25.
De volta a Haia — 10 a 13 de junho
A despeito dos seus protestos, Goos foi colocado numa maca e levado no quatro por quatro até o hospital. O verdadeiro Exército bósnio estava presente, protegendo a pequena área de emergência para que Ruehl e Goos pudessem ser atendidos. Os dois pacientes ficaram lado a lado em camas de aço inoxidável, enquanto Ruehl recebia uma transfusão de sangue. Bósnios entravam e saíam da área, incluindo um crescente número de oficiais civis, e houve uma confusão de vozes altas com muita gente tensa correndo de um lado para o outro. Fiquei aliviado quando a general Moen chegou e imediatamente assumiu o controle da situação. Ela expulsou todo mundo da área, à exceção de alguns soldados da OTAN e da equipe médica de emergência. Então explicou que o único radiologista do hospital tinha sido detido para interrogatório e isso causara certo atraso, pois estavam tentando encontrar um médico para analisar as radiografias de Ruehl e Goos. Após ser enfaixado e tomar uma dose de Demerol, Goos insistiu em ir embora.
Uma ambulância particular foi chamada para que ele pudesse ir de maca até o aeroporto de Tuzla. Andersen, agora fardado, me levou de volta ao Blue Lamp, onde peguei minha bagagem e a de Goos. Quando cheguei ao aeroporto, encontrei um avião da OTAN na pista de decolagem. Goos já estava a bordo, numa maca dos paramédicos e com excelente humor, especialmente quando não tentava se mexer.
Voamos por algumas horas até a base aérea da OTAN em Geilenkirchen, na Alemanha, perto da fronteira holandesa. A general Moen havia providenciado para que uma ambulância nos levasse pelas duas horas finais de viagem até Haia.
Quando chegamos do lado de fora do pequeno apartamento que Goos tinha comprado anos antes, ele insistiu, com considerável esforço, em ficar de pé. Entendi que queria fazer isso para não assustar a esposa e a filha mais velha, que chegaram às pressas de Bruxelas. A esposa, uma mulher gordinha de cabelo loiro e ondulado, e a filha, cheia de tatuagens, o ajudaram a entrar lentamente no edifício. Ele dava um passo de cada vez, descansando alguns segundos entre eles. A esposa não parou de falar um minuto, metralhando algo em flamengo.
Já era meia-noite quando entrei em casa. Fiquei atônito ao encontrar Nara, com sua roupa preta de corrida, ainda acordada. Ela estava encolhida numa poltrona da sala, lendo sob o abajur que fornecia a única luz no apartamento. Quando me viu, ela se aproximou instintivamente e colocou a mão delicada no meu rosto, sobre os hematomas no queixo e na mandíbula, que tinham ficado verde e amarelo.
— Meu Deus! — exclamou ela.
— Não é tão ruim quanto parece.
Deixei a mala num canto e me joguei no sofá. Agora que estava de volta, de repente passei a me sentir tão exausto que parecia que os meus ossos poderiam se desfazer.
— Uma questão do trabalho que acabou ficando um pouco violenta — expliquei. — Goos estava comigo. Ele está bem pior. Mas está se recuperando.
Por muitas razões, incluindo nossa segurança, Goos e eu havíamos concordado em manter em segredo nossa participação na captura de Kajevic. Dirigi o foco da conversa para Nara.
— A viagem para Nova York não foi boa?
— Fiquei três dias na cidade e vi Lewis por uma hora. A gente teve uma discussão acalorada no lobby do hotel e não nos falamos mais enquanto estive lá. — Seu tom ao narrar isso, como sempre, soava meio estranho: ela falava com surpreendente leveza, como se toda a viagem tivesse sido apenas um aborrecimento passageiro. De modo geral, Nara parecia animada, e rapidamente compreendi por quê. — Laza Kajevic foi preso hoje — anunciou ela. — Deve ter sido uma grande notícia na Bósnia.
— Não se falava em outra coisa.
