24.

Agora pessoalmente — 10 de junho

Acordei na quarta-feira após ter dormido melhor do que havia previsto. Meu estado de espírito era um pouco como a primeira manhã de um julgamento, quando eu empregava um esforço meditativo para evitar a ansiedade explosiva a respeito de coisas que não podia controlar. Enquanto me vestia, a importância do que estava prestes a acontecer pareceu aprimorar minha visão, como se eu visse uma versão mais definida de mim mesmo ao olhar no espelho. Se tiver sorte, você vai experimentar ocasiões como essa, em que aquilo que faz é importante para milhares de pessoas, e não apenas para você, e das quais, por isso, vai se lembrar para sempre.

Goos havia recuperado a compostura e exibia seu usual sorriso sutil quando o cumprimentei à mesa do café. Comemos rapidamente e, por falta de outro assunto, falamos da notícia de que Obama enviaria quinhentos soldados das forças especiais de volta ao Iraque, para combater o Estado Islâmico.

Às dez, Andersen e outro policial militar nos levaram até Barupra. A quadra de basquete vazia, ao lado da antiga base, seria a área de atuação para uma sessão de treinamento amplamente ficcional, bem à vista da estrada e de quaisquer veículos de vigilância que os Tigres de Arkan pudessem enviar. Quatorze soldados, todos membros da força de resposta da OTAN, uma unidade de operações especiais, usavam fardas de combate camufladas das forças armadas da Bósnia e Herzegovina. Sete eram alemães, e sete, dinamarqueses, doze homens e duas mulheres.

O comandante era um coronel alemão, Lothar Ruehl. Ele era atarracado e enérgico, com um bigode ruivo que parecia uma escova, e nos saudou com o breve agradecimento enviado pela general Moen. O ombro de sua farda falsa trazia uma faixa bege com uma estrela e uma linha, a insígnia de segundo-tenente.

Goos e eu, ambos de jeans e tênis, colocamos capacetes e traje completo à prova de balas, o que incluía, além do colete, protetor escrotal, mangas e gola. O traje era pesado, mas as correias de velcro permitiam mais mobilidade do que eu esperava.

Com Ruehl no comando, iniciamos o treinamento para a operação forjada. Fingi bater à porta de Ferko enquanto o esquadrão se espalhava pelo perímetro e então invadia a casa. Como previsto, os dois policiais locais que vigiavam a cova se aproximaram para ver o que estávamos fazendo, mas mantiveram uma distância educada. Em seu benefício, um sargento — que era na verdade um primeiro-tenente dinamarquês — começou a repetir as ordens do coronel Ruehl em bósnio.

Depois disso, fizemos uma pausa para o almoço. A ração de campo da OTAN era francesa e, surpreendentemente, incluía uma lata de patê de galinha e uma pequena fatia de queijo brie, mas eu não estava em condições de comer. Ruehl se sentou conosco e explicou em voz baixa o plano real, o qual, naturalmente, não podíamos praticar à vista de todos. Ele repetiu os detalhes várias vezes, até entendermos as diferenças em relação às manobras que havíamos fingido ensaiar.

Precisamente ao meio-dia, partimos para Vo Selo. Os veículos militares eram todos da OTAN, o que, aparentemente, não era algo incomum na Bósnia e Herzegovina. O comboio incluía um SUV Mercedes blindado no qual eu e Goos viajamos com o coronel Ruehl, um caminhão quatro por quatro com caçamba coberta para transporte de tropas e um veículo blindado de transporte que Goos, orgulhosamente, disse ser um modelo belga chamado BDX. Ele se parecia um pouco com um tanque em miniatura, com quatro rodas, pintura camuflada e torre de artilharia.

A esperança, como sugerira a general Moen, era que os capangas de Kajevic vissem o tamanho da escolta como sinal de quanto haviam nos aterrorizado na noite de terça, o que provavelmente encarariam com maldoso deleite. Com sorte, ainda estariam rindo quando chegássemos a Madovic.

Goos e eu viajamos com os capacetes no colo, praticamente sem conversar por causa do alto tráfego radiofônico, enquanto o general Ruehl trocava mensagens codificadas com os soldados e os agentes disfarçados que passaram a noite em Madovic. O motorista, que falava servo-croata, frequentemente dava ordens em perfeito bósnio através do canal normal do Exército.

Durante um dos poucos momentos de silêncio, eu me virei para Goos:

— Tudo bem?

