11.

Lijce

Attila nos levou até Tuzla, porque Esma queria parar e comprar algumas coisas para as crianças de Lijce.

— Eles são muito pobres, e os presentes vão fazer com que seja mais fácil aceitar a presença de um gadjo.

Enquanto isso, Attila caminhou comigo por algumas quadras, até uma ponte de aço sobre a rodovia, a fim de me mostrar o lago Pannonica, uma curiosidade local. No fim do século XX, as centenas de anos de extração de água salgada sob Tuzla para a produção de sal cobraram seu preço, e a área central da cidade tinha começado a afundar. A produção de sal tinha sido interrompida, mas, depois da guerra, as antigas piscinas nas quais as águas subterrâneas eram estocadas foram transformadas em instalações recreativas, tornando-se uma rede de lagos de água salgada, uma espécie de mar interno com praias pedregosas que ficavam lotadas no verão.

Quando voltamos à praça principal, Esma nos aguardava com duas sacolas abarrotadas. Ao sair da cidade, passamos pelas imensas instalações da Tuzla Elektrik, cujas chaminés desenhadas contra o céu pareciam os braços de uma multidão agitada, com as aberturas em formato de ampulheta, a vários metros de altura, lançando vapor constantemente.

Logo estávamos subindo outra vez. Era um adorável cenário de montanhas verdejantes. Em alguns campos, os montes de feno, enrolados com uma vara, pareciam grandes piões. Esma, bem mais baixa que eu, se oferecera para viajar no banco de trás. Ela se inclinou para a frente a fim de ouvir o que Attila estava dizendo e, quando o carro acelerou, apertou meu ombro para se segurar.

— Mina de sal — comentou Attila apontando para a direita, onde era possível ver grandes tanques de armazenamento brancos no topo da colina. Dois dutos finos, um amarelo e outro verde, corriam paralelamente à rodovia.

Vinte minutos depois, pegamos uma estrada de terra amarelada para entrar na cidade roma de Lijce. Mal havíamos chegado à primeira casa quando um garotinho reconheceu Esma, cuja generosidade anterior obviamente havia causado impacto. Seu grito animado atraiu mais de dez crianças, que vieram correndo até nós, impedindo o avanço do carro. Tinham o aspecto de crianças de rua, sujas de terra e vestidas com roupas velhas, desbotadas e descombinadas, mas pareciam bem-nutridas e felizes, com exceção de um garoto com uma ferida aberta e purulenta no rosto. Os meninos usavam short e vários tipos de calçado, a maioria sandálias de plástico ou tênis de velcro. Nenhum deles usava meias.

Esma saiu do carro, rindo quando as crianças começaram a pular ao redor dela. Fez perguntas sobre as famílias de cada uma e distribuiu presentes de acordo com a aparente necessidade. Attila baixou o vidro, conversando com elas em bósnio.

— O que estão dizendo? — perguntei.

— O que você acha? Elas querem dinheiro. Estão barganhando: “só um keim” — respondeu ela, referindo-se à moeda bósnia. Oficialmente, valia meio euro, o que significava que as crianças estavam pedindo cinquenta centavos. Attila entregou todas as moedas que tinha. O garoto com a ferida insistiu que também aceitava notas.

Era quinta-feira, pouco depois do meio-dia. Quando Esma voltou para o carro, perguntei:

— Por que essas crianças não estão na escola?

Ela sorriu.

— Pergunte a elas. Veja se consegue a mesma resposta duas vezes. Mas algumas mal falam bósnio. Por toda a Europa, as pessoas lamentam o fato de os roma não mandarem os filhos para a escola, mas em pouquíssimos lugares as autoridades tentaram ensinar na nossa língua ou respeitar os nossos costumes. Depois da puberdade, as tradições roma exigem que os estudantes sejam separados por gênero, o que os gadjos não aceitam. Com isso, mesmo as crianças que recebem alguma educação não passam do sexto ou do sétimo ano. — Isso significava 11 ou 12 anos.