— Ele tem um advogado particular de Belgrado, Bojan Bozic. Trabalhei com Bozic no caso do general Lojpur, e ele prometeu que eu seria sua principal assistente se Laza fosse capturado. Ele vai apresentar a papelada amanhã, solicitando a nomeação conjunta. — Seu rosto estava tomado pela adorável luz infantil do orgulho declarado. Ambos sabíamos, como advogados, que aquele caso renderia frutos para o resto de sua vida.
— Meus parabéns! — Ergui a mão para um high five, mas me peguei analisando-a em seguida. Havia muita coisa sobre aquela mulher que eu não entendia, porque tendíamos a não falar muito de trabalho, dados nossos papéis em lados opostos. Mas, por causa de suas frequentes respostas sem nenhum tipo de filtro, eu sabia que podia falar abertamente com Nara. — E você não fica incomodada em defender um monstro como ele? Os campos, as execuções, os estupros sistemáticos?
De certa forma, vinda de mim, a pergunta era absurda, considerando os grandes imbecis que com frequência foram meus clientes. Com o passar dos anos, parecia que eu tinha me especializado em CEOs ególatras, sempre homens, que hesitavam tanto em roubar de suas empresas quanto em pegar dinheiro trocado numa gaveta de casa e frequentemente exibiam comportamentos desagradáveis em relação às mulheres. Eu acreditava no mantra de que todo mundo merece ser defendido, mas decidira havia muito que ela não precisava necessariamente ser fornecida por mim. Clientes da máfia, por exemplo, sempre estiveram na minha lista de pessoas a serem evitadas. A violência gratuita e impensada sobre a qual seus negócios eram erigidos era demais para mim.
— Não quero parecer um chato — continuei —, perguntando como você consegue defender gente tão horrível. Mas Laza Kajevic provavelmente é o vencedor do título de pior ser humano vivo.
Nara sorriu por um momento, antes que seus olhos negros ficassem mais sérios.
— Porque eu não sei — disse ela.
— Não sabe o quê?
— O que eu faria em tempos de guerra, quando o mundo está do lado avesso e nada é certo. É fácil ser o promotor, Boom, e dizer depois do fato que “é isso que você deveria ter feito”. Falar que é importante restaurar a ordem. Mas, para mim, isso também é, em grande parte, suposição. Não tenho certeza de que as regras seriam tão claras para mim se fosse uma questão de matar ou morrer.
Eu poderia ter seguido meus instintos legais e argumentado, especialmente no caso de Kajevic, que ele próprio havia criado a atmosfera que ela achava capaz de mitigar seus crimes. Mas a resposta de Nara tinha sido séria, de uma pessoa cuidadosa. E suas razões eram mais nobres que as minhas ao aceitar muitos casos, algo que, em geral, eu fazia porque crimes me intrigavam muito mais que execuções de aluguel, o dinheiro era excelente e era comum que os casos me permitissem encontrar amigos do gabinete da procuradoria federal, que muitas vezes representavam os corréus.
— Então o caso é seu?
Ela levantou o imenso fichário que estivera estudando.
— Eu estava correndo quando Bozic me ligou. Voltei ao escritório para buscar a acusação e alguns materiais de apoio, e não levanto dessa cadeira há cinco horas.
— E como Lew vai reagir quando você disser que não vai se mudar para Nova York?
Seu rosto pareceu tenso.
— Não estou ansiosa para ter essa conversa. Faz uma semana que a gente não se fala. Ele espera que cada discussão termine comigo pedindo desculpa e eu não vou fazer isso dessa vez.
Comecei a quinta-feira no dentista de Nara, que colocou uma restauração provisória no meu dente, antes de ir para o tribunal. Eu e Goos tínhamos concordado em fazer um relatório conjunto para nossos chefes sobre a semana e meia que havíamos passado na Bósnia. Comecei o primeiro rascunho.
No meio da tarde, o telefone tocou.
— Parabéns, Boom! — Levei um tempo para reconhecer a voz de Merry. — Eu queria lhe agradecer pessoalmente. Só queria ter estado lá para ver. O mundo é um lugar muito melhor agora.
