E que esplêndida língua o Brasil nos deve! Tôdas as raças que passaram por este canto da terra, aqui deixaram a flor e o ideal da sua alma. Desde a povoação céltica e a colonização grega, de que tantos vestígios restam ainda nas nossas províncias do norte, até à invasão dos árabes que envolveram tôda a civilização da península numa etérea poeira de luz e oiro – as imigrações sucessivas e as conquistas supervenientes contribuíram, tôdas à formação desta língua admirável que, sob muitos aspectos, não tem superior no mundo.
Serve a tudo: à epopéia e ao idílio, à lamentosa elegia e ao cântico de guerra.
Passada pelas cordas duma lira, é suave e doce como a voz do amor; assoprada na tuba épica, é vibrante, sonora e grandiosa ou terrível segundo os têrmos que versa, as ações que canta ou os heróis que celebra.
O sol doura-a, ilumina-a, aquece-a; e a nossa paisagem, tão variada e linda, tão florida e perfumada, reflete nela como na superfície clara dos nossos rios, e nas ondas, de tanta côr, que o mar estende por essas praias. Transladada ao sul da América, não perdeu o caráter grave, nem a têmpera máscula, nem o tom de funda, indefinível melancolia que lhe imprimiu a esforçada e trágica aventura de nossos avós; e ainda adquiriu preciosos elementos de encantadora suavidade, de frouxa, dolente e maviosa ternura.
Antônio Cândido – Discursos.
Apud Antenor Nascentes, 1960.