – O meu nome é Giacomo. Giacomo Pisanu – concluíra, antes de desaparecer no final da ruela.