Falei que não merecia agradecimentos, mas assegurei que os soldados da OTAN que ele um dia havia comandado se saíram excepcionalmente bem.
— Os boatos dizem que você e seu colega foram muito corajosos.
Conforme havíamos pedido, eu e Goos fomos omitidos do relatório oficial da prisão fornecido às agências de notícias. Mas obviamente havia uma versão confidencial circulando.
— Goos o derrubou — contei. — Mesmo com Kajevic segurando a arma com a qual tinha atirado no coronel Lothar. Meu ato de heroísmo consistiu em deitar no chão de um veículo blindado, usando traje completo à prova de balas.
— Disseram que foi você que o desarmou.
— Ele estava praticamente inconsciente, e seu dedo não estava nem perto do gatilho. E eu estava morrendo de medo, o tempo todo. — O fato era que, quanto mais pensava no momento em que havia pegado a Glock, menos claro parecia. Eu ainda estava atônito por ter me encontrado naquela posição.
— Isso prova que você é um homem razoável — comentou Merry. — Ele é um ser humano aterrorizante. Coragem não é ausência de medo, Boom. É continuar em frente a despeito dele. Tiro o meu chapéu para você. A versão que ouvi é que Kajevic estava fugindo quando vocês o interceptaram.
Depois da prisão, os soldados nos cobriram de elogios. Eles temiam que Kajevic chegasse ao sedã preto que esperava para voltar correndo ao monastério. Era verdade que, se Kajevic tivesse entrado no carro com o monge que estava dirigindo, a situação poderia ter ficado complicada. No entanto, por mais que eu admirasse a reação rápida de Goos e sua coragem ao derrubar um homem que tinha acabado de usar a arma, nenhum de nós acreditava ter havido muita chance de Kajevic correr mais que vários homens e mulheres quarenta anos mais jovens. Como dissera Goos nas horas que havíamos passado no avião, rememorando incansavelmente eventos que provavelmente duraram menos de um minuto, a única vida que ele havia salvado provavelmente fora a de Kajevic, que teria sido abatido se tentasse abrir fogo contra os soldados que o perseguiam.
Após mais alguns minutos de conversa amena, decidi tirar vantagem da situação e comentei que, agora que Kajevic estava preso, havia menos razão para reter os relatórios de inteligência sobre as tentativas de capturá-lo em 2004.
Merry riu e disse que eu ainda não entendia o Departamento de Defesa, desligando logo em seguida.
Quando cheguei na noite de quinta-feira, Narawanda estava vestida com roupa de corrida, mas me recebeu com as mãos nos quadris.
— Por que você não me contou?
— Não contei o quê?
— Que vocês fizeram parte da captura de Laza.
Expliquei que Goos e eu merecíamos pouco crédito e não queríamos atrair a atenção malevolente dos seguidores de Kajevic.
— Pelo que ouvi, vocês estiveram no centro de toda a operação.
Não gostei de saber que nossa participação já vazara para os círculos civis. No TPI, o segredo se mantivera naquele dia, porque Badu e Akemi sentiam que era fundamental estabelecer certa separação em relação ao Tribunal Iugoslavo. Mesmo assim, havia pessoas demais na cadeia de informações para evitar que eu recebesse alguns olhares significativos e acenos de reconhecimento, mesmo que nada tivesse sido dito em voz alta. Eu estava prestes a perguntar a Nara, com alguma irritação, como ela soubera quando compreendi quem havia sido sua fonte.
— Você soube disso pelo seu cliente? Ele já chegou a Haia?
Ela deu de ombros para mostrar que não podia violar a regra de confidencialidade.
— Como está o nariz dele? — perguntei. Sequer tentei evitar o sorriso.
— Muito inchado. Ele parece mais aborrecido com isso que pelo fato de estar na prisão. É um homem muito vaidoso.
— Eu jamais teria adivinhado.
