Les indigènes de l’Amérique du Sud tropicale ont inventé le hamac.
Robert Lowie, Manuel d’Antropologie Culturelle.
Nos domínios etnográficos e mesmo da antropologia cultural, não é mais conveniente a indicação peremptória da origem de uma instituição, instrumento, costume ou objeto. As interdependências são imprevisíveis e complexas. Tornam-se mais difusas e vagas na proporção que investigamos as raízes. Tenho saudades do tempo em que era natural colocar-se um letreiro em cima de cada coisa, historiando-lhe o nascimento.
Quem estuda literatura oral conhece o mistério das procedências temáticas. Outrora dizia-se apenas: isto é negro, isto é indígena, isto é europeu. Causa finita est. Ninguém discutia quase. Ficava sendo. Grande tempo, bom tempo. Hoje não mais existe esta coragem heroica de afirmar. Há, naturalmente, quem afirme, mas não existe maioria para cumprir-lhe a sentença.
O problema mais sedutor é o povoamento do continente americano. De onde vieram os povos povoadores? Temos unicamente o caminho Noroeste da Sibéria, pulando a ponte alêutica ou pisando o gelo articulador do Estreito de Bering, entre Alaska e a Península de Chukchi? E os melanésios, polinésios e australianos, perturbando a tradição imutável e clássica, hobby do grave Hrdlicka, tão pacientemente defendidos por Paul Rivet? Os australianos, ou protoaustraloides, encontraram fórmula acomodadora entre o velho e o novo conceito de emigração. Habitando o Suleste da Ásia, um povo dolicocéfalo dividiu-se e um dos grupos atingiu a Austrália e outro, derramando-se no litoral asiático, deparou a América pelo Estreito de Bering. E veio, para dar que fazer, deixar um crânio na Lagoa Santa, às mãos de Lund.
Com os melanésios foi relativamente fácil imobilizar-lhes o avanço, mostrando que não atingiram as ilhas orientais do Pacífico que serviriam de alpondras para as costas americanas.
Os polinésios estão resistindo. Eram navegadores assombrosos, Vikings of the Sunrise, os vikings do Levante, denominou-os Peter H. Buc, alcançando Nova Zelândia, Havaí, a Ilha da Páscoa, partindo de Fiji, num estirão de 6.400 quilômetros na solidão do Pacífico. Foram de Havaí ao Taiti, 3.700 quilômetros, bem podiam, com demoras e descansos, afrontar os 13.000 entre a Nova Guiné e as praias do Panamá, ancoradouro que a fama lhes entrega como próprio e legítimo. Além da relação das coincidências linguísticas, arroladas por Paul Rivet, há o testemunho de “presenças” inexplicáveis e reais em ambos os lados, Polinésia e América, desafiando outra interpretação alheia ao conhecimento direto. Assim a batata (Rivet), a acha (Imbelloni), o algodão diploide, o plátano, a cabaça “Lagenária”, vieram da Aceânia, e a “Cucúrbita” (abóboras, e espécies), o algodão tetraploide, a batata-doce, saíram da América para os fins do Pacífico (Sauer); teria vindo da Polinésia, via Nova Guiné, a técnica da jangada.
Mas há o eterno problema do tempo que angustia a possibilidade deslocadora destas viagens de milênios. Ou a indicação de viagens “históricas” desconcordantes com as épocas de permanência nas terras americanas. Prudentemente o registro é lógico, mas as conclusões devem esperar elementos mais expressivos e numerosos, fora de falsas analogias ou simultaneidades criadoras sem interdependência ou sugestão.
Apesar do dogma dos antropologistas norte-americanos pelo “caminho único” e “fonte única” do povoamento inicial, com subsequentes mestiçagens sempre com as outras levas através de Bering (as Alêuticas não são muito defendidas como passagem), não parece dispensável a possibilidade de outros povos e de outras rotas que, visivelmente, deixaram vestígios na etnografia e tradição continentais.
Não estamos no momento de atinar-se com a origem e clara divisão das raças ameríndias que se fixaram no Brasil. Com o entusiasmo que a vibração de Paul Rivet e Canals Frau fundamentam, Tomás Pompeu Sobrinho traçou diagramas de percurso das cinco correntes povoadoras da América, no seu vivo e envolvente “Povoamento Pré-Colombiano do Nordeste Brasileiro” (Revista do Instituto do Ceará, t. LXVI, 1952).
Fora da terra ameraba não deparei a rede de dormir, exceto no registro de uma enciclopédia, a Treccani, indicando uma única área além do Novo Mundo onde, de fibra entrelaçada, existiria a hamaca. E foi justamente na Nova Guiné, na parte Sul-oriental, coincidente, mais ou menos, com a antiga Nova Guiné Alemã, com Negritos, Papuas e Malaios. Descobrimento do português Jorge de Menezes em 1526 e, posteriormente, o castelhano Ortiz rebatizou-a “Nueva Guinea”, pela semelhança praieira com a Guiné africana.
A informação seria relativamente recente porque não a encontrei nos relatos dos primeiros pesquisadores. Codrington (“Melanesian studies in Anthropology and Folk-lore”, Londres, 1891), Hagen (“Unter den Papuas”, Wiesbaden, 1899), Pratt (“Two years among New Guinea cannibals”, Londres, 1906).