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HONOR

Decidi caminhar até ao meu apartamento. Queria cansar-me tanto que cairia de sono. Sentia-me feliz por Didier, de um modo melancólico. Por uma vez, a possibilidade de uma relação tinha acelerado o ar entre nós. Ambos rejeitáramos tal possibilidade sem que sequer fosse necessário discuti-la. Mas, pela primeira vez desde que eu deixara o Hugo, senti-me despojada.

O ar estava suave e enevoado. Em Soho Square, as folhas das árvores tremeluziam no persistente ocaso. Abri caminho entre os beberrões que gritavam e riam na esplanada de um bar.

O Diarmuid encontrava-se agora na plataforma da estação St. Pancras, pensei. Imaginei-o a sorrir enquanto a Katy ultrapassava as barreiras que a separavam dele. A raiva cresceu dentro de mim. Apressei o passo. O Diarmuid estava a abrir os seus braços. Não. Não queria ver aquilo. Pensa noutra coisa qualquer. Como o Hugo também a chegar para encontrar a Katy. Sim. Melhorou. O Hugo a passar sob o arco rumo a estação. Katy a correr e a ignorar o Diarmuid. Ela a saltar para os braços do Hugo. Diarmuid voltando-se. A vê-los. O Hugo a girar a Katy nos seus braços. Ambos a rirem. O Diarmuid incrédulo, estupefacto. Aquele era um satisfatório desenvolvimento da intriga. Parei. Algum bom senso residual recordou-me de olhar à direita antes de atravessar a Decan Street. A cena da estação St. Pancras tornou-se uma imagem congelada na minha cabeça.

Alcancei o passeio oposto. O meu cérebro desatou a projetar o filme novamente. O Hugo a conduzir a Katy para fora da estação. Gostava daquilo. Galguei St. Anne’s Court. O Hugo e a Katy a chamarem um táxi. Este a desaparecer na noite. Cheguei ao quarteirão onde vivia. Peguei no porta-chaves para abrir a porta. E agora, onde se encontrava o Diarmuid? A câmara do meu olho esquadrinhou a multidão. Ali estava ele, imóvel onde o deixara. Parecia perturbado. Quis confortá-lo. Não fiques triste, Diarmuid. Aquilo já dura há meses. O filme acelerava-se. Escrevia o diálogo enquanto subia as escadas para o meu apartamento. Ouve, Diarmuid. Eles já andam naquilo há meses. A fazer-te de tolo. Eu estava no filme e ao mesmo tempo não estava no filme. Não vês que ela é completamente errada para ti? Introduzi a chave na fechadura. Precisas de alguém que realmente te ame, Diarmuid. Abri a porta. Liguei a luz. Precisas de mim.

Aquilo atingiu-me como um míssil teleguiado direitinho ao coração. Estava apaixonada pelo meu melhor amigo.

A porta fechou-se atrás de mim. Encostei-me a ela e disse em voz alta:

– Honor Brady, és uma estúpida, estúpida, estúpida!