Quando Attila estacionou, desci do carro para observar a cidade. A estrada atravessava duas elevações sobre as quais havia não mais que trinta casas, quase todas com quintais transformados em depósitos de entulho. Havia pequenos montes de refugo, frequentemente incluindo peças enferrujadas de carros velhos, empilhados ao lado do lixo acumulado: sapatos sem cadarço, eletrodomésticos quebrados, molas de colchões, vasilhas usadas, restos de material de construção — um notável goulash de itens, aparentemente preservados porque poderiam ter algum uso futuro. Algumas casas pareciam maciças, com bases de estuque ou concreto e estruturas de madeira, embora o revestimento estivesse inacabado, como se a madeira tivesse sido pregada antes que alguém pudesse chegar para pegá-la de volta. Ao lado das casas maiores, havia carros novos estacionados e, em três ou quatro delas, vi antenas parabólicas no telhado. Mas a maioria das moradias em Lijce era minúscula, feita de pedra ou blocos de concreto e recoberta com peças sobrepostas de aço corrugado reaproveitado.

Após alguns minutos, várias pessoas arriscaram sair das casas, observando-nos com olhares sombrios. Por fim, uma voz se elevou, cantarolando “Ays-Ma”, e isso bastou para que os moradores avançassem. Em questão de segundos, havia um círculo em torno de nós, todas mulheres, em geral corpulentas e usando longas saias e lenços de cabelo coloridos que emolduravam madeixas pretas e rostos acobreados. Estavam claramente intrigadas com Esma e, uma vez que já a conheciam, tocavam suas roupas sem hesitação, especialmente o cachecol lavanda de lã em torno do pescoço. Esma reagiu bem, rindo e agradecendo os elogios, antes de se virar para mim.

— Mulheres ciganas — disse ela. — Querem saber quantos filhos eu tenho, como se a resposta pudesse ter mudado desde a última vez em que estive aqui, há uns dois anos. Também querem saber por que vocês vieram.

— Por favor, diga a elas que eu estou aqui para ouvir sobre os roma que moravam na cidade de Barupra.

A pergunta provocou comoção, com lamentos agudos e grandes gestos que Esma fez seu melhor para traduzir, juntamente com Attila, uma vez que as respostas eram em romani e bósnio. Pouco depois, as mulheres de Lijce estavam discutindo entre si.

— Aquela mulher disse que eles desapareceram — traduziu Esma. — Essa senhora concorda e diz que o Exército os matou e jogou seus corpos no rio.

— Pergunte qual Exército, por favor.

— O Exército bósnio. Com a saída dos americanos, os bósnios queriam retomar as terras onde ficava o campo.

Uma mulher mais velha pareceu irritada com essa teoria.

— Ela diz que os bósnios não matariam os roma porque eles lutaram por esse país. Mas a outra diz que os moradores de Barupra eram ortodoxos e, para os muçulmanos, iguais aos sérvios. E aquelas duas mulheres — Esma apontou — estão rindo das outras e dizendo que os americanos assassinaram os roma de Barupra porque achavam que eles tinham ajudado Kajevic a matar seus soldados.

Tentei obter detalhes sobre o que os roma teriam feito para ajudar Kajevic, mas as mulheres também estavam confusas.

Eu me voltei para Attila, do outro lado do círculo, em busca de sua versão.

— A maior parte delas diz que foram os Tigres de Arkan mandados por Kajevic — explicou Attila —, embora aquela senhora acredite que o povo de Barupra simplesmente tenha voltado para Kosovo.

Eu nunca tinha ouvido essa hipótese, e Attila riu dela.

— E ninguém ouviu falar sobre eles em onze anos? Mesmo com celulares? Elas estão falando besteira — disse ela. — Nenhuma delas faz a menor ideia do que aconteceu. Elas são ciganas. Respondem porque gostam de contar histórias.

Achei que Esma fosse ficar ofendida, mas ela riu junto com Attila. Enquanto isso, a senhora mais velha, obesa e encurvada, mas com uma força evidente que poderia ser pura resiliência, fez um ruído e agitou a mão enquanto se afastava.

