Gonçalves Crespo
(1843-1883)
Na rede, que um negro moroso balança,
Qual berço de espumas,
Formosa crioula repousa e dormita,
Enquanto a mucamba nos ares agita
Um leque de plumas.
Na rede perpassam as trêmulas sombras
Dos altos bambus;
E dorme a crioula, de manso embalada,
Pendidos os braços da rede nevada
Mimosos e nus.
A rede, que os ares em torno perfuma
De vivos aromas,
De súbito para, que o negro indolente
Espreita lascivo da bela dormente
As túmidas pomas.
Na rede, suspensa dos ramos erguidos
Suspira e sorri
A lânguida moça, cercada de flores;
Aos guinchos dá saltos na esteira de cores
Felpudo sagui.
Na rede, por vezes, agita-se a bela,
Talvez murmurando
Em sonhos as trovas cadentes, saudosas,
Que triste colono por noites formosas
Descanta chorando.
A rede nos ares de novo flutua,
E a bela a sonhar!
Ao longe nos bosques escuros, cerrados,
De negros cativos os cantos magoados
Soluçam no ar.
Na rede olorosa, silêncio! deixai-a
Dormir em descanso!...
Escravo, balança-lhe a rede serena;
Mestiça, teu leque de plumas acena
De manso, de manso...
O vento que passe tranquilo, de leve,
Nas folhas do ingá:
As aves que abafem seu canto sentido;
As rodas do engenho não façam ruído,
Que dorme a Sinhá!
“Miniaturas” (1870). Sétima edição, Domingos Barreira Editor, Porto, 1943.