15.

Leiden — 24 a 26 de abril

Eu falava com Esma todas as noites — conversas muito explícitas nas quais eu ficava boquiaberto com as coisas que ela dizia, antes de começar a dar risadinhas lascivas. Ela deveria retornar a Nova York na semana seguinte, e concordamos que passaria o fim de semana comigo na Holanda. Eu ainda estava preocupado com a possibilidade de sermos vistos juntos. Embora ela tivesse aberto mão de qualquer papel formal no caso, o fato de ser uma defensora ardorosa das supostas vítimas a tornava parte interessada. Esma achava que eu estava sendo ridículo, mas concordamos em nos encontrar em Leiden, a quinze minutos de Haia, e reservei um hotelzinho de aspecto adorável em frente a um dos canais.

Meu trem chegou lá às três e meia da tarde de sexta, e dei uma volta pela cidade para aproveitar o tempo bom e absorver o charme de Leiden, que era parecida com Bruges, mas sem os biscoitos de gengibre. Sua rede de canais e pontes de ferro eram cercadas pelos habituais edifícios de tijolos centenários com telhados inclinados. O centro da cidade estava cheio de jovens, alunos da universidade que já começavam a aproveitar o fim de semana. Passados alguns minutos, reconheci o toldo listrado do hotel, que tinha visto numa foto na internet.

Na minúscula recepção, entreguei meu passaporte ao proprietário de meia-idade. Ele o manteria por algumas horas, como costumam fazer na Europa, a fim de preencher os formulários requeridos pela União Europeia. Ele já não precisava mais do passaporte inglês de Esma, com suas excêntricas imagens de uma coroa, um leão e um unicórnio gravadas em dourado sobre a capa vermelha, e o entregara a mim. Segurando uma evidência tangível da presença de Esma, senti uma vívida excitação abaixo da cintura.

No nosso quarto, eu a encontrei adormecida, com as cortinas fechadas e os olhos protegidos por uma máscara. Mas havia luz suficiente para vê-la. Ela havia chutado metade das cobertas, revelando as pernas bem-torneadas até a altura da coxa e mantendo o restante do corpo discretamente encoberto, como numa pintura antiga. Seu rosto estava na beirada da cama, com um braço pendente na lateral. No meio de um sonho, ela pronunciou palavras incertas e seu corpo estremeceu ligeiramente.

Eu me despi em silêncio, peguei a ponta do edredom e o afastei lentamente de seu corpo, numa espécie de strip-tease centímetro a centímetro, adorando cada segundo. A visão teve o efeito esperado. Segurei meu pau agora duro e o deslizei sobre sua boca e bochechas, afastando a máscara. Ainda adormecida, ela moveu ligeiramente a mão e, sem sequer abrir os olhos, guiou-me até sua boca.

Acordei na manhã de sábado com a mão agarrada à dela, observando a estranha coleção de anéis que notara em Tuzla, todos no dedo médio da mão direita. Ainda estava olhando para eles quando Esma acordou.

— Isso é uma aliança? — perguntei, apontando para um anel simples de ouro.

Ela riu e se sentou.

— Não se preocupe com isso. É problema meu, não seu.

— O que isso quer dizer?

Esma afastou aquela tempestade de cabelos negros do rosto e foi até o banheiro. Quando voltou, disse:

— Você está preocupado com rivais, Bill?

— Todo homem que olha para você é meu rival, Esma.

O comentário a deixou deliciada. Ela caminhou sinuosamente até a cama. Deitando-se, sussurrou:

— Eu estou com você. Vou mostrar quanto.

Mais tarde, nos sentamos do lado de fora, vestindo apenas roupões. Nosso quarto era minúsculo, mas repleto de antiguidades, para a alegria de Esma, com uma pequena sacada onde os vasos já floriam. Aproximei duas cadeiras de ferro brancas e segurei sua mão enquanto contemplávamos os telhados e os canais. Ela pareceu distante por um momento.

— Aproveite esse momento, Bill. Faça durar. Não se preocupe com o que vem em seguida.

— Por que você acha que estou preocupado?

Ela olhou para mim com um leve ar de reprovação. Eu não sabia se estava sendo repreendido por duvidar de seu vodu cigano ou apenas por ser desonesto.