— Onde estão os homens? — perguntei a Attila e Esma. — Trabalhando?

— Em parte — respondeu Attila. — Eu contratei alguns para a Arábia Saudita, se me lembro bem. A Bósnia sempre teve um grande mercado cinza de bens roubados, e os ciganos são bons nisso. Alguns estão na cidade dando golpes. A maioria está catando ferro.

— Alguns estão na prisão — acrescentou Esma, didática como sempre. — Os roma são os homens mais presos na Europa.

Foquei em Attila.

— O que você quer dizer com “catando ferro”?

— Coletando restos de metal — explicou ela. — Aço. Alumínio. Eles vendem para os comerciantes. Qualquer coisa serve. Molas de colchão velhas, latas, qualquer lixo. Era isso que a maioria dos homens de Barupra fazia para ganhar dinheiro.

Alguns minutos depois, um homem baixo e gordo rompeu o círculo de mulheres para se apresentar. Falava um inglês rudimentar.

— Sou prefeito aqui. Tobar.

Com três dentes faltando na arcada superior, Tobar tinha mais ou menos um metro e sessenta e usava um cinto branco bem largo que envolvia sua imensa barriga. Seu corte de cabelo, com fios oleosos e escorridos em torno do topo calvo, dava a impressão de que alguém tinha derrubado uma tigela de sopa em sua cabeça. Havia três grandes anéis de ouro na mão que ele me estendeu. Mas, quando viu Esma, deixei de ser o foco de sua atenção. Ele arquejou, fez uma mesura e beijou a mão dela.

— A bela dama!

Esma deu uma bela risada.

— Os homens ciganos estão sempre flertando — comentou ela.

Mas até mesmo Esma perdeu parte do interesse de Tobar quando Attila voltou, depois de ter se afastado para atender a uma ligação. Ela e Tobar se cumprimentaram calorosamente em bósnio, dando tapas nos ombros um do outro.

— Tobar trabalhava no campo Comanche — explicou Attila. — Ele cuidava da lavanderia.

Expliquei a Tobar que estávamos ali para perguntar sobre os roma de Barupra. Ele recuou um passo e retorceu o rosto como se tivesse sentido um cheiro ruim.

— Não é boa baxt. — Esma disse que a palavra significa sorte ou fortuna.

— Por quê?

— Eles são fantasmas agora — traduziu Esma quando Tobar passou para o romani. — Não devemos perturbá-los.

Perguntei o que acontecera, mas Tobar mostrou as palmas das mãos, como se fosse complicado demais para explicar. Em vez disso, insistiu em nos mostrar a cidade. Como ela não tinha mais de dois quarteirões de comprimento, não vi motivo para recusar. A primeira parada foi a sua casa, que ele apontou da estrada.

— Muito grande — comentou ele, e certamente era a maior dali, com duas antenas parabólicas.

Tobar, que fora obrigado a se unir ao Exército bósnio durante a guerra, posteriormente recebera subsídios do governo para ajudar na construção. O segundo andar era demarcado por um balaústre branco de madeira, no clássico estilo abaulado, em cima do qual ele havia afixado uma fileira de cisnes de plástico do tipo que se via nos gramados da Flórida na década de cinquenta. Talvez por uma questão de segurança, a metade frontal de um Impala de uns vinte anos também estava empoleirada no segundo andar, não muito longe dos pássaros.

De lá, Tobar nos levou até um belo riacho de águas rápidas. Era a fonte de água fresca da cidade, que não dispunha de encanamento. Por fim, retornamos à sua casa, onde ele nos ofereceu café. Esma inclinou a cabeça para indicar que deveríamos aceitar, e nos sentamos do lado de fora, no frio, em torno de uma mesa de piquenique. A Sra. Tobar surgiu com um fumegante jarro plástico contendo um líquido negro como piche, e Esma me mostrou como beber à maneira roma, sem deixar a xícara tocar os lábios.

Finalmente, dirigi a conversa de volta a Barupra.

— Os roma que viviam lá estão mortos? — perguntei a Tobar.

