Sem dúvida nenhuma, estamos aqui diante de um dos assuntos mais complexos da língua portuguesa. Afinal, quem nunca teve dúvidas com estruturas do tipo: “Estas coisas estão aqui para SER (ou SEREM) organizadas pelos funcionários?”.
Neste capítulo, estudaremos as regras que orientam o emprego do infinitivo em português — um assunto geralmente cobrado nos grandes concursos. Salientamos de antemão que aqui não conseguiremos exaurir todas as possíveis aplicações desta forma nominal.
Em primeiro lugar, cumpre dizer que o infinitivo é uma forma nominal do verbo, ou seja, é um nome (no caso, funciona como um “substantivo”) que designa a ação ou estado de modo geral.
Dançar faz bem aos músculos.
É importante comer bem para evitar problemas cardíacos.
É proibido vender bebidas alcoólicas a menores.
Falar alto prejudica as pregas vocais.
Percebe-se, com os exemplos acima, que as ações verbais fazem abstração do sujeito e do tempo, ou seja, a ação verbal não apresenta o ser que as pratica e não se situa em nenhum tempo (passado, presente ou futuro).
Na língua portuguesa, o infinitivo apresenta-se tanto na forma impessoal (também chamada de “não flexionada”) quanto na forma pessoal (também chamada de “flexionada”).
O infinitivo impessoal é marcado pela desinência “-r”. Já o infinitivo pessoal apresenta as seguintes desinências:
• 1.ª conjugação ² -ar, -ares, -ar, -armos, -ardes, -arem.
• 2.ª conjugação ² -er, -eres, -er, -ermos, -erdes, -erem.
• 3.ª conjugação ² -ir, -ires, -ir, -irmos, -irdes, -irem.
1.ª conjugação |
2.ª conjugação |
3.ª conjugação |
AMAR |
VENDER |
PARTIR |
amar (eu) |
vender (eu) |
partir (eu) |
amares (tu) |
venderes (tu) |
partires (eu) |
amar (ele) |
vender (ele) |
partir (ele) |
amarmos (nós) |
vendermos (nós) |
partirmos (nós) |
amardes (vós) |
venderdes (vós) |
partirdes (vós) |
amarem (eles) |
venderem (eles) |
partirem (eles) |
Observações:
a) Os verbos regulares apresentam a mesma forma para o infinitivo pessoal e o futuro do subjuntivo. A distinção entre um e outro é perceptível no emprego. O futuro do subjuntivo, primeiramente, apresenta um fato duvidoso, eventual ou hipotético no futuro, enquanto o infinitivo não situa a ação no tempo. Ademais, o futuro do subjuntivo admite a anteposição de conjunções subordinadas, como “quando” e “se”, ao passo que o infinitivo as rejeita — este admite apenas a anteposição de preposições. Observe abaixo:
b) Quando o verbo é irregular, o infinitivo é distinto do futuro do subjuntivo.
Várias são as orientações para o emprego do infinitivo que se encontram nos manuais gramaticais portugueses. Muitas apresentam contradições; outras, verdadeiros equívocos; outras ainda são confusas, difíceis de entender. Em duas orientações, porém, todos são unânimes. Daí por que consideramos essas duas regras como “máximas” para o emprego do infinitivo, e por elas devem se guiar os que pretendem empregar corretamente essa forma nominal.
I – Emprega-se o INFINITIVO IMPESSOAL (NÃO FLEXIONADO) quando a ação por ele expressa não se refere a nenhum agente determinado, ou seja, o infinitivo é essencialmente impessoal.
Querer é poder.
Lutar pela pátria é um ato de coragem.
O maior mandamento é este: amar a Deus sobre todas as coisas e amar o próximo como a si mesmo.
