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A semana antes da Páscoa era atarefada na vinícola de Cottontail. Como havia um coelho no rótulo e o Vincent fez uma grande publicidade envolvendo o coelhinho da Páscoa, vendemos muitas garrafas de Cuvée Carolina. Quando a azáfama passou, o Vincent deu-me uma folga para eu ir a Portland ajudar o Poppa a deixar a casa. Esta foi vendida rapidamente. Ele e a May Louise compraram uma residência em Oregon City, equidistante do filho dela, Bute, e do campo de golfe de Lone Oak. May Louise comentou que fazia sentido estar perto de ambos. Planeavam mudar-se para a casa nova dois dias antes do casamento.

Parti de Monterey ainda antes do amanhecer e alcancei a saída para Sacramento quando o sol raiava. Considerei conduzir rumo ao norte na Estrada Cento e Um, parando um bocado em Mendocino, tentando descobrir onde a mamã e o Ivor tinham montado a sua tenda, mas o bom senso prevaleceu sobre o sentimento. Tomei o caminho mais curto para a Autoestrada Cinco e continuei em frente. A viagem consumiu-me um dia inteiro. Ouvi emissoras de música country, cantei em coro com Dolly, Wayne e Emmy Lou. Canções sobre amor e desgosto amoroso, principalmente. Sobre um amante infiel, uma criança sem mãe. Tinham letras cruas, porém comoventes. Quando não estava a cantar, interrogava-me para onde se dirigia a minha vida. A certa altura da autoestrada, nalgum lugar ao pé de Redding, a paisagem espraiou-se e espalmou-se, e por cerca de dois quilómetros não se avistou nenhum outro carro, nenhum ser humano, nenhuma casa, nem mesmo uma placa de limite de velocidade, ou com a distância até Portland. Senti-me completamente só.

Algumas pessoas apreciam o desenraizamento. O Jesse, o meu pai, talvez o Brendan, embora eu pensasse que este último regressara ao lar para assentar. Suponho que a mamã tenha sido desenraizada até casar-se com o Ivor. Também eu queria enraizar-me. Só não sabia onde.

Choveu o caminho todo de Oregon City aos arredores de Portland. O monte Hood estava coberto de nuvens. Mas quando eu conduzia rumo a Western Boulevard, o Sol despontou e iluminou as casas. Guiei para a estrada da residência, saí do carro e tirei uma fotografia para pendurar na parede do meu apartamento. Depois entrei na casa.

Encontrei o Poppa na cave, rodeado de caixas.

– Separei as coisas que pretendo conservar, aquelas que talvez conserve, as que são para deitar fora ou dar. A caixa do mealheiro está no corredor. Isto é para guardar.

Sentou-se numa das caixas e arqueou uma sobrancelha.

– Quanto mais envelheço, mais frescas ficam as minhas lembranças – disse ele. – Parece que foi ontem que eu ajudava o meu pai na loja. Recordo-me do meu primeiro dia na escola. Levava uma fatia de pão e mel e uma maçã na minha lancheira. Lembro-me da tua avó a entrar na loja para comprar um gelado. – Ele levantou-se. – Levei a secretária. Vai para o escritório. A May Louise diz que é imperioso que eu tenha um escritório na casa nova. Ela terá um closet. Deixo a mesa de bilhar.

A caixa de alumínio que continha as cartas e fotografias de França repousavam no feltro verde. Poppa pegou nela, segurou-a com as duas mãos, como se estivesse a verificar o seu peso.

– Achas que algum dia irás vê-lo? – perguntei-lhe, suavemente. O Poppa fechou os olhos. Aproximou a caixa do seu peito. Eu podia ouvir a sua respiração firme e pausada.

Depois abriu os olhos.

– Seria bom dar-lhe um aperto de mão antes de morrer – disse ele.

Subimos as escadas e sentámos-nos nos banquinhos na área do pequeno-almoço. A maior parte da mobília já tinha partido. A casa parecia desolada, e de certa maneira mais pequena.

Talvez vá a França neste verão, para a vindima – disse eu. – Na região de Bordéus.

O Poppa não fez comentários. A caixa de lata repousava entre nós.

– Não tentarei encontrar o Dominique, nem nada – disse eu. – Talvez tire umas fotografias.

– Ainda consigo ver tudo com os olhos da mente – disse o Poppa. – A quinta, a floresta, o caminho entre as árvores, as estradas planas que percorremos de bicicleta. Uma fotografia seria bom.

– Sentirei saudades desta casa – disse eu.

– Também eu – confirmou o Poppa. – Mas levamos as nossas lembranças connosco.

Declinei o convite para jantar com ele e a May Louise num restaurante. Estava tão exausta que mal conseguia aguentar-me de pé ao descer do banquinho. Caí na cama e dormi um sono sem sonhos durante nove horas. Dobrei os cortinados e a colcha, e guardei-os na mala juntamente com o meu urso de peluche e os meus diplomas escolares. Retirei o meu póster emoldurado dos Muppets e os livros que considerei que podia partilhar e encaixotei-os devidamente. Empacotei a casa de bonecas, almofadando cada minúscula peça de mobília, cada figura de plasticina num daqueles invólucros de bolhas. Escrevi um cartão para a Alex: «Espero que te divirtas tanto com esta casa como eu me diverti.» Apeteceu-me acenar uma despedida quando a carrinha da Fed-Ex partiu com a minha infância.

Depositei a mala no porta-bagagens do meu carro, beijei o Poppa ea May Louise, desejei-lhes boa sorte no dia do casamento e pus-me a caminho de Monterey.

Dois dias mais tarde, o Poppa e a May Louise casaram-se sem confusões na igreja episcopal em Spokane, que a noiva havia frequentado cerca de vinte anos antes. Não era o templo em que ela se tinha casado pela primeira vez. E agora as testemunhas eram o casal que apresentara o Poppa a May Louise no campo de golfe. Depois da cerimónia, seguiram diretamente para o aeroporto e voaram rumo a Buenos Aires, onde passaram uma semana a aprender o tango. Considerei aquele um excelente modelo de casamento.