— Mas seu papel em tudo isso fez com que o interrogatório inicial fosse muito estranho. Tive que confessar que conheço bem vocês dois. Queria ter tido a chance de alertar Bozic antes de o seu nome surgir.
Eu não tinha pensado nisso. Da perspectiva dela, eu a submetera a uma espécie de conflito de interesses ao manter segredo. Pedi desculpa e perguntei como Kajevic reagira à informação. Temia que isso pudesse custar a Nara seu papel no caso, mas ela disse que ele não havia ficado preocupado.
— Ele acha que todo mundo conhece todo mundo em Haia. Bozic sugeriu uma renúncia formal com base em conflito de interesses, mas Kajevic não deu a mínima e escreveu algumas linhas de próprio punho. Mas enviou seus cumprimentos e disse que gostaria de encontrar você e Goos pessoalmente algum dia.
Nara, previsivelmente, não parecia perceber a assustadora importância dessa mensagem. Em contrapartida, o fato de Kajevic ter aumentado nosso papel se adequava às minhas impressões sobre sua mania de grandeza. Ele presumira que poderia vencer a OTAN para sempre, e certamente preferia pensar que havia sido apanhado por acidente por dois pobres-diabos.
Mas, com isso, minha conversa com Merriwell e a pequena probabilidade de algum dia conseguirmos o arquivo da inteligência sobre a tentativa anterior de prender Kajevic me deram uma nova ideia.
— Se o Sr. Kajevic realmente quer nos ver, podemos interrogá-lo para o nosso caso. Existem muitas perguntas que ele poderia responder para nós.
Nara riu na minha cara, embora de uma maneira inofensiva, sem escárnio. Eu teria feito a mesma coisa se os papéis estivessem invertidos.
— Bozic jamais vai permitir isso. Laza já tem problemas demais sem abrir a boca. Mas vou fazer a requisição aos dois para que você possa receber uma recusa formal.
Saímos para correr, mas o céu desabou de repente, como era comum em Haia, e acabamos no Mauritshuis, o baú de joias que a cidade chama de museu de arte. A grandiosa casa do século XVII, construída no estilo clássico holandês, com teto inclinado e uma fachada ornamentada amarela sobre paredes de tijolos, abrigava algumas das mais famosas pinturas do mundo, incluindo Garota com brinco de pérola, de Vermeer, e O pintassilgo, de Carel Fabritius, que coincidentemente estavam expostos na mesma sala. Costumávamos passar correndo pelo museu, e Nara sempre me censurava por ainda não tê-lo visitado. Com a chuva, decidimos que aquele era o momento, já que o museu abria nas noites de quinta.
Eu havia me esquecido do histórico de Nara com design e fiquei impressionado com seus comentários incisivos sobre muitas das peças em exibição. Algumas pinturas — o retrato de um velho feito por Rembrandt e a cidade à beira de um rio de Vermeer — me comoveram imensamente por sua vitalidade. Os cômodos minúsculos da casa original foram preservados como salas de exposição, o que dava uma sensação de segredo e intimidade àquela experiência enquanto eu e Nara sussurrávamos, com os corpos pressionados um no outro por causa da multidão.
Depois de percorrermos a exposição duas vezes, retornando para ver os nossos favoritos, fomos até o café esperar a chuva passar, conversando sobre as pinturas. Nara tinha muito a dizer sobre o gênio de Rembrandt, que esteve séculos à frente de seu tempo no entendimento do que realmente vemos.
Fomos embora quando o museu fechou, caminhando lentamente em meio à névoa fraca.
Nara suspirou e disse:
— Isso foi adorável. — Ela olhou para mim, minúscula e sempre sincera, com a chuva brilhando em suas bochechas. — Não foi?
— Foi, sim — respondi.
Voltamos para casa sem dizer mais nada.
Na manhã de sexta, encontrei-a chorando na frente da cafeteira. Fiquei atônito, porque Nara normalmente lidava com seus problemas de maneira contida e estivera bastante animada desde o meu retorno. Ela não estava histérica, mas não havia como não ver as lágrimas.
