13.

Arrependimento

Vi Goos assim que entrei no lobby. Ele estava no lounge com seu copo de cerveja, como era de esperar, conversando com duas inglesas de meia-idade, ambas loiras de cabelo curto que pareciam estar apreciando a companhia. Troquei um aperto de mão com as duas, Cindy e Flo, e notei seu claro desapontamento quando indiquei uma mesa somente para dois no salão de café da manhã. O copo de Goos estava vazio, e eu o peguei.

— Hoje você bebe por minha conta.

Voltei com outra cerveja para ele e uma água com gás para mim. Já bebera bastante vinho com Esma.

— Desculpe por não ter lido o comunicado sobre a sua formação, Goos.

— É. Doutorado. Essa coisa toda. Provavelmente eu sinto mais orgulho disso do que deveria.

Fiz a pergunta óbvia: como ele havia se tornado policial.

— Bom, você sabe como é, eu era um moleque encrenqueiro. Mas bom nos estudos. Então decidi continuar. Gostava de antropologia, até estar quase terminando o curso e perceber que, na verdade, gostava mais do trabalho policial. Para dizer a verdade, provavelmente foi por ter encontrado muitos policiais no contexto profissional. Mas eu não era nenhum vagabundo. Só me metia em confusões de vez em quando ou enchia a cara com os colegas e curtia a noite à custa do governo. Mas sabia que um bom policial podia fazer a diferença. Tive um conselheiro em Antuérpia que disse: “Com um diploma de antropologia forense, acho que você consegue entrar na força policial.”

“Foi o que eu fiz. A Bélgica é um lugar bastante pacífico, com menos de duzentos assassinatos por ano e sem muitos corpos para desenterrar. Mesmo assim, entrei no Departamento de Homicídios. E era bom no que fazia. Conheci uma garota bonita e me tornei um sujeito civilizado. Mas, quando o Tribunal Iugoslavo foi criado, pensei que seria o lugar ideal para as minhas habilidades.”

— E o que as suas habilidades disseram a você sobre a cova em Barupra?

— Estou com alguns ossos na sacola, se é disso que está falando.

— E qual é o veredicto?

— Parecem os ossos certos. Três homens, um mais novo que os outros dois.

— Você é capaz de dizer gênero e idade?

— Sim, por causa do tamanho da bacia e de certas formações ósseas na pelve. E por causa da densidade óssea. Vou ter certeza quando examinar com um microscópio.

— E quanto às balas que você estava procurando?

— Encontrei duas. Vamos fazer uma análise de balística quando voltarmos.

— Existe algum laboratório criminal confiável na Holanda?

— Sim, o Instituto Holandês de Perícias Forenses. Top de linha.

— Ok. Vamos analisar os ossos e as balas, e depois?

— Bem, devíamos pensar nas requisições de documentos para os nossos amigos na OTAN, presumindo que você consiga autorização com Akemi e Badu. E eu gostaria de voltar aqui com um geólogo. Trabalhei com uma professora muito boa em Nantes. A professora Tchitchikov. Adoraria saber se ela consegue dizer quão recente é o deslizamento na caverna. E gostaria que ela analisasse a cova de Boldo.

Goos disse que os policiais bósnios voltaram no fim do dia, ávidos por fazer algo, e cercaram a área escavada com uma fita de isolamento. Eles também prometeram vigiar o local.

— Eu não conheço muito bem as formações do terreno daqui — explicou Goos quando perguntei por que ele queria que a professora Tchitchikov examinasse o local. — A terra pareceu macia demais para um enterro feito há uma década. Para mim, parece uma mistura de horizontes A e B. Mas essa não é minha spécialité.

— Mas qual é o significado potencial dessa mistura de solos?

— Pode significar que o lugar foi escavado há muito menos que dez anos.

— Ladrões de covas?

— Possivelmente. O mais provável é que tenham sido curiosos. Talvez crianças. Mas também poderia ser alguém querendo ver o que encontraríamos.

— Você acha que pode ter sido Ferko?

— Ele ainda me parece meio suspeito, mas não foi nele que eu pensei.

— Os ossos estão onde ele disse que estariam, Goos.

Ele assentiu, admitindo que eu tinha razão, e perguntou sobre a viagem a Lijce. Como eu, ficou interessado no que Sinfi dissera. Mas o momento em que pareci impressioná-lo, provavelmente pela primeira vez, foi quando narrei minhas deduções sobre os caminhões nos quais Kajevic tinha fugido e a possibilidade de os americanos terem suspeitado de traição quando a informação dos roma os levara a uma emboscada.

— Attila não quis admitir nada sobre os caminhões — contei —, mas acho que ela só está tentando proteger as tropas americanas. Ela entende a importância disso, mas fica repetindo a ladainha de Merriwell e insistindo que os americanos jamais fariam algo assim.