— É da sua natureza. — Esma estava certa. — E eu não sou muito boa com o que vem em seguida.

— Você quer dizer a vida?

— Isso também é vida, a melhor parte dela. — Esma deslizou a mão para dentro do meu robe. — Não se apaixone por mim, Bill.

Dado o meu caráter, que Esma avaliara corretamente, eu já havia refletido sobre meus sentimentos. Sem dúvida, eu tinha sido capturado por uma luxúria viciante e sentia enorme ternura e gratidão que vinham dessa sensação. Mas eu sabia também que havia uma conexão entre nós. Desde o nosso primeiro momento juntos, eu sentira que Esma, com sua natureza passional e seu intelecto, preenchia um vazio ardente em mim. Mas amor? Eu já nem sabia o que pensar dessa palavra. E, mesmo assim, o que quer que fosse, o ardor que eu sentia era mais revitalizante que qualquer coisa que havia sentido em décadas.

— Por que não, Esma? Você não está disponível? — Eu estava pensando na aliança.

— Não é isso, mas eu tenho medo de desapontar você, Bill.

— Por quê?

— Porque eu sempre acabo fazendo isso no fim. — Ela voltara a ser a Esma essencial, séria e intensa.

Tentei brincar:

— Devo ir embora agora?

Como eu esperava, a pergunta melhorou seu estado de espírito. Ela retomou o olhar sensual e o leve sorriso dominador. Então soltou o cinto do roupão e o abriu, em plena luz do dia, à vista dos muitos telhados.

— Se quiser.

Na noite de sábado, tivemos nossa primeira discussão. Ellen queria que eu aprovasse os planos para o jantar antes do casamento de Pete, o que exigiu três breves conversas entre as onze e a meia-noite. Havíamos falado sobre o mesmo assunto no fim de semana anterior, quando eu e Esma estávamos no Blue Lamp.

— Essa situação com sua ex-mulher é muito estranha. Você fala mais com ela que com os seus filhos.

Expliquei que Ellen não tinha tempo durante a semana, quando estava trabalhando. Mas o rosto moreno de Esma exibia uma expressão de claro ceticismo, visível nos seus lábios amuados. Pensei em repetir as observações que ela havia feito antes sobre sentir ciúmes, mas sabia que Esma jamais escravizaria as próprias emoções à lógica ou à consistência.

— E você ficou na casa dela quando foi para os Estados Unidos — continuou ela. — Isso também é estranho. Vocês dão uma trepadinha de vez em quando?

Ri alto.

— Esma. Você ouviu as nossas conversas. São só assuntos de família. Não existe nenhum motivo para você se preocupar com a minha ex.

— Alguns homens nunca conseguem deixar o casamento para trás. Conheci muitos assim.

— E está reagindo ao que aconteceu com eles. Eu e Ellen estamos apenas planejando o casamento do nosso filho, e acho uma bênção podermos fazer isso juntos.

Para acalmá-la, sugeri que a gente saísse para beber. Uma mímica se apresentava sob um poste a uma quadra do hotel e nos ajudou a descontrair.

Na manhã de domingo, queríamos um pouco de ar fresco, por isso passeamos pela Hooglandse Kerkgracht, onde lojinhas luxuosas ladeavam as estreitas ruas de paralelepípedos separadas por um canteiro central que mais parecia um parque.

— Olha isso — disse Esma quando saímos da loja de antiguidades na qual ela analisara várias peças japonesas de marfim chamadas netsuke, esculturas de animais que colecionava. — Seu nome na vitrine, Bill.

Ela estava apontando para uma elegante joalheria com fachada de carvalho a uns trinta metros. Estava escrito TEN BOOM em grandes letras douradas acima da vitrine. No canto inferior direito, uma placa dizia sinds 1875.

A visão me paralisou.

— Eu achava que você tinha inventado esse nome — comentou Esma.

Finalmente, falei:

— Eu esqueci que eles estiveram em Leiden.

— Quem?

— Meus pais. Tenho quase certeza de que meu pai trabalhou naquela joalheria. Durante a Segunda Guerra Mundial.

— O que ele fazia?