— O que mais poderia ter acontecido com eles?

— Por quê? Sob que pretexto?

— Eles são roma. — Ele repetia em bósnio e romani, e Esma e Attila se alternavam traduzindo o que dissera para o inglês, com Tobar acrescentando uma ou duas palavras de vez em quando. — Desde quando os gadjos precisam de pretexto para matar roma? Mas isso é má sorte. Quando coisas tristes acontecem, não devemos ficar pensando nelas. — Ele deu um aceno pesado com a cabeça diante da própria sabedoria.

— Uma mulher com quem a gente falou ao chegar acredita que os americanos achavam que os roma de Barupra tinham ajudado Kajevic.

Tobar sacudiu seu estranho cabelo, inclinou-se para perto e baixou a voz.

— Nunca — respondeu ele. — Todos os roma desprezam Kajevic. Quando os sérvios capturavam muçulmanos, procuravam em seguida por um ou dois roma e os forçavam, sob a mira das armas, a cavar dois buracos, um pequeno e um grande. E depois atiravam em todos, incluindo os roma.

— Por que dois buracos? — perguntei.

— Porque os roma não eram bons o bastante para ser enterrados no primeiro buraco — explicou Tobar.

Esma me olhou para se certificar de que eu compreendera o preconceito.

Eu disse que tinha ouvido especulações de que os roma em Barupra foram mortos por gângsteres porque estavam competindo com eles, roubando carros.

— Bom, sim — respondeu Tobar, assentindo com a cabeça. — Eles eram catadores de ferro, e você sabe que um carro é feito em sua maior parte de aço. Ouvi dizer que alguns em Barupra roubavam carros. Mas a máfia jamais se daria ao trabalho de matá-los; simplesmente enviaria a polícia para prendê-los. Os mafiosos controlam a polícia. — Ele esfregou o indicador no polegar.

O celular de Attila tocava a cada poucos minutos, e, quando ela se afastou para atender a mais uma ligação, tirei vantagem de sua ausência para perguntar se Tobar conhecia Ferko, cujo nome eu não queria citar na presença dela.

— Sim, mas a gente se encontrou apenas uma vez. Ele veio aqui, não lembro por quê. Algum tipo de negócio. Eu sou o prefeito e fui cumprimentá-lo. Ele disse que era de Barupra, o único sobrevivente depois dos chetniks. No ano seguinte, essa bela dama veio até aqui fazendo muitas perguntas sobre Barupra. Eu disse que era má sorte, mas ela queria o número do celular dele. Um homem não pode dizer não a uma mulher tão bonita, pode?

Esma apontou o dedo para Tobar e me disse para aprender com ele. Nós três rimos.

Esperando por Attila, passamos outros dez minutos com Tobar, que nos falou dos problemas recentes em seu negócio de venda de telefones.

Enquanto caminhávamos de volta ao carro, vi a mulher idosa que se afastara do círculo mais cedo. Ela estava do lado de fora, usando uma vara comprida para mexer algo num velho barril de madeira, e pedi que Esma me ajudasse a conversar com ela.

A senhora lembrava um pouco uma índia americana. O cabelo grisalho sob a babushka estava trançado, e seus dois dentes da frente estavam quebrados. A longa saia estampada arrastava no chão, mas, apesar do frio, os pés, tão cheios de calos que pareciam cinzentos, calçavam apenas chinelos de dedo.

Eu tinha uma carta de apresentação do governo bósnio e a retirei do bolso do paletó, mas ela a afastou com um tapa.

— Ela não sabe ler — disse Esma em voz baixa. — Você vai descobrir que pouquíssimas mulheres daqui sabem.

Esma fez seu melhor para explicar sobre o tribunal, mas a mulher, que nunca havia saído de Lijce, não parecia interessada. Ela era uma daquelas idosas naturalmente rabugentas e, assim que Attila se juntou a nós, disse algo a ela, apontando para Esma. Attila deu uma risadinha, mas pareceu hesitante em traduzir.