— Lew? — perguntei.
— Tudo — respondeu ela. — Minha mãe está a caminho. Vai chegar a Schiphol amanhã de manhã. — A mãe tinha um problema sanguíneo que estava bem controlado, mas exigia visitas periódicas a um especialista em Amsterdã. Ela iria ao médico na segunda-feira. — Tenho que contar a ela sobre Lewis, mas não sei o que dizer. Deixei mensagens para ele ontem e hoje, mas ele não respondeu. É assim que os casamentos acabam? Com ligações não atendidas?
Tentei confortá-la. Lew provavelmente estava apenas dando um tempo. Muitos casamentos são retomados após um breve intervalo.
Ela fez que não decididamente com a cabeça.
— Isso não tem muita chance de acontecer. O caso de Kajevic vai me manter aqui durante anos, e eu estou muito feliz com isso. Lewis jamais vai aceitar.
Eu poderia ter observado que fora ela, tanto quanto Lew, quem havia tomado a decisão derradeira, mas Nara provavelmente não veria as coisas dessa maneira. Certamente não há nenhum relacionamento humano mais complicado que o casamento, e eu era sensato o bastante para não interferir no dela.
Em vez disso, perguntei onde sua mãe ficaria. Eu podia ver que, em sua angústia por ter que confessar a situação com Lew, ela não tinha pensado no assunto. Sendo Nara, ela disse a verdade, sem desculpas.
— Normalmente ela fica aqui. Mas suponho que isso não vá dar certo dessa vez. — Ela se virou com um sorriso travesso e uma ideia qualquer subitamente melhorando seu humor enquanto, como uma criança, usava as costas da mão para enxugar as lágrimas. — Seria muito aconchegante com minha mãe, você e sua amiga na mesma cama.
Fiz o que o cavalheirismo exigia e disse que passaria o fim de semana num hotel.
— Não, você não pode fazer isso. Aqui é a sua casa. Minha mãe vai ficar bem no Des Indes.
— Sem chance — retruquei. Prometi arrumar o quarto à noite e deixar tudo pronto para quando elas voltassem do aeroporto. Após mais algumas cenas de Alphonse e Gaston, ela aceitou.
— Isso é muito gentil da sua parte, Boom. Eu me sinto horrível por expulsá-lo. Que tal se eu pagar a conta do hotel?
— De jeito nenhum.
— Então venha jantar amanhã à noite. Isso seria um grande favor. Minha mãe é demais para mim sozinha.
Eu sabia que ela estava sendo sincera — Narawanda jamais usava subterfúgios —, e aceitei. Fiz uma pausa quando estava saindo da cozinha com o meu café.
— E já não estou mais saindo com a minha amiga, como você a chama. Acabou no dia em que falei que estava aborrecido com ela.
Nara refletiu por um momento.
— Sinto muito, de verdade. Você parecia bastante apaixonado. Espero que aquela cena constrangedora aqui em casa não tenha tido nada a ver com isso.
— É claro que não.
Aliviada, ela sorriu de seu modo malicioso.
— Jamais vou me esquecer de vê-la daquele jeito, como veio ao mundo, com aquele penteado chamativo.
O penteado! Sempre me surpreendia como as mulheres se viam umas às outras.
— Nunca houve muito futuro. E o presente, como eu já devia saber, era complicado demais.
Ela pareceu prestes a dizer algo, mas permaneceu em silêncio, e eu fui para o meu quarto.