“Não será aleive atribuir-lhe uma pouca de astúcia ou hipocrisia, se quiserem; perspicácia seria mais correto dizer.” (Camilo Castelo Branco)
“Voar! varrer o céu com as asas poderosas,
Sobre as nuvens! correr o mar das nebulosas,
Os continentes de ouro e fogo da amplidão!...” (Olavo Bilac)
“No meio destas dissertações acadêmico-literárias vem o A. a descobrir que para tudo é preciso ter fé neste mundo.” (A. Garrett)
II – Emprega-se o INFINITIVO PESSOAL (FLEXIONADO) quando o infinitivo possui sujeito próprio — expresso ou não —, ou seja, o infinitivo é essencialmente pessoal.
O fazendeiro comprou dois novos cavalos para correrem no pátio da fazenda. (O sujeito do verbo “correr” é o termo elíptico “dois novos cavalos”.)
É fundamental partires agora, meu filho. (O sujeito do verbo “partir” é o pronome pessoal elíptico “tu”.)
“Em vez de com eles se animarem os soldados, antes se desanimam e desalentam.” (Pe. Antônio Vieira apud Theodoro H. Maurer Jr.)
“Endireitar Oza a arca do Testamento que ia descaindo, por causa dos bois recalcitrarem, não parecia grave irreverência.” (Manuel Bernardes apud Theodoro H. Maurer Jr.)
“Que os levasse o diabo os ingleses! Isto não ficava direito sem irem todos eles barra fora.” (Machado de Assis)
“Cerrai a porta, que há aí alguns vizinhos de andares altos, que já murmuram sermos nós ruins gastadores de tempo.” (Castilho apud Souza da Silveira)
Observação:
Quando o sujeito do infinitivo é o mesmo sujeito do verbo da oração antecedente, a flexão do infinitivo torna-se facultativa. Neste caso, deve-se dar preferência ao infinitivo não flexionado, por ser mais eufônico, mais elegante para o período.
Pedro e João foram acusados de BOICOTAR /ou/ BOICOTAREM a greve.
Deixastes a sala para FAZER /ou/ FAZERDES um comentário com o chefe?
Nós sempre fomos pontuais em ELABORAR /ou/ ELABORARMOS os relatórios do setor.
Muitos jovens lutam bastante a fim de CRIAR /ou/ CRIAREM um mundo melhor.
Os mais diversos países do planeta vêm buscando formas de SE APROXIMAR e DE INCREMENTAR /ou/ SE APROXIMAREM e DE INCREMENTAREM suas relações econômicas, sociais e culturais.
A partir dessas duas orientações, ficamos mais tranquilos quanto ao estudo dos demais casos em que se emprega um ou outro tipo de infinitivo, pois sabemos que os outros casos sempre comportam exceções, o que torna o emprego do infinitivo uma das mais difíceis tarefas para o estudioso da língua portuguesa.
Como tantos outros estudiosos, tentaremos sistematizar alguns outros empregos do infinitivo, sem a menor pretensão, entretanto, de exaurir o assunto.
Além das duas primeiras regras, acima estudadas, emprega-se também o infinitivo nos casos apresentados a seguir.
a) Quando apresenta sentido de imperativo.
“Viver é lutar.” (Gonçalves Dias apud M. Said Ali)
“Caminhar! Caminhar!... O deserto primeiro,
O mar depois... Areia e fogo... Foragida,
A tua raça corre os desastres da vida,
Insultada na pátria e odiada no estrangeiro!” (Olavo Bilac)
b) Quando vem regido das preposições “de” ou “em”, com sentido passivo — embora apresente forma “ativa” —, completando certos adjetivos, tais como “fácil, difícil, duro, raro, capaz, bom, mau, digno, impossível” e outros.
“Eu não sou muito difícil em admitir prodígios quando não sei explicar os fenômenos por outro modo.” (A. Garrett)
“O rapaz está caído por alguma das tais francesinhas; e elas que são umas jibóias!... Finas como um alhambre, mas capazes de engolir um homem!...” (José de Alencar)
“Diante do jockey, sem chapéu, com a face a estoirar de sangue, gritava-lhe que era indigno de estar ali, entre gente decente!” (Eça de Queiroz)
c) Quando vem regido da preposição “para” e apresenta sentido indiscutivelmente passivo.