Ele assentiu com convicção.

— Operação de primeira classe — comentou ele.

— Estou usando uma cueca nova, só para garantir.

Seu sorriso foi menor do que eu esperava.

Depois de uma viagem de cinquenta minutos, entramos em Vo Selo, onde muitos roma emergiram de suas tristes e minúsculas casas para nos ver passar. No alto da colina, o pequeno palácio de Ferko dava todos os sinais de ter sido abandonado. Não havia nenhum movimento no local. As roupas já não estavam estendidas em cordas nos balcões, e as venezianas, assim como o portão, estavam abertas. O sangue dos cães formava círculos amarronzados no cascalho do pátio.

Mesmo assim, encenamos o ato completo. O tenente dinamarquês entregou um megafone a Goos, que pediu em servo-croata para que Ferko saísse da casa. Após um minuto sem resposta, era a minha vez. Eu havia memorizado duas palavras em romani, Gavva na, que me disseram que significava “Não se esconda”, e as gritei repetidas vezes enquanto Goos dava voltas, dizendo mais ou menos o mesmo que dissera da última vez, quando Ferko realmente estivera lá.

Ao nosso sinal, o caminhão, sem parar, atravessou os portões duplos de Ferko, que cederam como peças de Lego. Atrás dele, os soldados do quatro por quatro se espalharam imediatamente.

Enquanto eu e Goos nos espremíamos nas paredes de estuque ao lado da porta, quatro soldados com farda de combate completa, incluindo capacetes e a mesma proteção que usávamos, correram para dar cobertura nos fundos. Outros quatro se espalharam atrás de nós com as armas apontadas, enquanto mais quatro corriam pela casa, gritando em bósnio depois de verificar cada cômodo.

Após cerca de dez minutos, o coronel Ruehl, ainda no SUV, fez um círculo com a mão, o sinal de que os monges haviam acabado de sair pela porta do hospital em Madovic, prontos para ir embora.

Havia chegado minha cena. Nos fundos da casa, os membros da força de resposta discretamente plantaram uma espécie de bombinha, que soaria como um pneu do blindado estourando. Ao ouvir esse som, um dos soldados protegendo o pátio fingiria entrar em pânico e dispararia o rifle contra a porta. Uma das balas supostamente ricochetearia e atingiria o meu braço. A parte desconfortável era que os soldados não usavam festim. O coronel Ruehl tinha me assegurado de que o atirador tinha uma mira excepcional, mas, mesmo assim, balas de verdade eram disparadas a poucos metros e, quando três delas penetraram no estuque, não precisei de nenhuma aula de atuação para gritar o mais alto que pude e me jogar no chão.

O tenente correu até mim e esvaziou na minha mão o frasco de sangue que carregava na manga, e então a enrolou com seu lenço. Os soldados do perímetro correram até os fundos da casa para descobrir que a explosão tinha sido um pneu estourando, e não uma arma, com a reposição pelo sobressalente sendo feita com a precisão e a rapidez de um pit stop. O soldado que supostamente havia atirado em mim correu até nós, tentando explicar ao tenente o que tinha acontecido. Em seu papel de sargento, o tenente gritou ordens em bósnio, enquanto Ruehl, Goos e meu algoz acidental me agarravam pelos cotovelos e me arrastavam até o SUV.

O comboio saiu em disparada no mesmo instante, mas se passaram apenas dois minutos antes que uma viatura da polícia surgisse bem atrás de nós. O policial obviamente estivera nos observando de algum ponto lá embaixo. O sargento que falava bósnio se inclinou para fora da janela para explicar que eu tinha sido baleado por acidente, sofrendo um ferimento arterial, e logo estaria morto se não fosse levado a um hospital. Deitado no banco de trás do SUV, com as costas apoiadas na porta traseira do banco do passageiro e a mão no ar, cumpri meu papel, choramingando e gemendo: “Meu Deus, meu Deus, meu Deus.”

Não sei quais eram as ordens do policial — ele provavelmente não sabia de nada e estava apenas se reportando a um oficial superior —, mas o homem acreditou naquela cena diante de seus olhos. Ele saiu correndo de volta para a viatura, ligou a sirene e as luzes e nos conduziu em velocidade máxima enquanto atravessávamos Vo Selo e chegávamos à estrada da montanha. O quatro por quatro seguia logo atrás dele, acompanhado pelo nosso SUV. O veículo blindado, que havia demorado por causa da troca de pneus, chegou à retaguarda do comboio apressado. Ele apresentava uma agilidade impressionante e nos seguia de perto, mesmo quando passávamos de cem quilômetros por hora nas retas.