— Ela diz que prefere falar bósnio comigo — disse ela, por fim. — “O romani daquela ali dói nos meus ouvidos.”

Esma aceitou a queixa com bom humor.

— O romani tem milhares de dialetos — explicou ela. — E, é claro, todos os roma acreditam que o seu é o correto.

Descobri que a senhora estava lavando roupa para si mesma e para o neto solteiro, num ensopado de tecido que girava em meio ao vapor que subia do barril. Esma disse que lavar toda a roupa levaria a maior parte do dia, e as tarefas de ir ao riacho, recolher e ferver a água e lavar precisariam ser realizadas duas vezes, pois seria má baxt se as roupas de homens e mulheres se tocassem.

A velha continuou seu trabalho no barril cheio de vapor enquanto Attila traduzia seus resmungos. A casa atrás dela, onde morava com o neto, não tinha mais que vinte metros quadrados e era feita de gravetos e lama.

Perguntei por que ela tinha ficado irritada com o que suas vizinhas disseram sobre Barupra.

— Elas falam para ouvir a própria voz. Ninguém aqui sabe de nada. A irmã de Sinfi se casou com um homem de Barupra. Pergunte a ela. Ela deveria saber, mas também não sabe de nada. — Com a mão artrítica e nodosa, a velha apontou para a porta seguinte, onde uma jovem muito magra também lavava roupa, de costas para nós e com uma bebezinha no colo.

Começamos a seguir naquela direção, mas a senhora nos chamou de volta. Após insultar os vizinhos por falarem do que não sabiam, ela revelou a própria teoria.

— Aquelas pessoas vão voltar. É assim que nós somos.

Quando perguntei quem lhe dissera isso, ela bateu a vara no interior do barril, embora estivesse claro que teria preferido usá-la em mim.

— Ninguém precisa dizer a ela — traduziu Attila. — Ela é uma anciã e sabe das coisas.

Olhei para Esma.

— Mulheres ciganas?

— Muito poderosas — respondeu ela. — Eu disse.

— Pergunte, por favor, onde estão as pessoas de Barupra enquanto esperam para voltar — pedi a Attila.

Attila riu com vontade antes de traduzir a resposta.

— Ela ouviu dizer que advogados são espertos, mas isso não deve incluí-lo, se espera que uma velha saiba mais que você.

Fomos até a casa seguinte para falar com a jovem Sinfi. Ela havia entrado, mas foi até a porta quando nos aproximamos com um sorriso tímido. Ainda segurava a bebê no colo e estava descalça. Eu havia notado que ninguém usava sapatos no interior da casa de Tobar. O cômodo que eu conseguia ver às costas de Sinfi estava imaculadamente limpo, mobiliado com um armário desconjuntado e uma velha tapeçaria na parede, embora o teto estivesse abaulado e mostrasse danos causados pela umidade que poderiam fazê-lo cair. Sinfi vestia calça com estampa de leopardo e uma camiseta com palavras em alemão que não entendi, à exceção de “Gesundheit”. O cabelo preto estava solto em torno do rosto, e seus olhos eram de um verde brilhante, uma raridade entre os roma. Era muito magra e muito bonita, exceto quando sorria, revelando o tom esverdeado dos dentes. A bebê, de uns nove meses, nos observava avidamente e agarrava nossos dedos quando estendíamos a mão em sua direção.

Outra vez retirei a carta do paletó. Sinfi sorriu, mas não se deu ao trabalho de olhar. Como havia acontecido antes, preferiu que Attila traduzisse.

Ela disse que sua irmã tinha se casado com um jovem de Barupra. Ela a visitara duas vezes com os pais, antes de eles irem embora de Lijce depois da morte de sua avó paterna.

— Outras pessoas de Lijce se casaram com gente de Barupra?

— Só a minha irmã. Os outros não aceitariam.

— Porque eles eram ortodoxos?

Minha pergunta a divertiu.

— Porque eram muito pobres. Não tinham nada.