— Era relojoeiro.

Mas esse dificilmente era o detalhe mais importante e, durante a hora seguinte, enquanto caminhávamos por entre os canais, contei a ela a maior parte da história dos meus pais. Me deparar com a joalheria, com o nosso nome na vitrine, fez a história sair do local amortalhado onde eu normalmente a mantinha a fim de minimizar meu desconforto.

No dia em que completei 40 anos, meus pais pediram que os visitasse sozinho. Como muitas pessoas casadas, eu raramente os visitava sem que Ellen ou um dos meninos estivesse presente como barreira protetora. Na infância, jamais havia compreendido o que me enfurecia nos meus pais, que eram moderados e gentis em tudo. Mas, ao ficar mais velho, reconheci que a ligação entre os dois tinha tal intensidade que eu e Marla sentíamos ter sido proibidos de entrar no santuário interno onde realmente viviam. Já adulto, preferia não ficar sozinho com eles, a fim de não experimentar novamente aquela sensação de exclusão.

Mesmo assim, fui até lá sozinho no meu aniversário. Eu tinha quase certeza de que eles guardavam alguma relíquia para me entregar, uma das poucas coisas que trouxeram da Holanda, talvez alguma joia que eu acabaria dando a Ellen. Sabia que, dois anos antes, quando minha irmã havia completado 40 anos, ela ganhara um colar de diamantes que estava na família desde os anos 1870. E meu pai me dera um dos seus relógios quando eu fizera 21.

De modo geral, eu esperava que fosse um bom aniversário. Estava no auge da tranquilidade da meia-idade, com os problemas da juventude tendo ficado para trás havia tanto tempo que eu nem me lembrava completamente deles. Eu era o procurador federal da minha cidade natal, uma posição mais elevada e estimada do que jamais imaginara para mim mesmo. Meus dois filhos ainda não haviam chegado à adolescência, e eu era sábio o bastante para aproveitar a companhia deles enquanto permaneciam satisfeitos com os pais. Mesmo o meu casamento parecia estar indo bem. Eu sabia que deixava Ellen completamente entediada e que ela me culpava por isso, mas ela era uma mulher interessante e competente que partilhava minha paixão pelos nossos filhos e, ao menos naquela época, isso parecia suficiente.

A casa dos meus pais era um modesto bangalô no condado de Kindle que eles compraram na década de cinquenta e que só deixariam em cima da maca de uma ambulância. Minha mãe me abraçou à porta para desejar feliz aniversário, e meu pai, um mestre do autocontrole da velha guarda, me deu um aperto de mão. Eles me levaram até a sala de onde eu e minha irmã havíamos sido praticamente banidos enquanto crescíamos. Sentaram-se no sofá florido como se tivessem recebido orientações de um diretor de palco. O rosto comprido e pálido do meu pai parecia rigidamente sereno. Minha mãe se sentou ao seu lado, com as mãos rechonchudas no colo e olhando para ele, como se esperasse o sinal para começar. Os dois já haviam passado por isso dois anos antes, com Marla, como eu viria a descobrir, mas, mesmo assim, deve ter sido um pesadelo revisitado perceber que, novamente, estavam prestes a colocar em risco o relacionamento com um dos filhos.

— Precisamos contar algo a você — disse minha mãe.

Claramente, essa era a sua fala. A parte difícil ficaria com meu pai.

— Nós somos judeus — completou ele.

A coisa mais importante que meus pais estavam dizendo, é claro, não tinha nenhuma relação com religião ou com legado familiar. Eles estavam dizendo que haviam mentido para mim e para minha irmã durante todas as nossas vidas. Em retrospecto, sempre me senti orgulhoso da maneira como reagi: sem mais nem menos, comecei a chorar. Não ficava tão abalado desde que meu cachorro tinha sido atropelado na minha frente quando eu tinha 13 anos.

Liguei para a minha irmã a caminho de casa e, pela simples maneira como eu disse seu nome, ela soube.

— Eles contaram. Finalmente. Avisei que eu não ia conseguir manter esse segredo por muito mais tempo.

— Que porra é essa?