No SUV, eu e Goos falamos muito pouco. O rádio gritava de tempos em tempos, com ao menos seis vozes diferentes. Dois ou três soldados em algum lugar narravam continuamente os eventos em bósnio, mas Ruehl de vez em quando mudava para a frequência da OTAN e tinha breves conversas em inglês. Entendi que Kajevic, codinome Abutre, e seus guarda-costas ainda não suspeitavam de nada e caminhavam em lenta procissão até o monastério.

Estávamos a menos de um minuto de Madovic quando uma chamada de emergência soou pelo rádio.

— Alguém lá em cima nos viu chegar e não gostou — explicou Ruehl.

A OTAN monitorava todas as transmissões de rádio que vinham do monastério. Quem quer que estivesse de guarda para Kajevic ordenara que a polícia local fizesse o possível para nos deter.

Quando fizemos a última curva na encosta, vimos que o policial que liderava o comboio havia parado subitamente, com as luzes do giroscópio ainda ligadas. Ele estava fora do carro, com a mão enluvada erguida, nos pedindo para parar. Pelo rádio, Ruehl ordenou que o comboio prosseguisse a toda a velocidade. O caminhão de tropas continuou a toda na direção do policial, e ele saiu do caminho no último segundo, literalmente pulando para fora da estrada, enquanto o caminhão passava por cima de seu quepe, que fora levado pelo vento. Quando passamos, pude vê-lo sobre um arbusto a uns dois metros do acostamento, com a mão sobre a cabeça para se proteger da poeira e do cascalho.

Estávamos num declive e devemos ter chegado à entrada de Madovic a quase cem por hora, derrapando na curva. Uma das vantagens do plano de capturar Kajevic a caminho do monastério era que, como a general Moen tinha explicado, ele não conseguiria nenhum auxílio visual do alto da montanha. A vigilância com infravermelho dos guarda-costas, que havia detectado as AKs sob os rassas, não mostrara nenhum rádio, mas eles se esqueceram do óbvio.

Quando entramos voando na praça central de Madovic, vimos os três monges. Eles pararam a quase cem metros de nós, na rua estreita que cruzava a cidade. Um deles falava ao celular. Olhando para trás, vi um sedã preto deixando uma nuvem de poeira para trás enquanto descia do monastério correndo, com sirenes policiais ecoando subitamente de pelo menos duas direções.

Nosso SUV parou a meio caminho dos monges. O quatro por quatro freou vinte metros à frente, e o blindado continuou a avançar, aproximando-se de Kajevic. Goos e eu deveríamos nos deitar no chão, mas decidimos ficar ajoelhados, com os olhos ainda altos o bastante para ver através da janela do lado de Goos. O SUV tinha parado de lado, bloqueando a estrada, e Ruehl e o motorista desceram e assumiram posição atrás do veículo, com o jovem motorista apoiando o rifle de assalto no teto. Agachado ao lado dele, Ruehl ergueu o megafone. À nossa frente, os soldados saíram da traseira do quatro por quatro com grande precisão, rolando ao tocar o solo e rapidamente assumindo posição de combate, de bruços, com os rifles apontados para Kajevic e seus guarda-costas, a apenas alguns metros de distância. Os quatro supostos turistas, com as pistolas escondidas agora engatilhadas, haviam se aproximado dos monges por trás.

Pelo megafone, o coronel Ruehl falou em servo-croata, lendo um papel que tinha na mão. Goos sussurrou a tradução:

— Laza Kajevic, renda-se imediatamente. Você está preso, de acordo com o mandato emitido pela Organização das Nações Unidas e pelo Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia, em Haia.

As palavras ecoaram pelos pequenos edifícios em torno da praça principal. Alguns moradores, no começo atraídos pela comoção, fugiram ao ver os rifles automáticos, recuando para dentro de casa. Pude ouvir alguns deles gritando.

O monge com o celular perdeu o chapéu alto e redondo. Ele mexeu embaixo do rassa e tirou uma AK. A arma não estava a mais de um quarto do caminho para ficar em posição de tiro quando dois disparos simultâneos o atingiram. O monge voou para trás, como se tivesse sido atingido por uma granada, espirrando sangue em Kajevic. O outro guarda-costas ergueu as mãos e caiu de joelhos.