Esma interrompeu para explicar que, nas comunidades tradicionais, os roma adotavam amplamente as religiões dos gadjos como medida de proteção, a fim de que padres e imãs ajudassem com enterros e nascimentos. Sua verdadeira fé, da maneira como Esma a descreveu, soava como um tipo de espiritualismo, frequentemente envolvendo os fantasmas dos ancestrais.

— Minha irmã tinha o braço direito defeituoso — continuou Sinfi —, murcho. Meus pais ficaram felizes por ela conseguir se casar. Prako tinha lábio leporino, então eles eram uma boa combinação.

Ela sorriu em silenciosa ironia. Entre as cinquenta e tantas pessoas que eu tinha visto ali, as consequências da inevitável consanguinidade eram claras — estrabismo e fissuras labiopalatais eram comuns —, mas também, especialmente entre as crianças, havia exemplos de espantosa beleza, ao menos até que ela fosse diluída pela dieta pobre e por outras privações.

— E onde está a sua irmã agora? — eu quis saber.

— Eles sumiram de Barupra. Todos eles.

— E para onde foram?

— As pessoas dizem que foram assassinados.

— Você acredita nisso?

— Eu não quero acreditar — disse ela, mas balançou a cabeça para indicar que sua esperança era débil. — Que seja feita a vontade de Deus!

Ela explicou que, após o casamento, a irmã ligava para os pais a cada dois ou três meses de um celular emprestado. Em outro costume indiano que os roma ainda mantinham um milênio após o êxodo, a nova esposa se tornava parte da família do marido, subordinada à sogra e, de certa maneira, separada da família de origem.

— No começo — continuou Sinfi —, como ela não ligou, a gente tentou ligar para o número da amiga que tinha o celular, mas ninguém atendeu. Depois que o inverno inteiro se passou sem que tivéssemos notícias dela, meu pai decidiu ir até lá. Pegamos um carro emprestado. Mas eles não estavam lá. Não tinha ninguém lá. O vilarejo havia desaparecido. Meu pai procurou a polícia em Vica Donja. Eles agiram como se fosse loucura pensar que alguma vez tinha havido gente em Barupra. — Ela parou de falar por um momento e olhou para o chão, a fim de manter a compostura. — Isso fez meu pai ter certeza de que Kajevic tinha matado todos eles.

— Por que Kajevic?

— Da última vez que falei com a minha irmã, ela disse que um soldado tinha passado por lá para avisar que Kajevic mataria alguns dos homens que moravam em Barupra.

— Um homem? Muitos homens?

— Muitos.

— E por quê?

— Kajevic achava que eles tinham falado com os americanos. Mas a minha irmã disse que Prako não estava preocupado. Não era da sua conta. Ele não tinha nada a ver com aquilo.

— Sua irmã disse quem havia falado com os americanos? Ou o que tinham falado? Alguma coisa assim?

Sinfi não sabia de mais nada. Mesmo assim, era a primeira coisa que eu ouvia em Lijce que se parecia vagamente com uma evidência. Era um testemunho indireto à centésima potência, mas ela narrara um evento concreto que, se realmente tivesse ocorrido, ofereceria uma forte evidência sobre quem havia planejado o massacre.

Perguntei se poderia gravar sua história com o celular, mas ela disse que o marido ficaria irritado se soubesse que ela falara de Kajevic.

— Mas você e os seus pais acreditam que soldados de Kajevic mataram todo mundo em Barupra? — indaguei.

— Eu? Acho que sim. Meu pai também. Minha mãe, não. Ela teve um sonho, há alguns anos, no qual a minha irmã chamava por ela. Então ela ainda tem esperança. — Seus olhos se encheram de lágrimas.

Antes de irmos embora, Esma retirou o cachecol púrpura que havia sido alvo de tanta admiração e o enrolou em torno da bebê. Quando nos despedimos, Sinfi se aproximou e olhou para mim com os olhos semicerrados para se proteger do sol, que tinha acabado de surgir entre as nuvens.

— Você vai descobrir quem os matou? — perguntou ela.

— Vou tentar.

— Eles deveriam ser punidos — declarou ela. — Nem mesmo os roma deveriam ser tratados assim.