No trabalho na sexta, suportei uma série de reuniões sobre como prosseguiríamos com o caso. A questão principal era se deveríamos continuar, uma vez que não podíamos conceder nenhum valor ao potencial depoimento de Ferko, mesmo na improvável hipótese de ele ser encontrado. As conversas no escritório foram ansiosas e marcadas por várias perguntas importantes, mas eu ficava irritado com o fato de elas terem que acontecer em camadas: primeiro com a divisão de supervisores, depois com a presença de Akemi, e então, finalmente, com a de Badu. Em todas as vezes, concordamos que, apesar de Ferko, os registros da OTAN, especialmente a vigilância aérea, nos deixavam sem alternativa além de escavar a caverna. Os corpos eram a única fonte provável de evidências adicionais. E, como Goos reconhecera, tendo constrangido os Estados Unidos na primeira página do Times, éramos obrigados a confirmar o crime. Em relação a esse último ponto, Badu balançou a cabeça com pesar e disse, meio carrancudo, que o vazamento tinha sido uma ideia muito infeliz.
As deliberações sobre o futuro da nossa investigação trouxeram de volta um fato que eu estivera evitando: precisava procurar Esma novamente, no caso de ela possuir uma maneira alternativa de entrar em contato com Ferko. Ele provavelmente teria informações valiosas, embora nada do que dissesse pudesse ser aceito por completo. Dada a sua verdadeira vocação, por exemplo, ele devia saber como os caminhões roubados haviam parado nas mãos de Kajevic.
Após falhar em todas as tentativas de comunicação eletrônica, voltei ao método antigo e escrevi uma carta muito profissional no papel timbrado do tribunal, dizendo que havíamos visitado Ferko em sua casa, com resultados tão surpreendentes que eu me sentia obrigado a discutir com ela. A carta seria entregue em vinte e quatro horas, tanto em seu escritório em Londres quanto em sua residência temporária em Nova York.
Quando eu estava na faculdade de direito em Easton e levava amigos para casa, como fizera com Roger, era normal ficar dividido pelas reações deles aos meus pais, que eles inevitavelmente achavam cultos e inteligentes. Eu não me importava que meus amigos admirassem meus pais — eu também os admirava —, mas ficava frustrado por serem incapazes de reconhecer a avareza emocional que fazia com que fossem tão desafiadores para Marla e para mim.
Naturalmente, vi o mesmo processo ocorrer do outro lado quando Will e Pete levavam seus amigos para casa, situações em que percebia que Ellen e eu parecíamos bem menos excêntricos e irritantes do que os amigos haviam sido precavidos a esperar. Era outro truísmo que eu adotara na meia-idade: pais e filhos sempre têm um relacionamento único cujos efeitos integrais permanecem inevitavelmente ocultos de todos os outros.
Mesmo assim, considerando a agitação de Nara, caminhei do Des Indes até o apartamento no sábado esperando momentos desconfortáveis. Era uma noite chuvosa, com fortes pancadas ocasionais. Eu usava capa de chuva e chapéu, ao passo que os holandeses, como sempre, continuavam a desafiar o clima. Enquanto caminhava pela Plein, vi centenas de moradores locais sentados às mesas de piquenique, bebendo cerveja sob os guarda-sóis dos cafés. Percebi quanto tinha passado a admirá-los, com seu feliz ar comunal e sua educada determinação em ignorar os pequenos obstáculos para fazer o que gostavam.
A uma quadra do apartamento, parei numa adega e comprei uma garrafa do borgonha favorito de Nara. Só quando a ofereci a Nara, já na porta, lembrei que álcool não era exatamente a melhor maneira de causar boa impressão numa mulher muçulmana.
— Ah, meu Deus — eu disse quando percebi a mancada, e perguntei se deveria esconder a garrafa.
— Deixe-a no closet com o casaco. Não vou beber na frente dela, mas prometo tomar várias taças depois que ela dormir. — Nara revirou os grandes olhos antes de me pegar pelo cotovelo e me levar para conhecer sua mãe.
Annisa Darmadi se mostrou uma mulher inteligente, encantadora e de riso fácil. Apesar das tonturas que a fizeram visitar o médico, parecia cheia de vitalidade e saúde e, mesmo aos 70 anos, era muito parecida com a filha, com a mesma figura esguia e o belo rosto redondo. O hijab, que, segundo Nara, ela usava com cada vez mais frequência, estava ausente, talvez em deferência à filha.