“Foi ela que me recomendou aqueles dois quadrinhos, quando andávamos os três, a ver coisas para comprar.” (Machado de Assis)
“— Perderia a fala com o susto — aventou o cabo, e sacudiu-a pelos ombros para lhe desemperrar a língua.” (Camilo Castelo Branco)
Observação:
Nos dois últimos exemplos acima, as estruturas podem ser convertidas para “... coisas para ser compradas.” e “... para ser desemperrada a língua dela.”, respectivamente.
d) Quando, embora não preposicionado, apresenta sentido claramente passivo.
“O mesmo dia os viu batizar.” (Machado de Assis, apud Gladstone C. de Melo)
“... nada mais fácil ao sr. professor do que fazer a demonstração prática de tudo isso, levando para a escola diversos frutos, anatomizando-os, e fazendo-os anatomizar pelos seus discípulos.” (Castilho apud Sousa da Silveira)
Observação:
Nos dois exemplos acima, os infinitivos podem ser claramente substituídos por “serem batizados” e “serem anatomizados”.
e) Quando forma locução verbal (construção perifrástica). Neste caso, funcionarão, geralmente, como auxiliares do infinitivo, verbos do tipo “vir, ter, haver, dever, poder, costumar, começar, continuar, tornar, querer, estar, ficar”. Muitas destas construções aparecem ligadas por preposições como “a, de, por”.
Afinal vim a saber o que acontecera.
A construção da igreja está por acabar.
Parece que vai chover hoje à tarde.
Tenho de estudar para a prova de amanhã.
Nada podia fazer sem que ele consentisse.
Todos costumam sair aos sábados para as baladas.
f) Quando, regido da preposição “a”, equivale a um gerúndio em locução verbal com os verbos auxiliares “estar, ficar” entre outros, construção esta muito usual em Portugal.
Todos os passantes estavam a dormir naquele momento. (Isto é, “estavam dormindo”)
“— Bem dizia eu que aquela janela...
— É a janela dos rouxinóis...
— Que lá estão a cantar.” (Camilo Castelo Branco)
g) Quando o infinitivo é dependente de verbos como “ver, ouvir, mandar, fazer, deixar” e análogos, numa estrutura em que se empregue um pronome pessoal oblíquo que seja ao mesmo tempo objeto do verbo regente e sujeito do verbo regido.
E não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal.
Até agora não me mandaram limpar nada aqui na empresa.
“O erro de Capitu foi não deixá-los crescer infinitamente, antes diminuir até às dimensões normais, e dar-lhe o movimento do costume.” (Machado de Assis)
“Os mesmos olhos claros e atentos, a mesma boca cheia de graça, as mãos finas, e uma cor viva nas faces que as fazia crer pintadas de sangue.” (Machado de Assis)
“Assim pode ser, mas, ainda agora, neste solene momento, me domina a vontade de fazer-te sentir que eu não podia viver.” (Camilo Castelo Branco)
Observação
Quando o sujeito desses verbos causativos e sensitivos (mandar, deixar, fazer, ver, ouvir, sentir e análogos) é formado por um substantivo, a flexão do infinitivo é facultativa.
Mandei os meninos ENTRAR/ENTRAREM na sala.
As variações do dólar fizeram os governos latinos AUMENTAR/AUMENTAREM as proteções comerciais.
Durante a confusão, nós vimos vários manifestantes PULAR/PULAREM a cerca de proteção.
a) Quando se emprega na 3.ª pessoa do plural para indicar a indeterminação do sujeito.
“Nunca se pôde saber donde saíra aquela criança; como chegara até o terreiro sem darem por ela.” (José de Alencar, apud Sousa da Siveira)
Tenho a impressão de que deixaram o maçarico aqui para arrombarem a porta de ferro durante a madrugada.
b) Quando a clareza exige, para evitar uma possível ambiguidade, que se indique qual é o sujeito da oração.
“Ó Netuno, lhe disse, não te espantes
De Baco nos teus reinos receberes,
Porque também cos grandes e passantes
Mostra a Fortuna injusta seus poderes.”
