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Era o verão de 1950. Nos últimos meses, Angelina transformara-se, as suas formas tinham-se tornado mais pronunciadas e a sua expressão mais lânguida. Também eu mudara. Giacomo estava recuperado das pancadas recebidas, das injúrias e do desprezo. Começara de novo a frequentar assiduamente a nossa casa e a comer connosco aos domingos. Pelo que me dizia respeito, com o passar dos dias, sentia uma espécie de ranger interior, a suavidade terna de uma perturbação estranha e nova e doce que se insinuava por dentro pedindo para se tornar visível.

Certa manhã, a mamã foi buscar as tinas que tinham escapado às buscas dos fascistas e encheu-as com água, que deixou depois a aquecer no pátio, misturando-lhe de seguida cinzas para deixar de molho os lençóis. Era uma operação que completava duas vezes ao ano. Eu e Angelina enfiávamo-nos nessa mesma água, e a mamã esfregava com força a nossa pele para retirar as células mortas.

– As minhas meninas fizeram-se mulheres – exclamou enquanto admirava as nossas belas carnes jovens e rosadas. Também ela era ainda jovem à época, mas os anos passavam e a sua luz murchava lentamente. Era uma flor da véspera.

Após o banho, eu e Angelina enxugámo-nos no quarto de dormir e ficámos a observar os nossos respetivos corpos nus ao espelho. Éramos diferentes. As suas ancas macias e abundantes, o ventre docemente arredondado, os seios volumosos. Eu, ao invés, com a cintura demasiado larga em relação às ancas estreitas e o seio pequeno, mas pernas compridas e elegantes.

– És lindíssima – disse-me, e percebi que estava a ser sincera. Pela primeira vez na minha vida, acreditei que o era realmente.

Estava certa de que o amor, mesmo que secreto e apenas manifestado por mim, me tornaria mais fraca, mas, pelo contrário, sentia-me mais forte, mais corajosa, potente e sólida. Foi a olhar-me nos olhos que Angelina me confessou o seu segredo:

– Tere’, estou apaixonada.

Sustive a respiração. Estava certa de que se tratava de Giacomo. O amor deles seria declarado, em breve casariam e teriam lindos bebés. Os meus sobrinhos, gerados pelo homem que eu amava solitariamente entre suspiros e imagens arrebatadas surgidas em pensamento antes do sono. Provavelmente, amá-lo-ia para sempre e ele amaria Angelina. Eu e ele, para toda a vida, dois pequenos pedaços da sua sombra.

Agarrou-me nas mãos e apertou-as com força.

– Teresa, sei que não vais acreditar em mim, mas é mesmo verdade. – Todo o quarto andava à roda, o coração explodia-me no peito. – Estou apaixonada pelo filho do barão, Giuseppe Personè.

E contou-me com todos os pormenores o que amava nele e a admiração de reconhecer no seu corpo os troncos nodosos das oliveiras, aquela mesma madeira dura que afundava as raízes na terra pedregosa.

Giuseppe Personè? As minhas pernas vacilaram e o quarto não parou de andar à roda. Sentia uma voz interior que me sussurrava os pontos enganadores daquele sentimento impossível: «o grande come o pequeno» – não era o que a avó Assunta dizia sempre? –; irá fazer-te um buraco no coração, tão grande quanto o buraco na parede da casa da Cimmiruta. Ao passar diante dele, todos faziam o sinal da cruz e pediam a Jesus para afastar o demónio, porque diziam que aquele buraco, redondo e profundo, era obra do diabo para levar para o inferno a alma da velha coscuvilheira. O segredo de Angelina também abriria rachas nas paredes, espargiria veneno pelas ruelas da aldeia. Ou não era Personè o próprio diabo em pessoa?

– Não é possível, Angelina, tens a certeza? Nunca poderás… – As palavras ficaram-me retidas na garganta. Comecei a gaguejar cada sílaba como em criança.

A minha irmã pareceu-me contrariada. Agarrou com força no vestido pousado sobre a cama e cobriu-se à pressa, quase como se eu já não fosse mais digna de partilhar com ela qualquer segredo íntimo. Brilhavam-lhe os olhos de um belo castanho líquido, que quase falavam. Vi nela a alegria que se misturava com o terror, como o depósito no vinho novo. Se o meu amor solitário me fortalecia, o seu enfraquecia-a. O mundo invertido em que ela vivia, era povoado por maravilhas, os patrões e os escravos apertavam as mãos e comiam na mesma mesa, havia jovens de sorrisos estampados de dentes brancos e saudáveis, como aqueles que o barão possuía. O seu coração havia renunciado às coisas desta terra: o pão, as lutas travadas pelos campos, os corpos assassinados. Podiam morrer todos, as suas casas reduzirem-se a cinzas, as estradas a um mar de lama e as árvores abatidas. Pó e folhas sobre os quais ela caminhava segura e expedita.

– Angeli’, que foste tu fazer? – Fixava-a incrédula, sentindo agora vergonha pelo meu corpo nu. Um frémito percorria-me as costas. – E se o papá descobre? E se o barão descobre?

Encolheu os ombros. Estava quase a chorar.

– Ele também me ama. Foi ele mesmo quem me disse.