— Sabe, os americanos que eu conheci quando passei a vir para a Bósnia, por volta de 1997, eram de outro nível. Com os russos e os turcos, eu às vezes me perguntava em que prisão foram recrutados para o Exército. Eles iam atrás de meninas que passavam fome e trocavam comida por sexo. Mas os americanos eram disciplinados e bem-treinados. Jogavam futebol e ouviam música com as crianças locais. Distribuíam doces. É difícil imaginá-los participando de um assassinato em massa.

— Psicologia de grupo é uma coisa engraçada — comentei.

Eu havia acusado dezenas de homens e mulheres, executivos corporativos, corretores de títulos e funcionários do governo, a maioria com uma vida inteira de comportamento impecável, gente que havia aceitado suborno, falsificado registros ou enganado clientes, todos oferecendo a mesma desgastada desculpa ao serem pegos: todo mundo fazia a mesma coisa. O exemplo mais marcante para mim, que partilhei com Goos, fora o de um colega do time de futebol do ensino médio, Rocky Whittle, que havia sido indiciado enquanto eu era procurador. Rocky passara anos aceitando pequenos subornos para manter a confiança dos outros sessenta inspetores com os quais trabalhava e que aceitavam muito mais dinheiro que ele. Sua decência fundamental permanecia tão clara para mim, mesmo décadas depois, que, após me declarar impedido, tinha sido sua testemunha de caráter durante a audiência.

— Mas existe um limite, Boom. Certo? Alguns dólares no bolso ou fazer o que for necessário para se manter no emprego são coisas diferentes de assassinato em massa. Você me contou uma história, e eu vou contar outra. Pensei nela o dia inteiro. O suficiente para me arrepender de ter vindo até aqui.

Ele esvaziou o copo se preparando para falar, e eu fiz um sinal para o recepcionista, que trouxe outro.

— Foi uma testemunha que tive no Tribunal Iugoslavo — começou Goos após um tempo considerável de silêncio. — Uma mulher chamada Abasa Mensur. Muçulmana. Ela vivia do outro lado do rio em Sarajevo, no que subitamente se tornou o lado sérvio. Os chetniks invadiram a casa dela. Isso aconteceu alguns dias depois de o marido de Abasa ser morto em batalha a alguns quarteirões de lá. Se você conhecesse os sérvios, já saberia essa parte sem que eu precisasse contar. Eles a estupraram na frente dos filhos. O esquadrão inteiro. Quando terminaram com ela, passaram a estuprar a filha de 11 anos. Então, só de farra, pegaram o bebê de 3 meses e colocaram no forno. Eles ligaram o forno, Boom, mantendo todo mundo sob a mira das armas. O bebê gritou e gritou, enquanto os soldados continuavam violentando a menina de 11 anos. Quando os gritos finalmente pararam, eles tiraram a criaturinha do forno, riram e o entregaram à mãe, dizendo: “É assim que fica um porquinho assado.” Uma mulher muçulmana.

“E que Deus a abençoe, Boom, Abasa foi até Haia, prestou depoimento e indicou o capitão que havia liderado o esquadrão. Cara, eu sou um policial endurecido, já vi muita coisa ruim e sei como as pessoas podem ser horríveis, mas, mesmo assim, eu chorei na sala de audiências. E, graças a Deus, o capitão... aquele homem, se é que se pode chamar alguém assim de homem, está apodrecendo na prisão. Mas havia outros onze com ele, que sequer tentamos acusar. Depois de Dayton, alguns desses caras devem ter voltado para casa e tido filhos. No que eles pensavam enquanto seguravam seus bebês no colo, Boom? Como é que não meteram uma bala na cabeça?

“Então, com ou sem grupo, quero acreditar que algumas pessoas não teriam feito aquilo. Porque preciso ser capaz de dizer ‘eu não faria isso’. E, espero, nem seu amigo Rocky. E talvez nem aqueles garotos americanos que serviram aqui, que sabiam das coisas e não deram ouvidos a todos os parentes que cuspiam asneiras sobre os monstros muçulmanos que maltrataram seus ancestrais durante séculos.”

Bebi o restante da minha água. Depois dessa história, não havia muito a dizer, e esperei em silêncio enquanto Goos terminava sua cerveja. Ele partiria pela manhã para passar o feriado na Bélgica, e concordamos em conversar novamente na segunda-feira, em Haia. Em seguida, fui para meu quarto a fim de responder aos e-mails que haviam se acumulado durante dois dias, esperando que o trabalho ajudasse a dissipar o horror do que ele descrevera. O mal daquela magnitude era como um buraco negro, sugando toda luz à sua volta.

Eu estava havia pelo menos meia hora trabalhando no tablet quando ouvi uma ligeira batida à porta. Achei que Goos tivesse se esquecido de mencionar algo, mas, quando abri, Esma estava no corredor. Parecia ter retocado a maquiagem e penteado os longos cabelos, e fui novamente atingido pela sua beleza. Mas sua expressão era puramente profissional.

— Você tem um momento, Bill?

Afastei-me para que ela entrasse. Ofereci a cadeira da escrivaninha e me sentei na cama. Perguntei se gostaria de algo do minúsculo frigobar, que oferecia água e cerveja morna, mas ela recusou.