A Sra. Darmadi insistiu em cozinhar, como Nara me disse que faria, e ficou ocupada ao fogão preparando vários pratos tradicionais. Os ingredientes eram facilmente encontrados na Holanda, com sua grande população indonésia, e a mãe não conseguia entender por que a filha não aproveitava isso. Tendo insistido nesse ponto, mandava Nara se afastar sempre que ela chegava perto das panelas.
Sentamos para comer pouco depois de eu chegar. A Sra. Darmadi era uma chef fabulosa. Ela preparou uma sopa com leite de coco chamada soto, uma salada com molho de amendoim — gado-gado —, e uma bola de arroz adocicado cercada por fatias de carne grelhada cujo nome não entendi. Durante o jantar, falamos principalmente sobre Jacarta, sobre a qual eu não sabia praticamente nada, e ela atualizou a filha sobre os eventos locais. A coisa mais interessante a emergir da conversa foi que a Sra. Darmadi, embora fosse consideravelmente mais jovem, era prima distante de Lolo Soetoro, o padrasto de Barack Obama. Ela falou de Lolo com mais aprovação que da mãe de Obama, a quem se referiu, sem maiores rodeios, como “uma hippie”.
Durante a noite, Nara muitas vezes havia explicado as observações da mãe. Claramente o fazia para compensar o inglês fraco da mulher mais velha. Os comentários de Nara sobre a cultura indonésia foram úteis, embora muitas vezes ela tentasse amenizar o que a mãe dissera, claramente uma mulher de opiniões fortes.
— Com “hippie” ela quer dizer pouco convencional — acrescentou Nara.
Sorri para ela e para a Sra. Darmadi e falei:
— Nara, eu e sua mãe nos entendemos perfeitamente.
Como resposta, a Sra. Darmadi tocou na bochecha, o mesmo gesto delicado que eu vira a filha repetir centenas de vezes. Nara sempre se descrevia como “protegida”. Mas sua mãe era muito mais cosmopolita que a mulher muçulmana presa ao lar que ela havia retratado, e percebi que foram seus afiados julgamentos que a fizeram se sentir confinada.
Parti pouco antes das dez. Quando abri a porta do prédio, estava chovendo outra vez, e lembrei que tinha deixado a capa no closet. Voltei, bati várias vezes e, por fim, usei minha chave para entrar, gritando:
— Voltei.
Elas não pareceram me ouvir, com a torneira ligada e o barulho da louça na pia.
Quando abri o closet, ouvi alguns trechos da conversa. Durante a noite, a Sra. Darmadi ocasionalmente havia se dirigido em javanês a Nara, que respondera em inglês, para que eu pudesse entender, ou em holandês, quando não aprovava o que a mãe estava dizendo. Mas agora a mãe sucumbira, e as duas discutiam um pouco em holandês. Em seis meses, eu tinha passado a entender mais da metade do que ouvia, embora um longo tempo fosse se passar antes que ousasse falar, já que ficava confuso com a gramática. Mesmo assim, a Sra. Darmadi, que não era nativa, falava muito mais lentamente que Nara e era mais fácil de acompanhar.
A água foi desligada por um momento, permitindo que eu ouvisse claramente: “Agradável.” Aardig foi a palavra que ela usou, um elogio ameno.
— Não é isso que me preocupa. É muito inapropriado viver com um homem que não é seu marido, ainda mais um homem por quem você está tão obviamente fascinada. Você se vira para ele como uma flor para o sol. Não me surpreende que você esteja com dificuldades no casamento.
— Mãe! — exclamou Narawanda. — O Sr. ten Boom não tem nada a ver com os problemas entre mim e Lewis. Nós estamos afastados há anos.
A mãe respondeu como as mães fazem — Ja, ja —, concordando sem concordar.
Saí de fininho como um ladrão, tentando fingir que não tinha ouvido nada. Quando já estava na porta do edifício, percebi que havia esquecido a capa novamente. Ergui o colarinho e saí na chuva.