Rede de Dormir

Jaime dos G. Wanderley

Berço de velhas gerações passadas!

Santuário de inocência, amor e graças!

Tu embalaste, em eras transmontadas,

frutos, inda imaturos, de três raças!

Deste ao Brasil, humildes ou opulentas,

à luz dos luares ou ao clarão dos sóis,

com o símbolo histórico que ostentas,

bravas legiões de mártires e de herois.

E assim, branquinha, leve, envarandada,

bem, serviste ao orgulho das Sinhás,

donas da Casa­-Grande, enguirlandada

da pompa dos brasões coloniais.

E, em angústia atroz, cruenta e brava,

embalaste, no escuro das senzalas,

o negrinho faminto da escrava

que, sofrendo, gemia, a soluçar,

porque o leite do gordo seio franco,

que a mamãe tinha, para o alimentar,

serviu para engordar o “filho branco”!

Quantas juras, em ti, foram juradas!

Quantos sonhos, em flor, foram sonhados!

Quantas quimeras foram desfolhadas,

nas promessas de amor dos namorados!

Quantos beijos ardentes escutaste,

de lábios que, hoje, em vão, ainda exortas!

Quantos ais... Quanta lágrima enxugaste,

de olhares a chorar venturas mortas!

Redinha de dormir! Sorte malsã

tem sido a tua, pela vida em fora.

Tua espontânea bondade é sempre vã,

em confortar a angústia de quem chora!

E se assistes, ainda, a dor humana,

de corpos, que se estorcem de agonia,

passada a dor dessa tortura insana,

conduze­-os, no teu seio, à tumba fria...

Redinha de algodão, macia e suave,

que embalas, na alegria, corações!

Rede de Macambira, Croá, Agave,

ninho angustiado de desilusões,

trouxeste a sina que te deram Fadas,

e a carpes entre venturas mais escassas,

embalando, em tuas tramas delicadas,

frutos, inda imaturos, de três raças...

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Lua Nova! Redinha que alvejou

pelo espaço, entre nuvens as mais belas!

Sei... Foi Nossa Senhora quem te armou,

para, de noite, ir ninar estrelas.

Cidade do Natal, 29 de julho de 1957.