No processo de se proteger dos tiros, Kajevic também havia perdido o chapéu clerical. Agora fingia incompreensão, como se não entendesse a língua ou tivesse sido confundido com outra pessoa. Mas não havia dúvida de que era ele. O infame cabelo agora tinha um comprimento moderado e havia ficado branco ou fora descolorido. A barba desgrenhada era real e cobria o rosto inteiro, incluindo partes das bochechas. Ele usava óculos pretos e pesados e estava muito mais gordo que em seus dias de crueldade. Mas era Kajevic, com os mesmos olhos desvairados, e era esperto o suficiente para saber que estava sendo procurado vivo. O Abutre começou a correr.

Ele se afastou do BDX blindado e ziguezagueou entre os soldados deitados, que, como previsto, hesitaram em atirar. Ninguém conseguiu agarrá-lo, a despeito das tentativas de dois soldados. Enquanto corria, ele colocou a mão no bolso esquerdo do rassa e sacou uma Glock, que segurou perto da orelha, correndo para o SUV. Ruehl se levantou e ordenou que ele parasse, mas Kajevic respondeu com um único tiro, e o coronel gritou. O motorista instintivamente se ajoelhou para ajudá-lo. Tive a ideia insana de que Kajevic também atiraria em Goos e em mim, mas ele sabia que essa era sua única chance de escapar e estava a toda a velocidade, claramente se dirigindo para o carro preto que descia derrapando do monastério.

Enquanto Kajevic corria na nossa direção, eu me agachei no chão, atrás do banco traseiro. Senti Goos se retesar ao meu lado. Morto de medo, achei que ele também estava tentando se proteger, mas ele queria impulso. Quando Kajevic se aproximou, correndo por sua vida, Goos abriu a porta com um chute. Ela atingiu Kajevic com toda a força. O rosto de Kajevic bateu no vidro, e ele caiu para trás.

A porta recuou, mas Goos a segurou e saiu do SUV.

— Goos! — gritei, mas o segui para fora.

Ele havia se jogado em cima de Kajevic. Com a mão direita, agarrava seu cabelo, batendo sua cabeça no chão, enquanto a esquerda estava em seu pulso, contendo a Glock que Kajevic segurava pelo cabo, aparentemente pretendendo usá-la como porrete. Assustado com a arma, não tive escolha senão pisar com força na mão de Kajevic e então segurar a pistola pelo cano, forçando seu pulso para trás até que ele a largasse. Assim que ela se soltou, vários soldados caíram sobre nós e nos tiraram do caminho. Os homens do Exército forçaram os braços de Kajevic para trás, prenderam seus pulsos com um lacre plástico e seguraram o ex-presidente pelos braços e pelas pernas, como se fosse um boi sendo levado para o abate. Sempre o mantendo erguido, subiram no caminhão. Então contaram até três em alemão e jogaram Laza Kajevic na caçamba, como se ele fosse uma bolsa de lona. Vários outros soldados subiram atrás dele.

Quase ao mesmo tempo, o policial que tinha nos levado até Vo Selo chegou com a sirene ligada e parou perto do SUV. Era um homem corajoso, agora claramente furioso, e desceu do carro. No meio da rua, ficou em posição de tiro com ambas as mãos na pistola, gritando instruções enquanto confrontava um esquadrão inteiro de soldados em fardas de combate. O veículo blindado já havia feito a volta para perseguir Kajevic. Ele avançou mais uns trinta metros, até ficar entre o oficial e o SUV, e então a torre de artilharia subitamente abriu fogo, atingindo a viatura com munição de alto calibre. O veículo pulou como um inseto. Seus pneus se esvaziaram, e o para-brisa desapareceu numa chuva de vidro estilhaçado. O policial se atirou de cara no chão mais uma vez.

Uns vinte metros atrás dele, o sedã preto, que eu perdera de vista, ficou subitamente de frente para a arma do BDX. O sedã freara com um guincho no pé da colina que levava ao monastério, mas, depois que a viatura da polícia foi destruída pelos tiros, o motorista engatou ré e subiu a montanha a toda a velocidade, sem nem mesmo fazer a volta.

Houve um momento de silêncio durante o qual me arrastei até Goos, porém, do outro lado da praça, mais um carro de polícia se aproximou, com as luzes e a sirene ligadas. O veículo chegou levantando poeira e parou entre o quatro por quatro e o SUV. O policial gordo e o policial magro que havíamos conhecido oito dias antes começaram a gritar, ambos com espingardas na mão. O gordo estava vermelho, cuspindo enquanto gritava.