Para Marla, qualquer que fosse o drama interno, os ajustes práticos foram mínimos. Ela se casara com Jer, um cara maravilhoso que, por acaso, era judeu, e havia criado os três filhos dentro da comunidade judaica de Lexington, Massachusetts. Sua vida era alegremente suburbana — filhos, amigos do country club, atos de caridade —, o que Ellen via como uma forma de morbidade precoce, uma opinião que eu mais ou menos partilhava na época. Somente quando meu casamento acabou, uma década depois, foi que percebi que minha irmã era feliz, bem mais feliz do que muitas pessoas que chegam à meia-idade — e eu me incluía nisso. Marla compreendeu meu choque e minha indignação, mas claramente a notícia não a havia abalado tanto assim.

Quando entrei em casa, Ellen absorveu o que eu tinha a dizer com um rio de emoções fluindo pelo rosto, culminando num sorriso.

— Ah, meu Deus — disse ela. — Isso é fascinante! Você sabe que eu adoro aqueles dois, mas sempre achei que havia algo errado. Quantas vezes eu disse a você que os seus pais eram estranhos? — Ellen parou por um momento e continuou: — Eles precisam contar aos meninos.

Na época, meus filhos tinham 12 e 14 anos. Não me lembro de ela ter perguntado como a notícia me afetara, a não ser vários dias depois.

Embora isso pudesse ser o que os psicólogos chamam de dissonância cognitiva, minha reação foi ficar bastante feliz por ser judeu. Eu havia crescido com muitos amigos judeus e sempre sentira certa inveja de seu imenso orgulho étnico, o que contrastava com a relutância dos meus pais — agora muito mais compreensível — em relação a qualquer coisa holandesa.

Em contrapartida, eu não falava disso com muita frequência. Não me esforcei para manter o fato em segredo e não acho que me sentisse envergonhado por ter perdido meu status de Pessoa Branca de Verdade. A parte difícil era compreender meu pai e minha mãe.

Quando eles morreram, em rápida sucessão, oito anos depois, eu já havia passado por muitos estágios e finalmente dera a eles o benefício da dúvida. Abrir mão de elementos essenciais da própria identidade tinha sido um sacrifício considerável.

Quanto ao que havia acontecido durante a guerra, Marla conseguiu mais detalhes com a minha mãe nos últimos meses de vida dela, depois da morte do meu pai, quando minha leal irmã voltou para a nossa cidade para dormir numa cama dobrável ao lado da mãe moribunda.

A família do meu pai, na época chamada Bergmann e formada por distintos joalheiros, se mudara de Frankfurt para Roterdã na década de 1870, em resposta a uma das ondas periódicas de antissemitismo que varriam a Alemanha. Os tios do meu pai se juntaram a eles nos anos 1890, quando foram feitas várias propostas no Reichstag para limitar os direitos dos cidadãos judeus — propostas que, décadas mais tarde, se tornariam lei quando Hitler chegasse ao poder. Quando isso começou a acontecer, em 1933, mais de vinte primos foram para Roterdã, unindo-se à diáspora de mais da metade dos judeus alemães que partiram nos anos seguintes. Infelizmente, os nazistas estavam bem atrás dos primos Bergmann e invadiram a Holanda em 1940, levando junto suas leis raciais. Os parentes que falavam alemão eram um fardo especialmente pesado para a família do meu pai, uma vez que seu parco holandês os identificava facilmente como judeus. Meu pai sabia que, como resultado, mais cedo ou mais tarde toda a família — agora chamada Bergman, tendo abandonado um dos “n” para soar mais holandesa — seria presa e enviada para os campos.

Em julho de 1942, Aart e Miep ten Boom, de Leiden, morreram quando uma árvore caiu sobre seu carro durante uma violenta tempestade. A família ten Boom liderava a resistência holandesa, que escondera milhares de judeus dos nazistas, empregando vários métodos. Os familiares de Aart e Miep decidiram que o tributo adequado aos dois seria suprimir qualquer notícia sobre a morte deles e permitir que um jovem casal judeu assumisse suas identidades. Os ten Booms eram joalheiros que precisavam de um relojoeiro habilidoso na loja. Quando fizeram a oferta, meu pai e minha mãe deixaram suas vidas para trás, incluindo dezenas de familiares condenados. Eles se esconderam em plena vista em Leiden, com o conhecimento de centenas de residentes locais que jamais os trairiam.