— Não vou demorar — começou Esma. — Eu descobri uma coisa que você vai gostar de saber. — Ela contara a Ferko o que Sinfi tinha dito sobre as ameaças de Kajevic. — Ele agiu como se tivesse acabado de se lembrar, mas concordou que a história realmente havia circulado pelo campo. Não gostei dessa omissão, e ele percebeu, mas disse que jamais tinha feito uma conexão entre as ameaças de Kajevic e a noite de 27 de abril, porque os chetniks não falavam sérvio.

— Você ficou convencida?

— Acho possível, mas não provável. Minha suspeita é que ele estava aterrorizado demais para mencionar Kajevic.

Fazia sentido. Ferko não seria a primeira testemunha a omitir fatos em função do medo. E, embora pudesse ter enganado Esma, ele não mentira durante seu depoimento ou nas declarações anteriores ao tribunal. Mesmo assim, fiquei preocupado. Se Ferko estava tentando deixar Kajevic de fora, também poderia estar alterando outros detalhes, e isso poderia ser visto como perjúrio.

— Vou ter que interrogá-lo de novo, Esma.

— Entendo. Mas acho melhor esperar um pouco. Veja para onde caminha a investigação e quais outras perguntas você pode ter. Ele já está relutante e fica tentando me fazer prometer que agora acabou. A última coisa que precisamos é que ele mude de ideia e se recuse a cooperar.

Era um bom conselho.

— Obrigado por me informar — falei.

Ela assentiu e se levantou. Em pé, me lançou outro dos seus longos olhares. Esma estava escondendo algo, deliberadamente, e se sentou mais uma vez, dessa vez ao meu lado na cama.

— A outra razão pela qual você precisa esperar para falar com Ferko é que eu acabei de explicar a ele que não vou ser mais sua representante perante o tribunal. Quando você quiser encontrá-lo novamente, a Unidade de Vítimas e Testemunhas pode entrar em contato com ele e, se necessário, conseguir outro advogado. De agora em diante, eu não tenho mais nenhuma conexão com o caso.

Ela me observou enquanto eu absorvia a importância daquilo. Ter aqueles olhos grandes e diretos sobre mim era como encarar o cano de um rifle — se um rifle pudesse expressar anseio.

— Isso foi em meu benefício? — perguntei.

— Bem, Bill — disse ela com um sorrisinho —, espero que tenha sido em meu benefício. — Com dois dedos, ela segurou a gravata que eu havia usado o dia todo, num tolo esforço para parecer oficial, e sussurrou: — Bill, você sabe a tradução literal das palavras romani para desejo? “Eu como você.” Não “eu quero você”, mas “eu como você”. Ou, de forma mais poética, “vou devorar você”.

Ela se inclinou lentamente e me beijou, não de maneira leve ou hesitante, mas se entregando totalmente ao beijo. Isso e a leveza da pressão dos seus seios contra o meu peito foram eletrizantes. Percebi que, em algum nível, eu soubera o que estava prestes a acontecer, quaisquer que fossem as minhas desculpas, no minuto em que ela havia entrado no quarto. Tinha certeza de que ela conseguia sentir meu coração, disparado com o desespero semelhante ao de um peixe fora d’água.

— Permita-se, Bill — murmurou ela. — Você não vai conhecer a si mesmo por completo até ter vivido aquele momento em que não há nada além do prazer.

Com minha gravata ainda entre seus dedos, ela me puxou para perto, enquanto eu confrontava novamente o peso de estar na segunda metade da vida. Os “Um dia” acumulados durante a juventude e a maturidade haviam se tornado uma espécie de coleção, uma lista de desejos que, com involuntária crueldade, iluminava os limites entre a fantasia e as muitas limitações da vida real. “Um dia eu vou fazer aulas de mergulho.” “Um dia eu vou viajar para o Butão.” “Um dia eu vou pedir demissão e me tornar marceneiro.” “Um dia eu vou limpar o escritório, o closet, a garagem, o depósito, as caixas para as quais nunca mais olhei desde a morte da minha mãe.” “Um dia eu vou aprender a pescar com fly.” “Vou voltar a tocar piano.” “Um dia eu vou morar na Toscana.” “Um dia eu vou morar na Toscana e ler as obras de Beckett e Erving Goffman.”

Depois de 54 anos, a pilha de “Um dia” havia se tornado uma montanha — e, com ela, viera o inevitável reconhecimento de que quase nenhum deles ocorreria. Tendo vivido bem, eu sentia pouca amargura em saber disso. Mas como poderia recusar um “Um dia” que, subitamente, era real?

“Um dia eu vou me relacionar com uma mulher assim, alguém que parece iluminar a sala ao passar pela porta.” Em quantas salas, olhando para quantas portas, essa promessa absolutamente impossível ressoara na minha mente, feita principalmente para que eu pudesse fazer a coisa certa e olhar para o outro lado?

Talvez tudo que Merriwell tivesse querido dizer — Merriwell e todos os que, como ele, foram arrastados pela corrente do desejo — era que se chega a uma idade em que a mais amarga de todas as emoções é o arrependimento.