Depois de Kajevic ter sido capturado, Goos e eu havíamos acompanhado a agitação sentados no chão ao lado do SUV, como se estivéssemos num estádio. Naquele momento, eu me levantei para que os soldados pudessem me ver, gritando enquanto apontava:

— Foram eles que nos sequestraram!

Goos imediatamente agarrou meu cinto e me abaixou antes que os policiais pudessem localizar onde estávamos, embora o magro parecesse ter reconhecido a minha voz.

Ele se virou para o SUV com a espingarda erguida, mas encontrou o blindado avançando em sua direção, com a torre de artilharia já ajustando a mira. O gordo gritou algo, e os dois voltaram correndo para a viatura, cantando os pneus enquanto se afastavam da praça, com a sirene ainda ligada. Um dos supostos mochileiros correu atrás dela, tirando fotos da placa com o celular.

Quando por fim olhei para baixo, fiquei atônito ao encontrar a Glock de Kajevic ainda na minha mão esquerda. Eu a deixei no chão ao lado de Goos, que agora se deitava de costas. Ele estava vermelho de dor e gemia a cada respiração. Claramente havia machucado as costelas novamente.

— Você é a merda de um herói.

— Foi puro instinto — explicou ele. — Você se saiu bem com a arma, Boom.

— Foi meu longo treinamento assistindo a séries criminais na TV. Mas você tinha tudo sob controle. — Era verdade. Quando eu havia empurrado a pistola para trás, Kajevic parecia já tê-la largado. Ela se soltara como uma uva do cacho.

Enquanto isso, apareceu um médico, um dos falsos mochileiros. Ele atendeu o coronel, que recebera um ferimento parecido com o que eu tinha fingido antes, uma bala que atravessara seu antebraço. Ele não parecia estar sangrando muito, embora, pela maneira como apoiava o braço com a mão boa, a bala devesse ter fraturado algo.

Fiquei sentado na rua ao lado de Goos até que o médico se aproximou. Ele conferiu os sinais vitais de Goos e lhe deu uma injeção para dor. Depois disso, teve a presença de espírito de se lembrar do plano inicial e fingiu examinar e enfaixar a minha mão. Quase objetei, tendo esquecido por completo por que ele estava fazendo isso. Não havia motivo para continuar, de qualquer modo. O pessoal de Kajevic para sempre se lembraria de Goos como o cara que havia derrubado seu presidente e atrapalhado sua última chance de fuga.

O médico voltou para perto de Ruehl e o levou até o banco de trás do SUV. Enquanto o motorista o ajudava a se sentar, o coronel nos lançou um sorriso cortês.

Foi quando notei um helicóptero de combate voando baixo, parecendo tocar as montanhas ao passar sobre o monastério. Ele tinha um nariz afilado que o fazia parecer uma libélula, e, nas laterais, havia listras tigradas e dois lançadores de mísseis brancos. A aeronave pairou sobre a praça antes de pousar, para que os moradores, que haviam começado a sair de casa novamente, pudessem recuar.

Depois que o helicóptero pousou, o veículo blindado avançou para cobrir o lado mais distante da praça, enquanto os soldados que guardavam Kajevic e o quatro por quatro se espalhavam com as armas apontadas, a fim de estabelecer um perímetro. O caminhão avançou até estar no limite das pás do helicóptero. Ouvi o tenente gritar “Caminho livre!”, e oito soldados pularam da traseira, movendo-se rapidamente e carregando Laza Kajevic. Ele estava com pés e mãos amarrados, amordaçado e ainda se debatendo, com uma bandagem ensanguentada no rosto — Goos tinha quebrado o nariz dele. Seu rassa de tecido marrom rústico estava erguido até a cintura, revelando o jeans por baixo. Os soldados o enfiaram pela porta aberta do helicóptero com tão pouca cerimônia quanto o jogaram no caminhão. Quatro deles entraram junto com o prisioneiro.

O coronel Ruehl havia permanecido no SUV para controlar os passos finais da operação, mas o tenente assumiu o comando e se sentou no banco da frente do helicóptero. Com isso, a aeronave decolou novamente, desaparecendo além das montanhas.

Uma senhora idosa se aproximou e jogou os dois sapatos na direção do helicóptero, mas eu não sabia se seu desprezo era por Kajevic ou por nós.