O fim da guerra foi outra provação. Minha mãe, filha única cujos pais morreram antes dos 50 anos, queria voltar a Roterdã e procurar os possíveis remanescentes de sua comunidade. Meu pai aparentemente achava melhor deixar tudo para trás, dada a quase certa captura e aniquilação de sua família. Ele a convenceu de que seria muito mais seguro para os dois e, muito mais importante, para os filhos se permanecessem como Aart e Miep, em vez de se arriscar na roleta da história, na qual o número dos judeus, ao lado dos vários outros eternos perdedores, nunca era favorável.

Os vizinhos holandeses que os esconderam durante a guerra ficaram confusos diante da atitude do meu pai e se mostraram ligeiramente críticos. Eles haviam arriscado a vida porque meus pais eram judeus não convertidos e, assim, a melhor escolha para os novos Aart e Miep seria imigrar. Em 1950, por causa da necessidade de artesãos habilidosos nos Estados Unidos, meus pais receberam vistos.

A essa altura, eu e Esma estávamos sentados num banco de concreto numa praça de tijolos chamada Beestenmarkt. Um grande e antiquado moinho, com pás de lona branca, girava a alguns metros, e as pedras da praça eram molhadas constantemente por uma estranha fonte, com dezenas de pequenos jatos que jorravam de canos subterrâneos. Várias crianças loiras passeavam pelo dia que, finalmente, estava ameno o bastante para ser chamado de primavera. Elas molhavam as mãozinhas na água enquanto os pais as admoestavam e, após ficarem encharcadas, saíam correndo com gritos deliciados.

— Essa história me é bastante familiar — comentou Esma. — Há milhares e milhares de ciganos, especialmente ciganos de pele clara nos Estados Unidos, que simplesmente se incorporaram à população, deixando para trás todos os costumes roma.

Eu a encarei, me perguntando por que me sentia tão atraído por mulheres sem muita capacidade de empatia. Se algum dia voltasse à terapia, essa pergunta estaria no topo da minha lista.

Começamos a caminhar de volta ao hotel.

— Guerras são horríveis — disse ela. — Fazem coisas horríveis com todo mundo. — Essa parecia uma resposta mais reconfortante, e segurei a mão que Esma, como de hábito, havia passado pelo meu braço. — Foi assim que eu morri da última vez. Durante a Primeira Guerra Mundial.

Parei de súbito.

— Isso é um modo de dizer?

Seus olhos negros me fuzilaram.

— Longe disso. Eu era um soldado otomano, um pobre soldado de Ayvalik, um vilarejo minúsculo, e ainda não tinha completado 15 anos. Morri em Galípoli por causa de um ferimento infeccionado no ombro.

Fiquei muito menos espantado com essa declaração do que esperava, talvez porque ainda estivesse pensando nos meus pais ou talvez porque já tivesse aceitado o aviso de Esma sobre potenciais decepções como sinal de que havia importantes facetas do seu caráter que eu ainda não conhecia. Lidar com essas crenças era um pouco mais complicado do que descobrir que ela roía unhas e provavelmente um mau sinal no longo prazo. Mas, no curto prazo, eu estava disposto a tentar ser tolerante, uma vez que isso fazia parte da jornada por terrenos estranhos que eu havia iniciado quando a deixara entrar no meu quarto em Tuzla. Além disso, reconheci uma oportunidade de obter informações sobre o grande desconhecido.

— E a morte foi terrível? — perguntei.

— Não tão terrível, não. Solitária. Fria. Mas fiquei feliz por me afastar da dor. Não gostei da sensação de distância. Mas percebi, quase imediatamente, que seria algo temporário.

— Entendo.

Permaneci de bom humor, embora, de certo modo, resignado, enquanto eu processava tudo aquilo: meus pais, Esma, a fundamental inconstância dos seres humanos e o fato de que, com toda probabilidade, para mim ainda haveria novas buscas pela frente. Voltamos ao hotel e visitamos mais uma vez o mundo das sensações, antes que eu caminhasse com ela até a estação.