(Camões — Os Lusíadas apud Gladstone C. de Melo)
“Perdoe-te o céu o haveres-me obrigado a sacrificar aos pés desse orgulho o sentimento de amor que se alevantara neste coração.” (A. Herculano, apud Gladstone C. de Melo)
c) Quando se quer enfatizar o sujeito da oração infinita.
Os diretores afirmaram-nos estarem despreparados para participar da reunião naquele momento.
“E talvez saia assim a flor mais bela, o meu jardineiro afirma que as violetas, para terem um cheiro superior, hão mister de estrume de porco.” (Machado de Assis)
“Ainda na borda do rochedo aprumado sobre a água se enxergavam alguns orifícios profundos, que mostravam terem servido para embeber as traves de ponte lançada para a outra margem, também elevada e penhascosa.” (A. Herculano)
Observação:
Quando o infinitivo vier precedido do verbo PARECER, pode-se flexionar um ou outro verbo.
“Ao menos, tu serás minha! — exclamou o amir, lançando a mão ao braço da donzela vestida de branco, a quem o terror desta cena rapidíssima tornara imóvel, como uma dessas estátuas que parecem orar sobre os sepulcros nas catedrais da Idade Média.” (A. Herculano)
“As vagas teorias do socialismo, os sonhos do comunismo não me parecem provar senão a impotência da forma contra o poder da matéria.” (Almeida Garret)
“... e no horizonte não se vêem senão os topos pardo-azulados das serras do Algarve, que parece fugirem tanto quanto os cavaleiros caminham.” (A. Herculano)
“... olhos desvairados parecia buscarem o vulto lúgubre e tétrico da forca.” (Rebêlo da Silva, apud Arthur A. Tôrres)
Eis um ponto em que os alunos têm muitas dúvidas: o emprego correto do infinitivo passivo cuja estrutura apresenta o verbo SER, no infinitivo, e um PARTICÍPIO.
Sem dúvida, nem sempre é fácil transmitir para o estudante da língua uma orientação consistente, uma vez que o emprego do infinitivo obedece, muitas vezes, a questões de ênfase, colocação etc. Sugerimos, entretanto, as seguintes orientações para o emprego do infinitivo passivo formado com o verbo SER:
a) Emprega-se frequentemente a forma flexionada do verbo SER passivo, quando o sujeito do infinitivo estiver no plural e vier à frente da preposição. Teremos, então, a estrutura: SUJEITO + PREPOSIÇÃO + SEREM + PARTICÍPIO.
“O homem não tornou cá, nem as pelintronas das filhas, que hão de pôr a cara onde a Sr.ª D. Ângela põe os pés para serem afagados.” (Camilo Castelo Branco)
Todas as cidades a serem inspecionadas pelo auditor ficam na região Nordeste.
Não concordamos com os métodos a serem usados na avaliação dos candidatos.
b) Emprega-se preferencialmente a forma flexionada SEREM quando, a despeito de o sujeito ser comum entre as orações, este for de número plural.
“Fizeram bem em partir depressa, porque se se demorassem alguns minutos, corriam o risco de serem devorados pelos olhos dos vizinhos.” (Manuel A. de Almeida)
“No mesmo ano, os dois passam a viver juntos para serem presos dois anos depois, como adúlteros.” (Camilo Castelo Branco)
“As criadas, por escrúpulo, eram examinadas em doutrina antes de serem aceitas.” (Eça de Queiroz)
“Clara recebia aquelas cartas com uma emoção de quem recebe mensagens divinas. Entretanto, eram pessimamente escritas, a ponto de não serem, às vezes, entendidas, tão caprichosa era a ortografia delas.” (Lima Barreto)
c) Emprega-se preferencialmente a forma não flexionada quando o infinitivo passivo do verbo “SER” servir de complemento nominal para adjetivos do tipo “fácil, difícil, capaz, raro, mau, digno etc.”
Foram questões fáceis de ser respondidas.
Víamos, naquele local, muitas mulheres dignas de ser louvadas.
Ensinei a muitos alunos capazes de ser aprovados em quaisquer concursos.